Análises

Período de eleições presidenciais favorece desmatamento da Amazônia 2p1d2c

Estudo mostra que após a eleição de um presidente para o seu primeiro mandato cresce a área de floresta perdida. Efeito não vale para reeleições

Rafael Loyola ·
5 de setembro de 2016 · 9 anos atrás
Sobrevoo de monitoramento no norte do estado do Mato Grosso, o Greenpeace identificou propriedades rurais com desmatamento recente, produção de soja e criação de gado em áreas embargadas pela justiça, queimadas florestais, inclusive em terras indígenas, e até extração ilegal de madeira. Foto: ©PauloPereira/GreenPeace
Em sobrevoo no norte do estado do Mato Grosso, o Greenpeace identificou propriedades rurais com desmatamento recente, produção de soja e criação de gado em áreas embargadas pela justiça. Foto: ©PauloPereira/GreenPeace

 

Recentemente, assisti um documentário sobre desonestidade. A estrela do filme é um pesquisador em psicologia e economia comportamental que faz experimentos sociais a fim de avaliar em que situações as pessoas mentem ou são desonestas. A mensagem do documentário é clara: a desonestidade é global e comum a todas as culturas. Além disso, ela surge em momentos onde se sabe que há baixo risco de ser descoberto e exposto como alguém que fez algo errado. Esse é o caso do desmatamento na Amazônia brasileira.

Sabemos que diversos fatores contribuem para o desmatamento na Amazônia. Dentre eles estão o preço das commodities, a relação entre o real e o dólar, a construção de estradas e, claro, as políticas públicas de combate e controle do desmatamento. Mas, agora um grupo de pesquisa do Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília, tem uma nova explicação: as eleições presidenciais no Brasil.

Em um trabalho publicado recentemente, Saulo Rodrigues Filho e seus colegas avaliaram as taxas de desmatamento na Amazônia Legal entre 1990 e 2011. Eles criaram um modelo estatístico que explica como o preço da soja, da carne bovina, da madeira e a flutuação do câmbio real/dólar influenciou essas taxas de desmatamento. Em especial, no Mato Grosso e Pará — estados onde está localizado o “arco do desmatamento”–, quando o preço das commodities é mais elevado e há mais lucro com a venda, também há mais desmatamento. O mesmo ocorre quando a cotação do dólar está em alta e as exportações am a ser muito interessantes.

Ainda assim, os pesquisadores identificaram que esses fatores não eram suficientes para explicar tudo o que estavam vendo ao longo do tempo. Eles viram que em alguns anos, como 1995 e 2004, havia muito mais desmatamento do que seria esperado segundo a previsão de seus modelos. O contrário também acontecia; por exemplo, 1997 e 2001 tinham taxas de desmatamento menores que o previsto. O que estava acontecendo?

Intrigados com essa pergunta, os pesquisadores enxergaram uma mensagem subliminar e que ou desapercebida pela comunidade científica por vários anos. Os picos de desmatamento correspondem muito bem aos períodos de troca de governo federal!

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi eleito para seu primeiro mandato em 1994 e o ex-presidente Lula foi eleito para seu primeiro mandato em 2002. Quando FHC assumiu em 1994 houve um pico no desmatamento, que teve uma queda brusca um ano após a organização do governo. Quando Lula assumiu em 2002, houve um espaço de tempo de dois anos até que nossos primeiros programas de monitoramento e controle de desmatamento por satélite fossem implementados. Esse espaço levou a taxas bem altas em 2004, que começaram a cair drasticamente a partir do final de 2004 e 2005. Durantes os períodos de reeleição (1998, para FHC e 2006, para Lula), Saulo e seus companheiros não observaram um aumento anormal ou significativo no desmatamento.

Incerteza

“quem age na ilegalidade aproveita janelas de indefinição sobre a continuidade de programas e políticas já estabelecidas para desmatar mais e ilegalmente”

A explicação para esse fenômeno está na instabilidade institucional causada pela troca de governo. Em alguns governos, a formação definitiva da equipe demora entre 1 e 2 anos, o que gera uma incerteza sobre a continuidade de programas ambientais, sobre a direção e liderança dos órgãos ambientais federais e uma desconfiança sobre os projetos de lei em votação no congresso nacional, cuja aprovação depende muito da composição política da situação e da oposição. Sabemos que a troca de governo causa instabilidade política e institucional. O que sabíamos é que, de alguma forma, quem age na ilegalidade aproveita janelas de indefinição sobre a continuidade de programas e políticas já estabelecidas para desmatar mais e ilegalmente. Os autores do trabalho mostram claramente – e pela primeira vez – essa triste relação.

Com governos estáveis, leis ambientais importantes conseguem controlar o desmatamento. Isso aconteceu, por exemplo, quando FHC sancionou a lei que alterava a porcentagem de reserva legal na Amazônia de 20% para 50% em 1996 (Medida Provisória n◦1511-3/1996) e de 50% para 80%, em 2001 (Medida Provisória n◦2.166-67/2001). Logo após essa decisão, o desmatamento diminuiu bastante, principalmente no Mato Grosso, Pará e Acre, como uma possível precaução dos fazendeiros diante de uma punição mais severa. O mesmo aconteceu com a implantação dos programas de monitoramento por satélite em tempo real durante pelo governo Lula. Infelizmente, um novo aumento no desmatamento já foi detectado logo após as eleições presidenciais de 2014.

O que sempre me chama a atenção em estudo assim é perceber o quanto a conservação da natureza é um processo complexo e um desafio multidisciplinar. Enganam-se os que acreditam que a biologia e a ecologia darão conta do recado. A ciência da conservação precisa não apenas de conhecimento, mas de muita comunicação entre os atores envolvidos, vontade política, entendimento jurídico e sobretudo, engajamento social.

A origem dos problemas ambientais está escondida em cantinhos onde cientistas não costumam olhar. É preciso estar atento e antever ações criminosas que encontram amparo em momentos de instabilidade política e institucional no Brasil. E por falar nisso, a instabilidade política atual já tem criado brechas para que o controle ambiental fique mais frágil. Um exemplo é a aprovação, em abril da Proposta de Emenda Constitucional PEC 65/2012, que abole o licenciamento ambiental no país. A proposta vai ser novamente debatida em uma comissão no Senado, mas sua aprovação inicial é alarmante. Em outro artigo recente publicado na prestigiosa revista Science, Philip Fearnside do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ressalta os impactos que a aprovação dessa emenda pode ter sobre a Amazônia. Caso aprovada, 10 milhões de hectares poderiam ser inundados no bioma, em função da construção de hidrelétricas.

Cabe a nós, como sociedade, ficar de olho e pressionar para que os resultados tão claros das pesquisas sobre desonestidade deixem de se aplicar pelo menos ao desmatamento na Amazônia brasileira.

 

 

Leia também

Áreas protegidas ou áreas que ninguém quer?

Brasil é líder em política ambiental internacional?

Humanos não só extinguem, cobram pedágio da saúde e comportamento dos animais

 

 

 

  • Rafael Loyola 1nm33

    Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor na UFG e membro da Academia Brasileira de Ciências

Leia também 1b437

Análises
30 de agosto de 2016

Humanos não só extinguem, cobram pedágio da saúde e comportamento dos animais 2f6i1b

Não estamos apenas eliminando espécies, mas alterando como elas se comportam, quem elas são e mudando as regras do jogo no meio da partida

Análises
11 de novembro de 2014

Brasil é líder em política ambiental internacional? 3c586s

Desde a Rio+20 o país parece ter abrido mão do protagonismo que exercia nas conferências ambientais, desempenhando um papel de coadjuvante.

Análises
23 de agosto de 2016

Áreas protegidas ou áreas que ninguém quer? dv26

Não tem o mesmo peso proteger áreas residuais, desprezadas para fins econômicos. O que importa é proteger as áreas de maior valor ecológico

Mais de ((o))eco 386al

política 2b3b4z

Notícias

Ilegalidade atinge ao menos 58% do comércio de mercúrio no Brasil, mostra estudo 706t29

Reportagens

ados oito meses de governo, Lula ainda não decidiu se Brasil vai entrar na OCDE h1u6r

Notícias

Cai superintendente do Amazonas que pediu investigação contra Salles 5z204b

Salada Verde

Governo estuda a criação de um Ministério da Amazônia para acolher Pazuello 4k633i

amazônia 245k3y

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 9106o

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 22263e

desmatamento 5h2z4x

Reportagens

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso o1s2e

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

mata atlântica 3i6w4g

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Análises

A importância da rede de colaboração em prol da conservação dos manguezais no litoral norte do Paraná 314x73

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 54d1h

Salada Verde

Ação prende casal que capturou macaco-prego no Parque Nacional da Tijuca 5o2g6f

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 2 1x5124

  1. Fábio Júlio diz:

    Lamentável perceber o quanto a conservação depende da vontade política. Precisamos de mais políticos ambientalistas e menos ruralistas.
    Ótimo artigo, Rafael!


  2. Leide Takahashi diz:

    Excelente artigo Rafael, parabens!