Reportagens

Rádio-colar, uma ferramenta necessária à conservação 3p4ta

Equipamento é leve, não prejudica nem a saúde nem altera o comportamento do animal, além disso é essencial para compreender seus hábitos.

Adriano Gambarini ·
27 de junho de 2013 · 12 anos atrás
Ao contrário do que alguns pensam, um colar não prejudica o dia-a-dia do animal, que pode correr, buscar alimento e reproduzir. Fotos: Adriano Gambarini.
Ao contrário do que alguns pensam, um colar não prejudica o dia-a-dia do animal, que pode correr, buscar alimento e reproduzir. Fotos: Adriano Gambarini.

Uma das atividades previstas para esta campanha de captura de lobos-guará na região da Serra da Canastra é a colocação de radio-colar com GPS e dispositivo de comunicação com um sistema de satélites. Um equipamento de alta tecnologia que permite que o animal seja acompanhado à distância, por meio de sinais que são enviados periodicamente. Desta forma é possível saber, entre outras informações, qual é a área em que vive aquele lobo, sobreposição desta área sobre a de um possível parceiro para reprodução, comportamento social e parental, proximidade ou presença em propriedades rurais, etc.

A utilização de rádio-colar é uma prática antiga nos meios científicos, e tem trazido, ao longo de décadas, informações primordiais para uma melhor compreensão sobre ecologia e comportamento de diversas espécies da fauna silvestre mundial, desde elefantes africanos a pequenas aves migratórias. E tais informações não se limitam apenas ao conhecimento acadêmico; muitas delas são aplicadas justamente para contextualizar as intricadas relações biológicas entre as espécies e definir, por exemplo, áreas para formação de Unidades de Conservação.

Aqui na Serra da Canastra os trabalhos com lobos-guará começaram em 1978, com James Dietz. Foi justamente a prática de colocação de radio-colar que trouxe grandes avanços nos estudos sobre habitats, tolerância de áreas alteradas pelo homem, estudos epidemiológicos e transmissão de doenças aos lobos por contato com animais domésticos, entre outros parâmetros de pesquisa.

Ao contrário de que muitos leigos possam erroneamente afirmar, os trabalhos realizados desde 2000 por Rogerio Cunha e uma série de outros pesquisadores de diversas áreas aumentaram exponencialmente o conhecimento biológico e sobre a saúde do lobo-guará. Existem protocolos bem definidos e pode-se dizer que o conhecimento adquirido em 13 anos de pesquisa na Canastra possibilitaram a produção de trabalhos importantes, entre eles o Plano de Ação para Conservação do Lobo-Guará (PHVA), que se tornou a base para que novos programas de conservação surgissem em diversas regiões do Brasil e outros países da América do Sul.

Mapa de localizações de 10 lobos na região da Serra da Canastra (cada lobo é identificado por uma cor) de 2007 a 2013. Cada ponto se refere a um lugar de ocorrência de cada indivíduo.
Mapa de localizações de 10 lobos na região da Serra da Canastra (cada lobo é identificado por uma cor) de 2007 a 2013. Cada ponto se refere a um lugar de ocorrência de cada indivíduo.

Argumentos anticientíficos

“O colar usado nos lobos da Canastra é feito de material leve, sintético, hipoalergênico. Não provoca feridas, nem desgaste na pelagem do pescoço.”

Nos últimos anos, um movimento sem fundamentação técnico-científica tem causado polêmicas incabíveis ao questionar o uso de rádio-colares em animais silvestres. Tais argumentos mostram a grande falta de conhecimento sobre o tema e infelizmente têm feito muita gente se opor a um procedimento de pesquisa que existe há mais de 50 anos. Nesse tempo, só houve melhorias visando o bem-estar animal e reduzindo riscos à sua saúde. E então vai uma pergunta: o que é mais prejudicial a um animal: um radio-colar cujo peso não ultraa 3% de seu peso corpóreo (e na grande maioria das vezes é bem inferior a isso), ou a ignorância sobre ele e os riscos à sua sobrevivência, como cruzar uma estrada cujo fim provavelmente não será o outro lado?

Ser sedado uma única vez para coleta de sangue que embasa pesquisas, ou ter contato com animais domésticos que provavelmente transmitirão doenças desconhecidas no meio silvestre? Ser monitorado à distância para descobrir sua área de vida, ou ser abatido por adentrar em uma propriedade rural, mesmo que as pessoas saibam que um bicho não entende nada sobre cercas e divisas?

O colar usado nos lobos da Canastra é feito de material leve, sintético, hipoalergênico. Não provoca feridas, nem desgaste na pelagem do pescoço. O animal não tem seus padrões comportamentais (de vida, alimentação, reprodução), afetados pelo equipamento que perdura em seu pescoço durante poucos anos. E o que não falta nesta equipe é experiência de sobra no assunto. A conta é de 59 animais acompanhados pelo método desde 2004. E justamente porque ao longo do tempo os objetivos foram sendo atendidos, o número de animais capturados e aparelhados diminuiu consideravelmente desde então.

Em 2004, foram 12 lobos marcados com rádio-colar. Já em 2011 apenas dois. Um único animal em 2012 e neste ano apenas um animal recebeu colar na primeira expedição, em março. Isto sem contar que na mesma campanha um lobo foi recapturado e teve seu colar retirado. Aliás, esforços de recaptura e retirada dos colares antigos são realizados ano a ano.

Nesta campanha que compartilho com vocês, dois lobos já foram capturados, mas nenhum deles recebeu o aparelho. Tudo é feito com planejamento e critério.

Nenhum se feriu nos procedimentos de captura, tampouco pela utilização do colar. Atualmente, os aparelhos possuem um dispositivo que solta o colar automaticamente após um período pré-programado. Aqui, o projeto definiu um tempo de no máximo 12 meses para soltura.

Enfim, aparelhar um animal silvestre é invasivo? Talvez, mas é uma medida essencial para as pesquisas do lobo-guará e outros animais. É a ponte para o sucesso da conservação. Os problemas verdadeiros são a invasão do homem sobre áreas originalmente nativas, o seu distanciamento a uma forma equilibrada de convívio com o meio ambiente, sua intolerância e seu apego a crendices.

Clique nas imagens para ampliá-las e ler as lendas

*Matéria atualizada em 28/06/2013, às 16h31.

 

  • Adriano Gambarini 3k4v5k

    É geólogo de formação, com especialização em Espeleologia. É fotografo profissional desde 92 e autor de 14 livros fotográfico...

Leia também 1b437

Salada Verde
30 de maio de 2025

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 3e3u1p

Mobilização ocorre em ao menos 12 capitais. Protestos estão marcados para ocorrer neste domingo e marcam o início da semana do meio ambiente

Salada Verde
30 de maio de 2025

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 6h3f5g

Países caminham para que a principal meta do Acordo de Paris seja descumprida. Chance de que o aquecimento fique entre 1,5ºC e 1,9ºC em pelo menos um dos próximo cinco anos é de 86%, diz ONU

Reportagens
30 de maio de 2025

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa

Mais de ((o))eco 386al

parques nacionais 2y361w

Colunas

Primeiro parque nacional surgiu na Ásia 6v1a1o

Notícias

Contagem regressiva para Um Dia no Parque, evento que celebra as áreas protegidas 271837

Colunas

Gary Wetterberg e os parques nacionais do Brasil 5l2k6r

Reportagens

Isolamento reforça importância dos parques para a saúde 3g6m4z

fauna 4o414o

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 6m1s35

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 54d1h

unidades de conservação 4x4ed

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Colunas

Mercantilização e caos no licenciamento ambiental brasileiro 6y4jn

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 38r1b

ibama 306r2w

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 245z1d

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal 3y332h

Salada Verde

Assassinato de onça-pintada será investigado pela fiscalização federal 6w684m

Salada Verde

Processo contra Salles por contrabando de madeira volta ao STF 4i6z65

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.