Reportagens

APAs: o elo fraco da proteção 5ma5p

As áreas de Proteção Ambiental foram criadas para funcionar como um escudo para as UCs. Poucos são os casos onde cumprem esta função.

Observatório das UCs ·
19 de março de 2015 · 10 anos atrás

Pôr do sol na Chapada dos Veadeiros, próximo a APA Pouso Alto. Foto: © Marcello Casal Jr/ABr
Pôr do sol na Chapada dos Veadeiros, próximo a APA Pouso Alto. Foto: © Marcello Casal Jr/ABr

As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) foram criadas para funcionar como zonas de amortecimento – espécie de cinturão – em torno de Unidades de Conservação (UCs) integral, como os parques nacionais, por exemplo. No entanto, a prática fez delas o “elo fraco” quando se fala em proteção dos recursos naturais, opina o biólogo Reuber Brandão, coordenador do Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação, da Universidade de Brasília (UnB).

A APA é uma das sete categorias de uso sustentável no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), definido na Lei nº 9.985/2000. O SNUC reúne o conjunto de UCs federais, estaduais e municipais com objetivos específicos e diferenciados quanto à forma de proteção e seus usos permitidos. Pela lei, uma APA pode ser de terras públicas ou privadas.

“Elas são muito permissivas e acabam se tornando apenas uma UC de papel”, disse ao Blog do Observatório de UCs. “A maior parte delas não tem istração eficiente, conselho gestor ou chefe nomeado e não contam com plano de manejo que deve estabelecer o zoneamento. Isso enfraquece seu papel no controle da ocupação do território”, argumenta.

Segundo Brandão, as Áreas de Proteção Ambiental perdem sua funcionalidade por serem ineficientes na hora de conter o avanço de atividades que degradam o meio ambiente. Até indústrias podem ser instaladas, algo que só depende do seu órgão gestor.

As APAs podem ser, de fato, efetivas, quando conseguem estabelecer zonas de vida silvestre e áreas voltadas para a manutenção da paisagem natural. Brandão observa que, quando há um envolvimento da comunidade no Conselho Gestor, é possível que o planejamento da UC seja melhor.

“Mas não conheço bons exemplos. Apenas o Distrito Federal tem, pelo menos, cinco APAs e nenhuma delas conseguiu limitar a criação de novos bairros. Os conselhos gestores acabam sendo loteados entre órgãos governamentais e setores da sociedade que não têm interesse na conservação”, reclama.

Imbróglio na Chapada

Um caso na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, ilustra bem a situação. O imbróglio tem tomado conta da APA do Pouso Alto, uma UC estadual em Goiás. A APA engloba Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Colinas do Sul, Nova Roma, São João da Aliança e Teresina de Goiás.

Criada por meio do Decreto Estadual no 5.419, em 2001, a Área Protegida tem 872 mil hectares e, por estar no bioma Cerrado, é considerada um hotspot. Isto é, uma área prioritária para conservação rica em biodiversidade, porém ameaçada.

O problema é a aprovação do plano de manejo que está em discussão desde 2005. “A versão mais recente sofreu manipulação de um grupo que domina o Conselho Consultivo e é comprometido com interesses da agroindústria. O grupo propõe pontos que podem causar ameaças irreversíveis”, explicou Marcus Saboya, da ONG Rede de Integração Verde ao Blog do Observatório. Saboya integra o Conselho Consultivo como representante da sociedade civil.

O ambientalista define a situação como “uma queda de braço” entre grupos econômicos e segmentos ambientais. As grandes pressões sobre a APA são a agricultura industrial de soja e milho, além do plantio de eucaliptos, cultivo de transgênicos e uso intensivo de agrotóxico.

A versão do plano de manejo que espera ser votada prevê a facilidade de desmatamento de 100 hectares em áreas mais sensíveis sem a necessidade de estudos, “uma licença praticamente automática”, criticou. “A APA ficaria a mercê do código florestal estadual de Goiás que virou um corredor da soja. Será permitida a pulverização aérea de agrotóxicos dentro da APA. Com o tempo, irá contaminar as nascentes”.

Outra preocupação para o ambientalista é proteger os campos de altitude acima de 1.200 metros. “Estamos sem nenhuma proteção dessas regiões de nascentes”, reclamou.

A esperança, anunciou Saboya, é a interferência do Ministério Público, que pediu vistas da documentação para verificar a legitimidade e legalidade do Conselho Consultivo e da Procuradoria Geral da República, que já instaurou inquérito civil público para acompanhar o processo.

Na opinião de Reuber Brandão, o estado de Goiás tem uma “mentalidade ruralista” tendo a Chapada dos Veadeiros como a última fronteira dos grandes empreendimentos agrícolas.

“É um perfil vândalo de degradação e não de desenvolvimentista dessa APA. Este padrão de uso dos recursos naturais já colocou várias UCs de Goiás em estado de calamidade”, denunciou.

 

*Este texto é original do blog Observatório de UCs, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo.

 

 

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