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O segredo mais bem guardado da política climática brasileira w625b

Um gráfico público, mas escondido, revela que a pecuária emite mais que todos os outros setores somados. Precisamos olhar para isso com mais atenção

5 de junho de 2025
  • Alexandre Mansur 3q426s

    Diretor de projetos do Mundo Que Queremos

  • Angélica Queiroz 3oy6b

    É jornalista

Se você entrar agora no Google e pesquisar quais são as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa no Brasil, provavelmente vai encontrar algumas versões mais ou menos parecidas de um gráfico em formato de pizza. É ele que todo mundo, inclusive a maioria dos especialistas em clima, usa para embasar suas análises e planejar ações prioritárias. O gráfico mostra que, no Brasil, o maior responsável pelas emissões é uma coisa misteriosa chamada “mudanças no uso da terra”. Mas, você sabe o que é isso? Simplificando, podemos dizer que é o desmatamento, boa parte dele ilegal. Acontece que atribuir as emissões ao desmatamento é um tanto abstrato, não acha? Quem é a fonte emissora desse desmatamento? Qual setor? Quais empresas? Qual cadeia de produção?

O desmatamento libera para a atmosfera o carbono que estava estocado nos nossos extensos biomas, que funcionam como grandes reservatórios de carbono e desempenham um papel essencial na regulação climática global. Além de emitir, gera perda de biodiversidade, mata os mananciais e afeta a produção de chuvas (que nascem da evapotranspiração das plantas). Ainda por cima, é desnecessário porque há terra de sobra já aberta e mal aproveitada. Assim, o desmatamento, que não deve ser incentivado em nenhum lugar, é ainda mais grave por aqui, especialmente na Amazônia, mas não só. Portanto, não é interessante que as atividades responsáveis por toda essa emissão fiquem camufladas. Os setores responsáveis pelo desmatamento são a agricultura e a pecuária. Cerca de dois terços do desmatamento estão relacionados à abertura de terras para pastos. E um terço para cultivos agrícolas. 

Existe uma justificativa dos técnicos para o uso desse gráfico em formato de pizza, que utiliza a metodologia padrão estabelecida pelo Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Mas, embora essa metodologia possa ser adequada para outros países, aqui ela acaba mascarando a nossa maior fonte de emissões. Isso acontece porque o perfil das emissões de gases de efeito estufa brasileiro se distingue bastante de outros países. Na maioria daqueles ditos desenvolvidos os setores de energia e transporte lideram as emissões, mas no Brasil é diferente, em parte por nossa matriz energética limpa, em parte por nossa taxa ímpar de desmatamento. 

Acontece que existe um outro gráfico, incrivelmente e infelizmente desconhecido, que mostra de verdade as emissões do Brasil por setor emissor. A última edição desse gráfico, de 2023, mostra de novo que a pecuária bovina é a maior emissora. E não só a maior. As emissões da pecuária bovina são maiores do que de todas as outras fontes somadas, inclusive o resto da agricultura. Isso é assim desde que as medições começaram, há mais de dez anos. Todos os combustíveis fósseis, que estão tão na pauta atualmente (com razão), emitem menos que o desmatamento da pecuária. Esse gráfico com as fontes reais de emissão talvez seja o segredo mais bem guardado da política climática brasileira. Um segredo que, estranhamente, é público, já que qualquer um pode ar o material, disponível online. Ele é produzido pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, (SEEG), do Observatório do Clima.

Fonte: SEEG

A cor laranja da barra de emissões da pecuária é o desmatamento. A cor verde é o metano da digestão bovina. Para encontrar esse gráfico, basta seguir esses os: entre no site do https://seeg.eco.br/ | clique em “e a plataforma” | na barra do meio, selecione “ranking” | selecione “analisar por sub-categoria emissora” | selecione “rankear por atividade geral”. Olhando para ele fica tudo muito claro. 

Sabendo que a pecuária é tão importante, precisamos reduzir suas emissões, especialmente de desmatamento. Há vários esforços em curso. Muito dinheiro investido. Muitas promessas. Muito marketing. Muitos compromissos públicos. Muitos prazos adiados. Para saber a situação real, o instrumento de monitoramento da cadeia toda é o Radar Verde. Ele avalia todo ano o quanto os  frigoríficos e supermercados conseguem comprovar que não têm desmatamento em suas cadeias. O Radar Verde é único indicador público e independente da cadeia da carne brasileira. O único que avalia toda a cadeia da carne, todas as fazendas por onde os bois am. A iniciativa é coordenada pelos institutos O Mundo Que Queremos e Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O Radar aposta nesse setor porque entende que as empresas que compram gado dos pecuaristas são peças-chave para mudar o rumo da pecuária brasileira. 

Compartilhei o gráfico com André Lima, secretário de Controle do Desmatamento e Planejamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente. “Esse é o nosso grande desafio hoje”, disse ele. “Se o Brasil tem uma contribuição expressiva para dar no contexto da redução das emissões, da mitigação das emissões em escala global, não tenho dúvida que é o desmatamento”, afirmou. Segundo ele, é preciso refinar esse desafio, considerando que na Amazônia cerca de 90% do desmatamento é ilegal e cerca de 10% seria legal. E que no Cerrado a proporção seria próxima de meio a meio. “Então precisamos discutir o desmatamento com o setor agrícola e agropecuário”, disse. “Se nós formos bem sucedidos, como estamos sendo nos últimos três anos, isso significa também uma pressão menor sobre os demais setores da economia para redução de emissões. Quer dizer, o nosso grande lastro para cumprimento da meta Brasil carbono neutro até 2050. E esse gráfico revela isso de uma maneira muito clara.”

Informação de qualidade é fundamental. Segundo David Tsai, coordenador geral do SEEG pelo Observatório do Clima, compreender a contribuição de cada setor é essencial para que o Brasil possa honrar seus compromissos internacionais de redução de emissões. É essencial que esse gráfico de emissões por setor, atribuindo o peso correto a cada fonte, seja cada vez mais colocado em evidência, e usado como ponto de partida para qualquer conversa ou planejamento na área do clima. A conversa sobre exploração de petróleo na Margem Equatorial tem outra forma quando se considera que apenas o desmatamento da pecuária emite duas vezes mais do que os combustíveis fósseis no Brasil. O escopo do mercado regulado de carbono no Brasil tem outra dimensão quando se pensa que pecuária e agricultura, responsáveis por dois terços das emissões do país, estão fora dele. As ações para responsabilizar empresas e setores emissores por danos climáticos ganha novos contornos quando se pensa que as empresas da cadeia da carne são as maiores emissoras no Brasil. Por todas essas razões, o gráfico de emissões por setores de verdade precisa estar na frente de todos os outros.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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