Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso o1s2e

Quando a destruição é vendida como desenvolvimento

Bruno Araujo ·
28 de maio de 2025

Imagine viver em um país que, diante da maior emergência da história da humanidade — a climática —, decide abrir mão de sua principal ferramenta de controle ambiental. Um país que, em vez de fortalecer os mecanismos de prevenção e combate, escolhe enfraquecer ainda mais as leis, desmontar a fiscalização, silenciar povos tradicionais e abrir as porteiras para o desmatamento, a grilagem e a poluição em larga escala

Esse país é o Brasil, e o projeto de lei 2159/2021 — apelidado de “PL da Devastação” — é o retrato desse caminho suicida travestido de “modernização”.

Apresentado como uma “Lei Geral de Licenciamento Ambiental”, o PL está sendo vendido pela bancada ruralista como um marco de eficiência e desburocratização. Mas o que ele entrega é o oposto: fragiliza os órgãos ambientais, ameaça comunidades, ignora completamente a crise climática e ainda fere a Constituição. A começar pela proposta de dispensar licenciamento para diversas atividades agropecuárias em larga escala, ignorando decisões do Supremo Tribunal Federal e, na prática, institucionalizando o desmatamento — especialmente no Cerrado e na Amazônia. Sob o pretexto de acelerar o “desenvolvimento”, libera-se o uso predatório da terra e o avanço sobre áreas protegidas,  premiando grileiros e desmatadores. 

Mais do que um retrocesso, o PL representa um risco direto à vida de milhões. A proposta permite, por exemplo, que empreendimentos de médio porte façam autolicenciamento ambiental — bastando preencher um formulário para começar a operar, sem vistoria, estudo prévio ou qualquer análise técnica. Também permite que as licenças ambientais sejam renovadas automaticamente, tornando as vistorias uma exceção e enfraquecendo drasticamente a fiscalização. Em um país que já sofre com desastres ambientais recorrentes — como os crimes de Mariana e Brumadinho (MG), o crime que fez Maceió afundar, a poluição em Volta Redonda (RJ) —, retirar o poder dos órgãos de controle é o mesmo que um cheque em branco para novos desastres.

O texto ainda abre espaço para uma guerra regulatória ao permitir que estados e municípios decidam, sozinhos, o que precisa ou não de licença. O resultado? Um cenário de insegurança jurídica, decisões arbitrárias e conflitos interestaduais crescentes: vence aquele que protege menos para atrair mais indústrias. Além disso, o PL separa o licenciamento do uso da água, ignorando completamente a gestão hídrica, o que pode agravar crises de escassez em várias regiões. Nem mesmo o básico foi garantido: a palavra “clima” não aparece uma única vez no texto. Isso, às vésperas da COP 30, em que o Brasil tenta se posicionar como liderança global na pauta ambiental.

Como se não bastasse, o projeto silencia povos e comunidades tradicionais, desconsiderando terras indígenas não homologadas e territórios quilombolas não titulados. A consulta à Funai, ao Iphan e ao ICMBio torna-se mera formalidade — um rito simbólico que pode ser ignorado por quem quiser licenciar empreendimentos em territórios tradicionais. Os conselhos ambientais perdem poder, e decisões cruciais, como a exigência de Estudos de Impacto Ambiental, am a ser tomadas por quem emite a licença — abrindo espaço para decisões tomadas sob pressão política, lobby ou corrupção.

Em ano de Conferência do Clima no Brasil, desmantelar o licenciamento pode ter como consequência aumentar o desmatamento, e assim, elevar,  o Brasil — que hoje figura entre 0 6º e o 7º lugar — ao topo dos maiores emissores de GEE do planeta, nos tornando um caso emblemático de país subdesenvolvido com responsabilidade de país rico.

O PL 2159/2021 é um retrato cruel do que o capitalismo faz quando quer aumentar suas taxas de lucro: acelera sua máquina de destruição, mesmo que isso signifique colocar toda a sociedade em risco. O discurso do “progresso” nunca foi neutro — e nunca foi para todos. Quando se fala em crescimento a qualquer custo, esse custo costuma ser pago com a vida dos povos da floresta, das populações periféricas, dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem na linha de frente da crise ecológica.

Não é progresso se destrói a natureza. Não é progresso se seca os rios. Não é progresso se envenena o ar. Isso é devastação, mascarada de desenvolvimento. A luta contra o PL da Devastação deve ser a luta por um outro modelo de sociedade — ecossocialista, popular, que coloque a vida, os biomas e os territórios no centro das decisões e a ecologia como premissa de qualquer ação, no lugar da economia e do lucro.

Precisamos romper com essa lógica de destruição em nome do lucro. Precisamos pressionar os parlamentares, ocupar as redes e as ruas, denunciar o que está em curso. Porque o que está em jogo não é apenas a Amazônia ou o Pantanal — é o nosso futuro. A conta do colapso climático já chegou, e se não barrarmos esse projeto agora, estaremos assinando embaixo de uma tragédia anunciada.

e pldadevastacao.org, compartilhe as informações, pressione seus representantes. Diga não ao PL 2.159/2021. Diga não à devastação. Porque proteger o meio ambiente não é um entrave. É condição básica para que possamos continuar existindo.
SPOILER: Dia 17 de junho está marcada rodada de leilão da Agência Nacional do Petróleo para vender lotes na bacia do foz do Amazonas e em outros pontos do país. Os ataques vêm de muitos lados, às vezes de quem a gente achava que era aliado. A luta só para quando vencermos!

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Bruno Araujo 17653t

    Geógrafo, especialista em Clima e Políticas Públicas, mestrando em Planejamento Urbano com foco em clima, assessor parlamentar para justiça climática (ALERJ), comunicador no @BrunoPeloClima e apresentador do Podcast Planeta A.

Leia também 1b437

Notícias
22 de maio de 2025

Governo, ongs e sociedade civil se manifestam contra aprovação do PL do Licenciamento 51131e

"Retrocesso sem precedentes" é a definição que autoridades e especialistas em meio ambiente e clima usaram em relação ao projeto votado pelos senadores

Reportagens
20 de maio de 2025

Projeto que reduz licenciamento ambiental a em comissões do Senado e vai ao plenário 1j4536

PL 2159/21 prevê autorização autodeclaratória e menos proteção a povos tradicionais e unidades de conservação. “Implosão”, define o Observatório do Clima

Salada Verde
21 de maio de 2025

Veja como votou cada senador no projeto que implode o licenciamento ambiental 6oy3g

Aprovada no Senado na noite desta quarta-feira (21), proposta segue para análise da Câmara

Mais de ((o))eco 386al

lei geral do licenciamento 373570

Salada Verde

Coalizão com setores privado e financeiro engrossa coro contra o PL da Devastação 5f2xl

Fotografia

Galeria: Veja como foram os atos contra o PL da Devastação 4h4vf

Salada Verde

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 3e3u1p

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 3j1y6t

política ambiental 5n5325

Salada Verde

Decreto acrescenta 400 hectares ao Parque Estadual Restinga de Bertioga 194n1e

Notícias

Iniciativa quer formar 1000 líderes pelo desmatamento zero no Brasil até 2030 4r6h20

Salada Verde

Coalizão com setores privado e financeiro engrossa coro contra o PL da Devastação 5f2xl

Análises

Em boa hora 6a3h

desmatamento 5h2z4x

Notícias

Iniciativa quer formar 1000 líderes pelo desmatamento zero no Brasil até 2030 4r6h20

Reportagens

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

conservação 4u55e

Salada Verde

Decreto acrescenta 400 hectares ao Parque Estadual Restinga de Bertioga 194n1e

Notícias

Iniciativa quer formar 1000 líderes pelo desmatamento zero no Brasil até 2030 4r6h20

Notícias

Zoos e aquários podem investir mais em conservação, aponta ong 1a156w

Fotografia

Galeria: Veja como foram os atos contra o PL da Devastação 4h4vf

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.