Análises

S.O.S: Pantanal em perigo 1r3j4b

Querem destruir o que a natureza levou milhões de anos para construir e colocar em seu lugar produções agrícolas que só irão garantir riqueza para dois ou três empresários

José Pedro Rodrigues Gonçalves ·
31 de janeiro de 2022 · 3 anos atrás

Qualquer pessoa, em qualquer lugar deste Planeta, conhece o significado de S.O.S. Trata-se de um pedido de socorro que deve ser respondido com urgência.

Pois é! Neste momento de nossa história, onde a besta do apocalipse percorre o Pantanal Mato-grossense, trazendo no lombo o coronavírus e ateando fogo na ressequida planície pantaneira por causa da seca, eis que mais uma praga se prenuncia com a avidez pantagruélica de sempre.

Os sábios da Assembleia Legislativa de Mato Grosso afiam os punhais para cravar no coração do Pantanal, sob o cândido argumento de aumentar a produção agrícola em nosso Estado. Contrapondo a esse ataque, reproduzo o que escreveu o Dr. Adalberto Eberhard, um dos maiores conhecedores do Pantanal, respeitado no mundo inteiro pelos seus conhecimentos e militância em defesa da natureza.

Na segunda, o Legislativo está chocando o Projeto de Lei 3/2022 que altera o inciso V do art. 9º da Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, visando a permissão de agricultura (leia-se soja) em larga escala na planície inundável pantaneira. O PL fala em compensação com ganhos ambientais. O que poderia ser ganho ambiental de uma compensação de uma grande lavoura de soja com pesticidas, envenenamento de todo o Pantanal, uma vez que a água na planície não tem barreiras e se espalha por milhares de quilômetros quadrados? E o que dizer sobre as famílias de capivaras e varas de queixadas e catetos que virão se banquetear neste pudim verde. Serão todos exterminados? Como isto será compensado? E os cervos e veados? E os patos e as marrecas que pousam aos milhares no Pantanal? Como ficarão? Os idiotas não se dão conta que a riqueza do Pantanal é ele mesmo. Nada do que fizermos lá dentro com nossa mão tosca vai torná-lo mais rico. Só vai destruí-lo. Mais ricas só ficarão as pessoas. Adalberto Eberhard.

Foto: Carl de Souza/AFP

E o que diz esse artigo 9º? Ficam vedadas, nos limites da Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso: I – …; II – a implantação de projetos agrícolas, exceto a atividade agrícola de subsistência e a pecuária extensiva; … etc.

Agora, movidos por interesses desconhecidos, querem destruir o que a natureza levou milhões de anos para construir e colocar em seu lugar produções agrícolas que só irão garantir riqueza para dois ou três empresários. O pior será a destruição de um bioma que o mundo inteiro deseja conhecer e paga muito bem por isso. Se todos os ganhos financeiros com a soja no Pantanal forem somados, serão uma merreca diante dos ganhos com o ecoturismo, além do que, neste caso, os ganhos serão compartilhados pelos pantaneiros. Seria como matar a galinha dos ovos de ouro só para comer a moela.

Este Projeto de Lei é tão escandaloso que o seu autor não teve a coragem de assiná-lo, aparecendo como sendo da autoria de “Lideranças Partidárias”, tentando esconder no anonimato de um coletivo para disfarçar a covardia contra a vida pantaneira.

O ataque parte de muitos lados, como a aprovação de licença prévia pelo Consema, o Conselho de Meio Ambiente de Mato Grosso, do terminal portuário Barranco Vermelho em Cáceres, que tenta ressuscitar a tragédia anunciada da hidrovia Paraguai-Paraná, que previa a retificação de parte do Rio Paraguai.

Até o governo federal criou uma falácia para seduzir os incautos e despreparados, como alguns legisladores de balcão, a fábula do “boi bombeiro”, criação de um indivíduo que faz parte da banda podre de uma das melhores instituições de pesquisa séria do Brasil, a Embrapa. Órgãos sérios também tem uma banda poluída! Infelizmente! Tudo para “justificar” o avanço da agropecuária no Pantanal.

Assim, de qualquer lado que se olhe, há sempre uma ameaça ao Pantanal, a maioria delas sem a visibilidade de um garimpo, mas todas trazendo agressões indeléveis ao bioma pantaneiro, onde a vida de miríades de espécies coabitam, concentrando uma sinfonia que os cientistas chamam de homeostasia, o equilíbrio essencial para a vida. É esse equilíbrio dinâmico que possibilita os processos adaptativos dessas espécies, mas que é quebrado, desequilibrado, destruído por agentes da muitas faces, como agrotóxicos, eufemisticamente chamados de “defensivos agrícolas”. Todos os anos, milhões de toneladas de sedimentos, terras revolvidas pelas máquinas agrícolas, e que durante as chuvas são carreadas pelas enxurradas, assoreando a planície inundável pantaneira.

Tudo isso vem acontecendo de forma permanente e inexorável sem nenhuma ação concreta dos poderes públicos (i)responsáveis.

Agora a punhalada vem daqueles que têm o dever constitucional e moral de cuidar do Pantanal. O Art. 225. da Carta Magna determina, (ela não pede, ela exige) que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (Grifo meu). E reforça que: § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. (Grifo meu).

Como virou moda na atualidade pisotear a Constituição, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso segue o catastrófico exemplo. 

É de se perguntar, esses senhores parlamentares têm filhos? Por acaso têm netos? Estes é que sofrerão as consequências deste crime ambiental, pois a natureza não resiste a tantas agressões ao seu equilíbrio natural. A natureza é um grande ser vivo, a Gaia, que James Lovelock demonstrou em seus livros. Que vive em eterna simbiose, muito bem descrita cientificamente por Lynn Margulis em “O Planeta Simbiótico”. Graças a essa eterna simbiose é que nos mantemos (ainda) convivendo em sua superfície. Cada microrganismo que a queimada destrói, são capacidades de menos na função sobrevivência dos seres vivos, pois tudo, absolutamente tudo, está interligado, interconectado. É isso que possibilita a homeostasia essencial, o equilíbrio que permite a vida no Pantanal e em qualquer outro lugar deste Planeta.

É preciso resistir! Resistir é preciso! Por isso, pergunto: onde estão os pantaneiros, que conhecem de bom conhecer as peculiaridades desse bioma? Onde estão os demais ambientalistas de carteirinha que não os ouço? Onde está a Universidade Federal de Mato Grosso, também a de Mato Grosso do Sul, que até agora, não vi em nenhuma manifestação? Onde estão as demais ONGs que só existem para defender a conservação do Pantanal? Onde estarão? A RPPN do Sesc, sabe disso? O que pensa fazer?

Se nenhuma dessas organizações conhecem este fato, é sinal de que ainda não abriram os olhos. Então, que os abram, por favor!

Como há silêncio das vozes em defesa da vida pantaneira, talvez os pássaros assumam a luta. Há exceções e são elas que ainda podem garantir a defesa contra os ataques dos tais legisladores, cujas leis só causam dores, em muitos cantos onde a vida segue atrevida, enfrentando as agressões, desmatamentos, queimadas, poluições. Aí está Adalberto Eberhard que está sempre alerta, demonstrando muita determinação, apesar de praticamente sozinho.

À luta, pois!

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • José Pedro Rodrigues Gonçalves 552r2y

    Médico, especialista em Saúde e Ambiente, Mestre em Sociologia Política e Doutor em Ciências Humanas. Membro fundador e Ex-presidente da Fundação Ecotrópica

Leia também 1b437

Notícias
15 de fevereiro de 2021

Pantanal teve pior seca em 50 anos, revela estudo 8514f

Cientistas alertam para fim do bioma “como o conhecemos” em cenário de mudança climática e desmatamento sem controle

Reportagens
26 de maio de 2021

Pantanal não tem lavouras, mas veneno da soja chega pelos rios e ameaça bioma 3o2o7

Com apenas 0,01% de sua área utilizada para produzir a commodity, o Pantanal está vulnerável justamente pela condição que o faz único: as águas que o inundam anualmente carregam consigo resíduos dos agrotóxicos da região que mais usa pesticidas no Brasil

Colunas
20 de outubro de 2020

A agenda climática brasileira e a devastação do Pantanal 492d5d

Episódios climáticos extremos exigem competência istrativa. O Brasil sequer começou a trilhar as medidas de mitigação e de adaptação às adversidades climáticas

Mais de ((o))eco 386al

pantanal 5tmx

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2p2j4c

Análises

O que cai do mundo não volta mais 6f5m5a

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal 3y332h

Reportagens

Hidrovia trará mais desmate, agro e mineração ao Pantanal e ao Cerrado 1b2v44

conservação 4u55e

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WR 1p3pn

Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso o1s2e

Reportagens

Ajustes em trilha podem melhorar sua função de corredor ecológico no Cerrado 4k6c5j

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

política ambiental 5n5325

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WR 1p3pn

Reportagens

Ribeirinhos e MPF querem cancelar licença para remover rochas em rio da Amazônia pb6y

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 6b493i

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 3j1y6t

biodiversidade 1l5w1a

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 6m1s35

Salada Verde

Brasil está entre os dez países líderes em projetos com créditos de biodiversidade 5a4z28

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 4675f

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 1 3wi3c

  1. Social diz:

    Vamos preservar para internacionalizar no futuro?. ótimo ponto de vista. Hoje às ONGs tem mais poder no território que o próprio estado. Essa narrativa é pior que o próprio desmatamento.