Análises

A insustentável alienação do consumo humano v3t3j

O conceito de desenvolvimento sustentável aumentou sua difusão e a eficência econômica também. Mas consumo ainda sobe brutalmente

Ibsen de Gusmão Câmara ·
25 de março de 2013 · 12 anos atrás
A humanidade continua a consumir como se não houvesse amanhã. Foto: Pixabay.

Há décadas a comunidade internacional vem mantendo a crença em um mito, o de que é possível desenvolvimento econômico contínuo e ir em um planeta com recursos limitados e que, para mensurá-lo, basta computar periodicamente o valor de todos os bens e serviços produzidos, num indicador denominado Produto Interno Bruto (PIB), sem atentar para os respectivos impactos sobre os recursos naturais utilizados.

A título de exemplo, o valor de uma floresta só é avaliado quando derrubada, ignorando-se quanto valeriam o ecossistema íntegro e os serviços ambientais por ele prestados, tais como produção de oxigênio, regulação do fluxo dos rios, captura de dióxido de carbono e tantos outros. Igualmente, o pescado só é considerado como valor quando retirado do oceano, sem considerar os danos causados à biota da massa d’água onde ele se encontra; os combustíveis fósseis, somente quando extraídos, sem levarem-se na devida conta o empobrecimento dos estoques ou redução das jazidas; e assim por diante. No que pesem suas óbvias impropriedades, o aumento do PIB, segundo seu conceito vigente, é meta prioritária de todas as nações, no que pese ser imprescindível criar-se um sistema de medição mais racional e significativo.

Esse sistema esdrúxulo de avaliar-se o desenvolvimento atendeu razoavelmente aos seus propósitos enquanto a população humana foi relativamente pequena e quando muitos acreditavam ingenuamente que os recursos terrestres eram inesgotáveis. Entretanto, com a explosão tecnológica acelerada e o crescimento demográfico persistente, e consequentemente o aumento descontrolado do consumo, o sistema demonstrou evidências óbvias de inadequação.

“(…) o pescado só é considerado como valor quando retirado do oceano, sem considerar os danos causados à biota da massa d’água onde ele se encontra”.

A revista científica Nature publicou um trabalho extremamente interessante, o qual indicou que pelo menos em três áreas de atividades humanas os limites aceitáveis já se encontram ultraados, no que se refere à qualidade de vida humana e sustentabilidade do ambiente: impacto sobre a biodiversidade, mudanças climáticas e  ciclo de nitrogênio, este último devido essencialmente à agricultura.

O mesmo trabalho indicou outras seis áreas nas quais nos aproximamos perigosamente do inaceitável: uso do solo e da água, poluição, ciclo do fósforo, emissão de aerossóis e acidificação dos mares.

O reconhecimento gradativo de que nossa civilização embrenhou-se num rumo errado levou a ONU, em 1987, através de sua Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a divulgar o conceito de “desenvolvimento sustentável” como sendo aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras alcançarem suas próprias necessidades”. O conceito é perfeito, mas, desde então, resta saber como amplamente concretizá-lo na prática.

Eficiência maior, consumo muito maior

Dos inúmeros recursos naturais utilizados na vida quotidiana, alguns, se bem geridos, podem ser considerados renováveis. A água é um exemplo típico, ainda que hoje seja escassa em muitas regiões. Mas, devidamente cuidada, pode ser reutilizada para sempre. Outros podem ser ou não renováveis, tal como a madeira; se seu uso for compatível com o limite de renovação das florestas nativas ou plantadas, ele o é, mas não o será quando o recurso for utilizado abusivamente. E lembre-se nesta oportunidade que boa parte das florestas mundiais já desapareceram. Muitos outros recursos, porém, só item ser usados uma única vez, a exemplo dos combustíveis fósseis. Nesse caso, a única solução para aproximar seu emprego da sustentabilidade é utilizá-los com parcimônia, coisa que jamais aprendemos a fazer. Em todos esses casos, a reciclagem, a grande lição da natureza, deve ser amplamente utilizada dentro do conceito de desenvolvimento sustentável.

“A produção e o consumo de bens em escala global aumentaram tanto que, nos últimos 20 anos, a extração de recursos da Terra cresceu 41% e o uso dos fertilizantes nitrogenados aumentou 135%”

Os conceitos de desenvolvimento sustentável e uso sustentável de recursos vêm sendo gradativamente assimilados e já resultados significativos, ainda que longe da completa sustentabilidade. Um interessante documento divulgado pela consultoria KPMG indicou que, tomando-se como referência os números de 1990, e considerando o PIB global de 2011, cada dólar nele computado foi alcançado com menos 23% de matéria prima e 21% a menos de emissão dos gases do efeito estufa. Mas, em contrapartida a esse êxito realmente notável, a produção e o consumo de bens em escala global aumentaram tanto que, nos últimos 20 anos, a extração de recursos da Terra cresceu 41% e o uso dos fertilizantes nitrogenados aumentou 135%. Portanto, o esforço de racionalização da utilização dos recursos não está impedindo um aumento total brutalmente exagerado.

Nos últimos tempos, tem surgido uma ampla discussão sobre o que seria uma possível nova forma de economia, a Economia Verde. Segundo a ONU, ela é aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano, devido à preocupação maior com a equidade social, os riscos ambientais e a escassez de recursos naturais. Significaria fugir do sistema que gerou as crises mundiais dos tempos recentes, envolvendo clima, fome, crises econômicas e agressões ao ambiente. Essas intenções são magníficas, mas de que forma concretizá-las é uma profunda incógnita.

Face às condições do mundo atual, uma afirmação é possível: o futuro TERÁ que ser diferente, ou a nossa civilização irracional, cedo ou tarde, entrará em colapso. É inconcebível extrapolarmos suas tendências de esbanjamento de recursos naturais e de consumo descontrolado. Os limites físicos do planeta Terra não o permitirão por muito tempo.

A grande conferência internacional Rio+20 poderia ter resultado em um esboço do início de uma solução. As dezenas de líderes mundiais presentes, no entanto, esquivaram-se de fazê-lo, preferindo postergá-lo para um futuro mal definido. Enquanto isto, os grandes problemas ambientais já configurados não param de agravar-se.

*Conheça mais sobre o autor, Ibsen de Gusmão Câmara, nesta entrevista exclusiva de ((o))Eco

  • Ibsen de Gusmão Câmara 1v6y6v

    Pioneiro do movimento ambiental no Brasil, notabilizou-se na paleontologia e na conservação da natureza.

Leia também 1b437

English
2 de junho de 2025

Protected areas along an Amazon highway in sight of land grabbing, deforestation and fire 1c4w5j

Finishing the pavement of BR-319 in Brazil could unleash an environmental destruction capable of irreversibly changing the world's climate

Análises
2 de junho de 2025

Em boa hora 6a3h

Aprovação da Lei do Mar pela Câmara de Deputados ganha relevância internacional após o reconhecimento da ampliação da Plataforma Continental na Margem Equatorial

Salada Verde
2 de junho de 2025

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 3t1c1y

Os recursos podem vir de reformas de bancos multilaterais, maiores financiamentos, capital privado e um fundo florestal

Mais de ((o))eco 386al

política ambiental 5n5325

Análises

Em boa hora 6a3h

Salada Verde

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 3t1c1y

Fotografia

Galeria: Veja como foram os atos contra o PL da Devastação 4h4vf

Salada Verde

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 3e3u1p

água 1g2k4w

Salada Verde

Exposição fotográfica e livro retratam a crise hídrica no Brasil  m231g

Notícias

Cobertura de água no Brasil diminuiu 6,3 milhões de hectares nas últimas quatro décadas 663n4g

Salada Verde

70% dos brasileiros ignoram que Cerrado é fonte nacional de água 76o6p

Colunas

O centenário imbróglio das águas paulistanas 684838

desenvolvimento sustentável 424g5h

Colunas

Desenvolvimento Sustentável: afinal, o que é isso? 116gs

Notícias

Desmatamento está diretamente associado a baixo índice de progresso social na Amazônia 331p5a

Reportagens

Reforma tributária sustentável: o que é e como está a tramitação no Congresso Nacional 3i5jg

Colunas

A natureza no mundo pós-Covid-19 2g5z12

rio20 3c3e6u

Análises

Brasil é líder em política ambiental internacional? 3c586s

Salada Verde

Pós Rio+20: Brasil define posições que serão defendidas na ONU 2bh4o

Análises

Dia mundial dos oceanos: Nos vemos em 2015 223j48

Salada Verde

Assembleia Geral da ONU fortalece PNUMA 554k46

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 1 3wi3c

  1. @Said_PSW diz:

    É tudo muito intrincado e confuso. Parece que tudo e todos estão presos a um sistema autodestrutivo. Uns percebem que é autodestrutivo, outros não. Outros percebem mas acham que podem controlar. O problema são os valores que fundamentaram a criação do sistema lá atrás, no início. Lei de Say, Laissez-faire, propriedade privada e todo um arcabouço legal que foi adaptando direitos ao sistema. Infelizmente a visão que tenho é pessimista: ricos detém o controle de tudo – inclusive do governo – logo não temos a quem recorrer. É esperar chegar ao fundo do poço e não se sabe quantas décadas ou séculos isso pode demorar. Mas um dia os poderosos perderão o poder e a riqueza individual não fará sentido. As pessoas viverão para outros propósitos, produzindo e consumindo apenas o essencial.