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Instituto Chico Mendes 2cju

Novo órgão que vai cuidar do patrimônio natural nasceu com a missão de conciliar duas coisas bem diferentes: conservação e exploração florestal. O meio ambiente sairá perdendo

1 de maio de 2007 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua 3296r

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

O ICMBIo dará conta de proteger o patrimônio natural que são as Unidades de Conservação? Foto: Mosaico/Wikiparques.

As aspirações de muitos ambientalistas, que há uma década procuram uma autarquia para a gestão das unidades de conservação do país, aram, no lapso de poucos dias, da ilusão à mais brutal desilusão. Tudo foi rápido demais. Entre as primeiras informações vazadas na imprensa e a decisão sancionada pela Medida Provisória N°336 de 26 de abril, muitos mal tiveram tempo de reagir. Assim, somando-me a outras vozes, desejo expressar a minha revolta e protesto por uma decisão que julgo apressada, infortunada e prejudicial.

O Instituto Chico Mendes não é o que nós, os que lutamos tanto por proteger o patrimônio natural do Brasil, procurávamos. É quase a antítese de nossos anseios. É como já foi dito nestas mesmas páginas, apenas um novo monstrengo que dificultará ainda mais o esforço de conservação da natureza neste país, erro que se comete precisamente quando é evidente que o futuro dos brasileiros e da humanidade depende de se multiplicar os esforços para proteger a natureza.

O governo, quebrando todas as suas promessas e demandas de participação e transparência, fez, na calada da noite, o que bem quis, sem dar a mais mínima oportunidade de intervenção da sociedade civil. Assim mesmo, descartou com um golpe temerário, qualquer contribuição dos que conhecem de perto o problema, inclusive dos funcionários do próprio IBAMA. Triste exemplo de democracia. Mas, na verdade, apenas um a mais nestes longos anos, coroados pelo “domínio brasileiro” sobre os biocombustíveis e os “bagres presidenciais” do rio Madeira.

Extração X Conservação

O que não vai funcionar no “Chico Mendes”? Tudo. Juntaram nesse saco ovos frescos com porcos vivos, acreditando que as mexidas dos porcos não vão quebrar os ovos. As finalidades, essencialmente políticas das reservas extrativistas e econômicas das florestas nacionais, nada têm em comum com a finalidade conservacionista dos parques e reservas biológicas e de outras categorias lá reunidas. As técnicas de manejo de reservas extrativistas e florestas nacionais são radicalmente diferentes das requeridas nas outras categorias. Sua missão é produzir bens para beneficio direto das populações que nelas, ou perto delas, moram. Existem para produzir madeira, borracha, castanha, pescado e outras dezenas de produtos que o mercado requer, para fazer dinheiro e para melhorar os ingressos das populações nelas residentes. As reservas extrativistas permitem fazer agricultura e pecuária e, como bem se sabe essas atividades já são dominantes nas reservas do Acre e de outros estados e são incontroláveis, pois são mais rentáveis que o extrativismo. As reservas extrativistas podem contribuir, discreta e momentaneamente, para frear o avanço da soja e dos outros cultivos para matéria prima de biocombustíveis, que o governo promove atabalhoadamente. Mas, até quando? É óbvio que, a médio e longo prazo, não existirá diferença entre essas reservas e a paisagem agropecuária dominante na região. Na realidade, o valor ambiental das reservas extrativistas é canto de sereia para se fazer uma reforma agrária branca. Tudo bem, nada contra estes objetivos, mas o que isso tem a ver com as unidades de conservação da natureza?

As florestas nacionais são concebidas e estabelecidas com o objetivo de contribuir para regular o mercado nacional de madeira. Foram desenhadas para a exploração florestal com a finalidade de abastecer mercados. Claro que, em termos de biodiversidade, é melhor uma floresta nacional, inclusive se ela for de eucalipto ou outras exóticas, que um cultivo de soja ou algodão. O mesmo é verdade para as reservas extrativistas. Mas, não dá motivo para se considerar que sejam unidades de conservação da natureza. Não o são mesmo, menos ainda quando serão outorgadas concessões a empresas privadas, através do novo serviço florestal. Nada têm a ver com uma unidade de conservação que são estabelecidas expressamente para conservar a biodiversidade e que, por esse motivo, só podem ser exploradas de forma indireta, como no caso do turismo. O fato de que algum iluminado, no afã de fazer acreditar ao mundo que o Brasil protege muita terra, incluir reservas extrativistas, florestas nacionais e outras categorias esdrúxulas como “unidades de conservação”, não muda a evidência de que elas não têm a conservação por finalidade principal e que a cada dia contribuem menos para com este objetivo.

Dúvidas

“(…) o valor ambiental das reservas extrativistas é canto de sereia para se fazer uma reforma agrária branca.”

Juntar funções tão díspares em só uma instituição vai provocar como já era o caso no IBAMA, que se favoreçam umas mais que as outras. E, quem pode duvidar? As favorecidas serão as reservas extrativistas, levando-se em conta o amor ir que o PT tem por essa sua criatura, por motivações essencialmente políticas. Também terão prioridade as florestas nacionais, porque essas podem significar muito dinheiro para os mais diversos bolsos. Assim, o Instituto Chico Mendes, supostamente para conservar a biodiversidade nacional, será, na realidade, fonte de negócios baseados na exploração “sustentável” dos recursos naturais, algo que ninguém conseguiu fazer até o presente, ao invés de proteger a biodiversidade. A pergunta é porque essas reservas e florestas precisam de dinheiro público se é dito que têm por propósito produzir renda a seus usuários? Esses recursos são indispensáveis para as áreas destinadas à preservação permanente, pois elas, sim, não têm possibilidade de produzir renda na base do uso direto e, para obtê-las de fonte indireta, como com o turismo, precisam de importantes investimentos prévios.

A medida provisória deixa inúmeras dúvidas sobre outras tarefas importantes do IBAMA atual. Por exemplo, aonde vai ficar a responsabilidade pela gestão da fauna silvestre, pela gestão do entorno das unidades de conservação, pelos corredores ecológicos, pela pesquisa em recursos biológicos ou pelo patrimônio genético nas áreas protegidas? Quem vai se preocupar pelos aspectos legais de criação, regularização fundiária, usos, etc., posto que aparentemente o novo Instituto não vá ter procuradoria, que permanece no IBAMA? E como vai ser exercido o poder de polícia nas unidades de conservação se a Diretoria de Fiscalização continua no IBAMA? E as superintendências, terão ou não terão mais qualquer ingerência nas unidades de conservação? E as reservas privadas, será que terão o espaço que merecem no esquerdista Instituto Chico Mendes? É muita pergunta importante sem resposta. A pressa por fazer reforma, qualquer que seja, conquanto seja grande e satisfaça o Poder, parece ter feito esquecer a responsabilidade com que assuntos tão sérios deveriam ter sido tratados.

Finalmente, com prepotência digna de ditadura, um instituto nacional, federal ou brasileiro de unidades de conservação recebe o nome de um discutível herói ambiental, que é quase exclusivo ao partido no Governo. Desafio qualquer um a explicar que fez Chico Mendes em beneficio das unidades de conservação ou da biodiversidade deste país. Que a política transformasse um bom líder sindical em “defensor da Amazônia”, pode até ser engolido. Mas, embora respeitando muito a valente luta de Chico Mendes pelo seu direito e de seus companheiros de explorar os seringais do Acre, é bem conhecido que a sua “defesa da natureza” foi apenas um estratagema bem sucedido, dentre outros que usou, para chamar a atenção sobre a causa dos seringueiros. Por isso, impor seu nome a uma instituição pública nacional dedicada a conservar a biodiversidade é uma afronta a cidadãos como o mulato abolicionista Rebouças que propôs o primeiro Parque Nacional do Brasil, em 1876, ou o aviador Santos Dumont que propôs o Parque Nacional do Iguaçu em 1916 e a muitos outros que deram sua vida e seus melhores esforços a esta tarefa. Mas, na verdade, um instituto de conservação da biodiversidade não deve levar nenhum nome próprio e é de se esperar que semelhante aberração seja prontamente retificada. Por enquanto, ficamos à espera que o futuro próximo permita remediar este despropósito.

Um instituto que começa como um sapo feio e ignoto, que temos de tragar, pode demorar a decolar ou nunca voar. Que nos ajude o espírito de Santos Dumont, ou o de Rebouças, ou o de José Bonifácio.

*Editado às 18h53, do dia 10/02/2021, para melhoria da diagramação e recorte de fotografias. O texto não foi alterado.

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