Análises

Um tiro no pé para o agronegócio e para a economia 2h375o

Postura do governo federal já está gerando reações na opinião pública internacional. amos de um país interessado em colaborar com a agenda ambiental para um exemplo de retrocesso

Clóvis Borges ·
27 de maio de 2019 · 6 anos atrás
600 cientistas de instituições europeias pediram para que a União Europeia (UE), segundo maior parceiro comercial do Brasil, condicione a compra de insumos brasileiros ao cumprimento de compromissos ambientais. Foto: Eliezer Pedroso/Flickr.

Inverdade afirmar que a agenda brasileira na área do meio ambiente já viveu um cenário que possa ser definido como adequado ou ao menos suficiente. Ao contrário, mesmo com todos os avanços obtidos na nossa legislação, considerada uma das melhores do mundo nesse campo, o efetivo cumprimento das regras sempre foi falho. Os avanços reais, na verdade, são fruto de um esforço descomunal de instâncias que, mesmo com todas as limitações, geraram espaço para resultados positivos relevantes.  

Por meio de novos insumos tecnológicos, cada vez mais íveis, nos dias atuais o monitoramento da degradação ou a ser uma ferramenta efetiva para coibir ações ilegais e alertar a sociedade sobre os excessos em curso em todo o País – notadamente na Amazônia e no Cerrado em função da escala e da velocidade da destruição observada, em grande parte devido à expansão descontrolada da fronteira agrícola.

Mesmo sem a efetividade suficiente, os esforços de conservação das últimas décadas no Brasil causaram efeitos positivos nas relações diplomáticas, qualificando o País perante aqueles que importam nossos principais produtos. A preocupação e o protagonismo com temas como perda da biodiversidade e mudanças climáticas conferiram ao Brasil um papel de liderança em discussões importantes, como nas Conferências das Partes, implantadas a partir da Rio-92.

É importante sinalizar que em alguns setores da indústria ocorreram extraordinários avanços tecnológicos para mitigar impactos ambientais negativos. Já no que se refere à proteção do patrimônio natural, as perdas representam uma situação crônica, aumentando ou diminuindo de intensidade ao longo do tempo, mas sem uma perspectiva concreta de controle efetivo.

Entramos no século 21 mantendo índices absurdos de degradação do meio ambiente. No caso órgãos ambientais governamentais, sempre foi prática corrente conduzir suas ações no sentido de minimizar perdas, negociando dentro das possibilidades as agendas que geram maiores impactos.

Mas na realidade, o Ministério do Meio Ambiente e suas diferentes autarquias, como o IBAMA, o ICMBio e o Serviço Florestal Brasileiro, bem como instâncias estaduais e municipais responsáveis pela proteção do patrimônio natural, historicamente sobrevivem com extrema limitação. É evidente a presença de uma política crônica para dificultar o cumprimento dessa missão.

“A preocupação e o protagonismo com temas como perda da biodiversidade e mudanças climáticas conferiram ao Brasil um papel de liderança em discussões importantes, como nas Conferências das Partes, implantadas a partir da Rio-92.”.

Mesmo com uma condição inadequada de trabalho, os órgãos ambientais, muitas vezes em parceria com instâncias do terceiro setor e da academia, implementaram um amplo rol de avanços excepcionais visando proteger áreas naturais. Dentre eles a criação de novas Unidades de Conservação e o estabelecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Também são de extrema relevância os programas e proteção de espécies ameaçadas e ações de restauração de áreas degradadas, dentre muitas outras atividades.

Chegamos a 2019 com enormes desafios para ajustar a agenda da conservação do patrimônio natural. Uma luta heroica e ao mesmo tempo desleal, se considerarmos a capacidade de investimento disponível para a proteção do meio ambiente e as enormes cifras oportunizadas para financiar projetos, muitas vezes subsidiados, que implicam em ações de degradação da natureza, como a mineração e a expansão agropecuária.

A recém implantada nova gestão federal já mostrou a que veio, ignorando todo o arcabouço de atividades que precisam ser mantidas e incrementadas no campo da conservação. Não apenas na proteção de áreas públicas e privadas e no incentivo a práticas de combate ao aquecimento global, dentre muitas outras agendas de enorme relevância. Esse comportamento demonstra desprezo ao enorme potencial de introdução de atividades de turismo de natureza em escala internacional no Brasil, um enorme campo para o desenvolvimento socioeconômico – desde que nossas Unidades de Conservação sejam mantidas, valorizadas e estruturadas.

A avidez para que seja implementado um desmonte da agenda ambiental, tendo como escudeiro o ministro Ricardo Salles está sustentada por interesses explicitados por grupos setoriais cobrando favores de campanha. Claramente essa conduta não representa uma estratégia coerente para o desenvolvimento do País. Salles demonstra não apenas falta de conhecimento, uma vez que é um novato na área que assumiu a poucos meses atrás. Ele é responsável por uma conduta de forte viés ideológico e cumpre um papel predeterminado de minar sua própria casa.

“A recém implantada nova gestão federal já mostrou a que veio, ignorando todo o arcabouço de atividades que precisam ser mantidas e incrementadas no campo da conservação.”

Impressiona sua conduta desviada ao, seguidamente, relacionar a agenda básica de conservação do país como antagônica ao desenvolvimento. É de conhecimento pleno que o ministro do Meio Ambiente foi uma escolha realizada a dedo pelo presidente e seu grupo mais próximo. Uma forma de compensar à altura a não anexação dessa pasta com o Ministério da Agricultura, uma vez que a reação da opinião pública o impediu.

As demonstrações de poder exacerbadas e truculentas, que estamos assistindo todos os dias, seguem em direção contrária ao cumprimento de uma agenda ambiental avançada e propositiva, desejo da enorme maioria da população. Eventos contrários aos desmandos em curso se sucedem em vários pontos do País. Mas é fora do Brasil que se encontra talvez o mais efetivo meio de contestação.

Sustentado pela visão assustadoramente retrógrada, a postura do Governo Federal na pauta do meio ambiente já está gerando reações na opinião pública internacional, como demonstra o exemplo da carta assinada por mais de 600 cientistas de instituições europeias pedindo para que a União Europeia (UE), segundo maior parceiro comercial do Brasil, condicione a compra de insumos brasileiros ao cumprimento de compromissos ambientais.

Despencamos em relação à nossa imagem duramente construída ao longo das últimas décadas. De um País que se mostra interessado em colaborar concretamente com a agenda ambiental global, amos a representar um exemplo de retrocesso. Uma abertura de flanco extremamente vulnerável.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.
 

Leia Também

Parque Nacional dos Campos Gerais, a catedral dos campos naturais do Paraná

Como a grandiosa missão do ICMBio para o Brasil está por um fio

Relatório de deputado ruralista do Paraná coloca em risco novo Código Florestal

 

  • Clóvis Borges 4p405b

    Clóvis Borges é formado em Medicina Veterinária e possui mestrado em Zoologia. Dirige a Sociedade de Pesquis...

Leia também 1b437

Reportagens
26 de maio de 2019

Relatório de deputado ruralista do Paraná coloca em risco novo Código Florestal 54d4k

Parlamentar inclui alterações em Medida Provisória, que tinha como único objetivo estender prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental

Análises
12 de junho de 2018

Como a grandiosa missão do ICMBio para o Brasil está por um fio 3i4r14

A luta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade recebe ânimos contrariados dos que ainda enxergam a conservação como um empecilho ao desenvolvimento

Análises
5 de maio de 2019

Parque Nacional dos Campos Gerais, a catedral dos campos naturais do Paraná 3h3w1l

A criação de um Parque ultraa o ato da conversão de áreas privadas em públicas. Trata do reconhecimento por parte da sociedade sobre a máxima relevância de uma porção de território

Mais de ((o))eco 386al

agronegócio 1l1f5b

Reportagens

Vidas Afogadas: Presos em canais de irrigação, animais silvestres agonizam até a morte 3m3n6j

Reportagens

Water canals threaten global wildlife 3bp3q

Reportagens

Canais de água ameaçam a vida selvagem mundial q4n67

Reportagens

Brazil needs to step up environmental control of its agricultural irrigation 617050

política 2b3b4z

Notícias

Ilegalidade atinge ao menos 58% do comércio de mercúrio no Brasil, mostra estudo 706t29

Reportagens

ados oito meses de governo, Lula ainda não decidiu se Brasil vai entrar na OCDE h1u6r

Notícias

Cai superintendente do Amazonas que pediu investigação contra Salles 5z204b

Salada Verde

Governo estuda a criação de um Ministério da Amazônia para acolher Pazuello 4k633i

conservação 4u55e

Notícias

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios p2065

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso o1s2e

Reportagens

Ajustes em trilha podem melhorar sua função de corredor ecológico no Cerrado 4k6c5j

política ambiental 5n5325

Salada Verde

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 3e3u1p

Reportagens

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Notícias

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios p2065

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 2 1x5124

  1. Silvana diz:

    Belo artigo, Clovis. Esse ministro é um desastre, e todo esse governo atual está empenhado no desmonte de nosso arcabouço institucional ambiental. Isso não isenta a culpa também dos últimos governos do PT, que também fizeram muita coisa errada, mexendo no Código Florestal, conchavados com construtoras em projetos de grande impacto negativo, e escândalos de corrupção – que infelizmente certamente também aparecerão nesse governo atual (aliás já estão aparecendo). Ano após ano o meio ambiente vem sendo desmantelado, mas antes pelo menos tínhamos algumas conquistas. Foram dois os pra frente e um pra trás, mas andava. Agora serão 3 os pra trás. Não apenas nas UCs, tem um senador do Acre que entrou com uma lei para acabar com as reservas legais das propriedades privadas.


  2. George diz:

    Agora que os Verdes estão em franca acensão na União Europeia, essa demonstração explícita de descaso com o meio ambiente vai cobrar seu preço nas negociações comerciais.

    Essa nova política ambiental deve ser boa para grileiros. Para produtores, é péssima. Vamos todos pagar o preço pelos abusos de alguns.