Análises

Sem direitos, sem REDD; ou, sem REDD, menos direitos? 2l101z

REDD não é a solução para todas as mazelas florestais, mas daí a dizer que pode trazer mais danos do que benefícios há uma distância solar.

André Lima ·
5 de março de 2010 · 15 anos atrás
Bois retirados da floresta nacional do jamanxin em operação do Ibama. "Não será possível cumprir as metas estabelecidas no PNMC (Plano Nacional de Mudanças Climáticas) apenas com helicópteros, fuzis, satélites, power points com fotos e gráficos sobre o valor da floresta e cortes nos créditos." (foto divulgação Ibama)
Bois retirados da floresta nacional do jamanxin em operação do Ibama. “Não será possível cumprir as metas estabelecidas no PNMC (Plano Nacional de Mudanças Climáticas) apenas com helicópteros, fuzis, satélites, power points com fotos e gráficos sobre o valor da floresta e cortes nos créditos.” (foto divulgação Ibama)

Há uma corrente ambientalista que defende que REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) pode trazer mais danos do que benefícios socioambientais às florestas e suas populações. Alegam que a oportunidade de recurso para pagamento por manutenção de floresta em pé ou redução de desmatamento, na ausência de uma regulamentação firme e efetiva, atrairá o interesse de “gigolôs de floresta” que se aproveitarão da falta de governança reinante nos trópicos para expulsar populações vulneráveis e se apropriar de terras públicas florestadas.

O jornal Folha de São Paulo, de 23 de janeiro ado (pag. A15) noticia o lançamento de estudo de um grupo de entidades ambientalistas chamado RRI (Iniciativa para Direitos e Recursos, sigla em inglês – www.rightsandresources.org ) que sugere que esse risco é sério e deve ser levado em consideração, principalmente em países como Congo.

Estamos diante de um dilema entre direitos. Os direitos territoriais de povos indígenas, populações tradicionais e agricultores familiares correspondem a direitos sociais básicos e fundamentais para o exercício da cidadania e a dignidade humana. Portanto, é óbvio que tais direitos correspondem ao pressuposto número um para qualquer iniciativa de REDD ou qualquer outra política pública com impactos territoriais.

Por outro lado, sabemos que a ausência de, ou o baixo valor econômico atribuído às florestas em pé, é uma das principais causas que motivam a sua conversão de floresta em pé para áreas “produtivas”. Isso é custo de oportunidade. Portanto, urge o desenvolvimento de estratégias amplas e seguras que valorizem economicamente essas florestas (também em benefício de suas populações) para dar-lhes sobrevida.

É por isso que defendemos que REDD é mais do que um pequeno projeto local que beneficia um pequeno território isolado num mar de áreas com florestas vulneráveis. Defendemos, tanto no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas como no âmbito nacional, que REDD seja compreendido como uma estratégia em que a governança ambiental seja o pressuposto básico. Governança contempla necessariamente mecanismos de regularização fundiária, de monitoramento, de transparência, de gestão, mas também mecanismos econômicos. Governança não é somente a lógica do porrete.

Nesse aspecto (lógica do porrete), o Brasil de fato avançou, embora obviamente ainda tenha que melhorar muito. Temos metas nacionais de redução de emissões (inclusive metas específicas para desmatamento na Amazônia); dispomos de um plano nacional de controle dos desmatamentos; contamos com sistemas sofisticados de monitoramento remoto de desmatamento, inclusive em tempo real; há legislação e constituição que garantem direitos socioambientais, inclusive territoriais; contamos com planos estaduais de prevenção e controle dos desmatamentos na Amazônia com metas integradas ao Plano Nacional de Mudanças Climáticas; acumulamos boa experiência com estratégias de controle de desmatamento em regiões e municípios prioritários (Dec, federal 6321/07), inclusive com corte de crédito para produtores rurais ilegais.

O que falta é sairmos do discurso fácil de que precisamos avançar para os mecanismos econômicos que incentivem a manutenção das florestas e que revertam o modelo predatório de uso da terra reinante nas fronteiras florestais e rurais. Não será possível cumprir as metas estabelecidas no PNMC (Plano Nacional de Mudanças Climáticas) apenas com helicópteros, fuzis, satélites,  power points com fotos e gráficos sobre o valor da floresta e cortes nos créditos. Cadê a valorização efetiva das florestas? O que o governo está fazendo de fato e de direito nesse campo? Certo, vão dizer os mais informados e com alguma razão que aprovou a Lei de Gestão de Florestas Públicas. Sim, esse é um avanço, mas o que mais? Sem a valorização econômica das florestas os resultados são direitos frágeis, flácidos, de papel, porque as florestas serão vendidas paulatina e progressivamente a preço de banana para sobrevivência das populações residentes que vão preferir produzir seu boizinho, garantir seu ganha pão com a venda da madeira de lei, arrendar ou vender seus lotes e partir para outras sendas.

Então a proposta é REDD sim, com fortalecimento de direitos! E vamos trabalhar fortemente no âmbito da regulamentação do tema, seja no âmbito nacional, seja no internacional, para que possamos garantir os direitos necessários associados às florestas com prioridade às populações locais, indígenas e não-indígenas. Claro que REDD não é a solução para todas as mazelas das fronteiras florestais dinâmicas, e que as soluções necessárias não surgem do papel, mas daí a dizer que REDD pode trazer mais danos do que benefícios às florestas e suas populações tem uma distância solar. Como diz minha sobrinha: “ Menas!”

  • André Lima 343x5a

    André Lima é Advogado, Mestre em Gestão e Política Ambiental e pesquisador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de...

Leia também 1b437

Notícias
29 de maio de 2025

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WR 1p3pn

Incêndios catastróficos impulsionam o fenômeno. Total perdido atinge 6,7 milhões de hectares, quase o dobro de 2023 e uma área próxima ao território do Panamá

Reportagens
29 de maio de 2025

Ribeirinhos e MPF querem cancelar licença para remover rochas em rio da Amazônia pb6y

Ibama autorizou implosão do Pedral do Lourenço, no Pará, obra que viabiliza a hidrovia Tocantins-Araguaia, nesta segunda-feira (26)

Salada Verde
29 de maio de 2025

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 6b493i

Com cinco episódios, a série documental traz reflexões sobre colapso, memória e reconstrução a partir da tragédia no Rio Grande do Sul

Mais de ((o))eco 386al

mudanças climáticas 4jg2j

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 6b493i

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 3j1y6t

Reportagens

“Brasil não pode ser petroestado e líder climático ao mesmo tempo”, alerta Suely Araújo 6f1l7

Notícias

“O poder da juventude está em aproximar realidades cotidianas dos espaços de decisão” 5i55

redd 105k5g

Colunas

REDD+ em terras indígenas e marco temporal na mesa de negociações 6v3h38

Reportagens

Inação do governo provoca boom no mercado voluntário de créditos de carbono 705c6w

Reportagens

Governo transfere responsabilidade de corte de emissões ao setor privado 2t5745

Reportagens

Famílias vão receber mil reais por mês para manter a floresta em pé 416am

florestas 3t4l13

Notícias

ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30 722t1q

Análises

O Brasil na vanguarda da sustentabilidade global 5y26d

Notícias

Planeta perdeu 11 campos de futebol de florestas por minuto em 2022; Brasil lidera ranking 1p2o5

Salada Verde

Um guia rumo à transparência da gestão florestal 4y1y3y

amazônia 245k3y

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 9106o

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 22263e

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.