Se desse para resumir num gráfico quatro dias de corre-corre entre dezenas de palestras, a semana do IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação seria uma curva quase vertiginosa. Apontando para cima. Começou na noite de domingo com a ministra Marina Silva lendo, com sotaque mecânico, um relatório meio chato sobre o programa do governo Lula para o meio ambiente. Mas terminou na tarde de quinta-feira, com a platéia de pé, aplaudindo um velho professor de voz cansada e inglês enrolado, que descia penosamente do palco com sua bengala.
Lá embaixo havia gente de olhos molhados, para cumprimentá-lo. O americano Michael Frome acabara de fazer o balanço geral de uma semana estrelada por grandes pesquisadores de assuntos ecológicos. E dissera, simplesmente, que os dilemas ambientais não se resolvem só com argumentos científicos. No fundo, a decência nas relações do ser humano com as outras espécies jamais deixará de ser uma escolha de ordem moral. E isso, como o samba, ninguém aprende no colégio, se fora da sala de aula a sociedade tiver outras prioridades.
“Nos Estados Unidos, a maioria dos jovens quer jogar beisebol. Imagino que no Brasil queira jogar futebol. Espero que um dia eles queiram ser ambientalistas”, disse Frome, ao fechar a conversa com o auditório. A frase de encerramento parecia feita sob medida para um lugar como aquele. Dois dias antes, o holandês Daan Vreugdenhil dividira ao meio o auditório, perguntando quem ali tinha menos de 25 anos. Um mar de braços se levantou.
Aquela sala de 1.200 lugares pode não ser o retrato do Brasil. Mas talvez seja um sinal de que o futuro sonhado por Frome talvez não esteja tão longe assim. Havia cerca 650 estudantes no congresso, apesar do programa sem intervalo para conversa fiada e do o filtrado por taxas de inscrição. Muitos vinham de longe. Alguns viajaram mais de 3 mil quilômetros até Curitiba. E a maioria encarou os quatro dias como se dali para a frente a vida fosse depender de tirar o máximo daquelas palestras.
Quem são eles? Nem os computadores da Fundação O Boticário e da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, que organizaram o congresso, poderiam dizer, porque as fichas dos participantes não chegam a tanto. O jeito foi ouvir a esmo a turma de mochila e jeans puído que ava pelos corredores. Por exemplo:
Manuella Tambelini, de 23 anos, é baiana, mas está de mudança para o Rio de Janeiro. Estudou Turismo. Tentou usar num hotel o que havia aprendido na faculdade, mas enjoou em pouco tempo e largou o emprego para se apresentar como voluntária de educação ambiental na Gambá, uma ONG de Salvador. “Não gosto de fazer as coisas sem ter uma causa”, explica. Com o grupo Gambá, ajudou a treinar os moradores locais que trabalham com o controle de visitantes da Chapada da Diamantina e em programas de consulta à população para a criação de reservas. O que estava fazendo no congresso? “Vim para cá ralando, por minha própria conta, porque a ONG é pobre e não tinha dinheiro para me inscrever”, ela responde. Está decidida a aprender a avaliar o impacto do turismo em trilhas de reservas, programa que encontrou na Universidade Federal Fluminense. “Embora ir morar no Rio seja um problema”.
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