
Fato risível se a realidade não fosse de chorar! Mas totalmente pertinente como algo esperado, a considerar os atores da piada de mau gosto: o governo do estado do Mato Grosso do Sul, através do governador, Reinaldo Azambuja, e de seu secretário da agricultura, Jaime Verruck. Afinal, nada como um decreto enxuga gelo para só fazer de conta enquanto se continua não fazendo nada pelas águas de Bonito e Jardim, tremendamente ameaçadas, da qual depende a socioeconomia dos referidos municípios, em particular o segundo, reconhecido mundialmente como destino ecológico sustentável, situação que hoje já não se aplica.
Não obstante o clamor local, demonstrado por setores sociais que vão de empresários aos guias de turismo, ando por integrantes da academia, do Ministério Público, de organizações da sociedade civil e de “meros” cidadãos conscientes e preocupados, tudo fartamente noticiado na mídia (níveis regional e nacional), o governo insiste em se fazer de surdo, cego e agora também de tetraplégico, pois a não ouvir e nem ver se soma não se mover! Qualquer movimento não a de soluço sem consequências.
A preocupação com a situação, além de consistente, é antiga, de pelo menos uma década, como demonstra farta documentação disponível na Fundação Neotrópica do Brasil e no Ministério Público Estadual. Mais recentemente, com a situação já dando sinais de elevada gravidade, em 2015 uma iniciativa de proteção dos banhados dos rios Formoso e Prata, essencial o em qualquer iniciativa minimamente séria para conter o desastre (não me refiro a solução completa do problema), através da criação de unidades de conservação municipais, foi abortada via liminar judicial em ação do sindicato rural e da Famasul contra a realização das consultas públicas formalmente agendadas. O processo estancou! Desse processo contam-se pelo menos três anos de um abaixo assinado com centenas de s recebido por Reinaldo Azambuja em Bonito, junto com camisetas da campanha para salvar os banhados. De lá para cá nada foi feito e tudo piorou. Encerrados os mandatos, novos prefeitos empossados e renovado o mandato de Reinaldo, consolidou-se politicamente o interesse individualista do pior do agronegócio contra os interesses coletivos de Bonito e nada mais foi nem mesmo tentado.

O problema se agigantou e o governador vem sendo confrontado sistematicamente pela população preocupada com a situação, tendo vindo duas ou três vezes a Bonito tratar do desastre, que é maior a cada ano. A última, no final de 2018, em audiência pública, mais vez prometeu ação concreta, mas nada, nada, nada, a não ser o enxuga gelo de hoje!
Faz três anos o banhado do Prata foi literalmente arrasado por cerca de trinta quilômetros de canais de drenagem, cujos resultados foram a inviabilização do rio para mergulho, de maneira geral por mais de trinta dias após chuvas intensa. Como a estação das chuvas coincide com as férias de final de ano, que são a alta temporada turística, o negócio de mergulho no Prata morreu! Ações inconsequentes e mal feitas do estado não resolveram em nada o problema: multas foram dadas e suspensas, embargos da área não foram sustentados e, o mais importante, os drenos não foram fechados e o ambiente não foi restaurado.
O banhado do rio Formoso segue o mesmo destino trágico. Já foi totalmente sitiado pela agricultura intensiva e está sendo, ao mesmo tempo assoreado e corroído ano a ano – comido pelas beiradas, como se diz no popular. Junto com o crescimento da agricultura na região, cujo aumento é de mais de cinco vezes em termos de território ocupado em meia década, está em curso, de forma associada, um processo intenso de desmatamento (tanto legal como ilegal). Desmatamento e agricultura significam mais escorrimento superficial da chuva, mais velocidade de drenagem, rios enchendo e vazando mais rápido. E os resultados, assustadores para os mais afetados, são conhecidos e estão sendo registrados.
Os banhados, agindo como esponjas naturais, eram o freio no processo de vazão e o filtro no processo de qualidade, contendo velocidade e nível de turbidez. Agora, danificados por drenos, sitiados e assoreados, já não conseguem cumprir tais funções!
É esse o contexto em que é anunciado o decreto 15.197, pra se fazer de conta que alguma ação está sendo feita quando de fato não se faz nada! Uma mera resposta vazia à sociedade que espera por uma ação do estado. Se distraídos, cola. Alerta Bonito!

O decreto, publicado nesta sexta-feira (22) e comemorativo do dia mundial da água, “determina que as ações mecanizadas de preparo do solo nas propriedades rurais localizadas nos municípios de Bonito e Jardim apresentem à SEMAGRO (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar) um projeto técnico de manejo e conservação do solo e água antes de serem executados. A medida, segundo a SEMAGRO, tem por objetivo preservar a integridade dos recursos hídricos na região, reduzindo o impacto do carreamento de sedimentos aos rios e córregos, principalmente no período de chuvas e evitar maiores prejuízos ao meio ambiente e atividades econômicas coexistentes em Bonito e Jardim, como a agricultura e o turismo. Uma Câmara Técnica com a atribuição de emitir pareceres e recomendações foi estabelecida, composta por representante da própria Semagro, Agraer, Imasul, Agesul, Famasul, Fundação MS, Embrapa, e prefeitura municipais de Jardim e Bonito.
Nada de novo e nada de solução! Primeiro, o decreto chega tarde, pelo menos quatro ou cinco anos atrasado. Nesse período foi instalada a desgraça cujos resultados sentimos hoje. E lei (decreto, no caso) não retrocede! Pergunta-se: como fica o problema instalado? Serão os responsáveis pelas áreas estabelecidas responsabilizados por regra que não existia à época? Essas são perguntas, cujas respostas são por demais óbvias, fazem soar uma primeira conclusão: o ato não a de resposta vazia, daí o “enxuga gelo” que atribuo. Outro ponto está associado ao conceito e forma genérica de agir do estado, ou de não agir, o que parece um vício nacional. Deixa-se destruir e depois se tenta reparar, reconstruir, restaurar, levando-se a prejuízo social duplo, primeiro pela perda do benefício e depois tendo de pagar para “tentar” resgatá-lo.

Há ainda outros aspectos. Se considerarmos que o ato é sério (eu não creio!), o estado age errado por não focar a solução no conjunto das causas do problema, que são a degradação dos banhados, a perda e degradação das matas ciliares, a falta de reservas legais e o desmatamento ilegal, entre outros, mas focando apenas em um deles: o escorrimento superficial da chuva. Não que estradas, lombadas e caixas de contenção não sejam importantes. São! Mas não a essência da solução. Se fosse assim, os piscinões dariam conta de conter as enchentes em São Paulo e todos sabemos que não dão. Por sinal, fico na dúvida se tudo isso, camuflando de resposta a uma necessidade premente de Bonito e Jardim, não é apenas mais um jeito de gastar dinheiro público bom em negócio ruim, com aquisição ou arrendamento de máquinas e equipamentos. Por fim, o negócio é tratado com e por quem nunca resolveu o problema, acho que sequer o viu e o reconhece, quando não é a própria essência dele. Estou me referindo à câmara técnica: Semagro, Agraer, Imasul, Agesul, onde estavam e o que faziam para o problema chegado no nível que está? Quanto a Famasul não se faz necessário comentar, afinal, como já posto, a organização lutou para inviabilizar as unidades de conservação para proteção dos banhados!
Tudo considerado, pergunto: por que não fiscalizar a implementação do Código Florestal, senhor secretário, senhor governador? Por que não regulamentar e fazer cumprir a lei estadual que proíbe agricultura nos 150 metros das margens dos rios cênicos de Bonito e Jardim, senhor secretário, senhor governador? Por que não criar as necessárias e esperadas unidades de conservação dos banhados dos rios Prata e Formoso, senhor secretário, senhor governador? Se fizessem isso, não apenas sairia mais barata a ação do estado como teríamos motivos para comemorar o dia mundial da água… nos próximos anos. Como está, não dá! A história, ainda que apenas localmente, vai cobrar-lhes a responsabilidade por tamanha omissão num processo que tende a levar à destruição de Bonito como modelo de turismo ecológico e sustentável, e junto mais de 50% dos empregos locais! Senão vocês, creio que ao menos seus descendentes sentirão vergonha de como agiram, deixando de fazer o que podiam e deviam!
Leia Também
Bonito: a batalha para proteger os banhados do Prata e Formoso
Em Bonito, a natureza sofre com as investidas do agronegócio
Em Bonito, fazendeiro é multado em R$13 milhões por drenos ilegais no Banhado do Prata
Leia também 1b437

Em Bonito, fazendeiro é multado em R$13 milhões por drenos ilegais no Banhado do Prata 4t14u
Sistema de drenagem joga sedimentos e polui rio que é atração do ecoturismo da cidade. Prefeitura quer transformar banhados em unidades de conservação →

Em Bonito, a natureza sofre com as investidas do agronegócio 4ok1h
No Mato Grosso do Sul, cidade símbolo do ecoturismo luta para manter veto contra projeto que flexibiliza a proteção de suas águas. →

Bonito: a batalha para proteger os banhados do Prata e Formoso 2g1m58
Mandado de segurança do Sindicato Rural cancela consulta pública e abre conflito sobre duas novas UCs que resguardariam rios considerados joias naturais da cidade →
Obrigado, Milano, por seu excelente texto. Não só por mostrar a situação alarmante de Bonito e Jardim, mas também por desmascarar as autoridades que por ignorância, por má intenção, ou por ambos, só nomeiam mais gente para viver do problema, ao invés de tentar resolvê-lo. Apoiamos seu apelo e esperamos que tenha efeito, não precisamos de mais discursos ou comissões, precisamos que a lei seja cumprida e de ações concretas em Bonito, urgente.
A velha maxima, de reinventar a roda.
Conhecendo os politiqueiros a decadas, vejo que esta ação do governo estadual é apenas uma cortina de fumaçã.
Bando de enganadores.
Parabéns Milano. O Estado, novamente, se mostra inepto e inapto nas questões ambientais. A exemplo, também, com os atropelamentos dos animais em nossas rodovias.Fica a pergunta: a que mais recorrer?
Parabéns pelo artigo, Miguel. Na mosca. Concordo com sua análise. Se quisessem realmente resolver a questão, os governos estadual e municipal deveriam começar a agir com a efetivação de medidas básicas como a fiscalização do cumprimento da legislação vigente. Este Decreto não vai resolver nada, pois não ataca os problemas de forma efetiva. Muito pelo contrário. Tradicionalmente no setor público, criam-se Comissões, Forças Tarefas, entre outras, para NÃO se resolverem as questões.