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Nativos e biodiversidade 6s7018

Os territórios indígenas do Peru, Equador e Indonésia têm algo em comum: projetos bem-sucedidos dos respectivos governos para conservar sua biodiversidade.

25 de maio de 2005 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni 4r5z52

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Das selvas do norte do Peru e do sul do Equador, na Cordilheira do Condor, território dominado pelos descendentes dos bravos redutores de cabeça, os Jivaros, até as densas matas de Borneo, no território dos não menos temidos cortadores de cabeça, os Dayaks e seus bem afiados facões ou parangs, existem semelhanças notáveis e menos diferenças do que pode parecer. Os Jívaros (hoje mais conhecidos como Aguarunas e Huambisas no Peru e como Shuar no Equador) e os Dayaks de Kalimantan (o lado indonésio de Borneo) têm em comum que são pobres; que estão abandonados pelo governo nacional, que só lembra deles quando devem fazer guerra ao país vizinho, e, claro, que já não brincam com as cabeças de seus inimigos mais distintos. Os denominadores comuns destes povos, no entanto, vão além dos anteriores. Todos vestem blue jeans baratos combinando com camisetas da Siemens, da Coca Cola e da Mitsubishi. Os menos pobres têm telefone celular, TV a cores e uma canoa motorizada. Muitos elementos culturais tradicionais ainda subsistem como, por exemplo, o idioma, o desprezo pelas mulheres, o autoritarismo dos líderes, o gosto pela caça (com modernas espingardas) e uma infinita capacidade de esperar que tudo lhes seja dado de graça.

Ainda assim, seus territórios são os que estão melhor preservados, respectivamente na Cordilheira do Condor e no leste de Kalimantan. Fora das suas terras, onde os programas de colonização à procura de fronteiras desmataram tudo o que podiam e também o que não deviam, os madeireiros estão catando madeiras nobres com enormes bulldozers sem se importar por onde am e, pior ainda, os garimpeiros de ouro e outros minerais destroem e contaminam tudo o que podem, sob os benevolentes olhos dos governos. Claro, todos eles metem chumbo grosso em qualquer bicho que apareça. Estes países (Equador versus Peru ou Indonésia versus Malásia), quando não querelam heroicamente por uns poucos metros quadrados, o que sempre é ótimo negócio para alguns, simplesmente não fazem nada ou quase nada para promover um desenvolvimento razoavelmente ordenado nas suas fronteiras à espera da próxima confrontação. Os nativos, Jivaros ou Dayaks, quiçá devido a suas merecidas reputações, ou porque começaram a luta política ativa para assegurar o que ainda têm e para obter mais vantagens, conseguiram algum respeito pelos seus territórios.

A Cordilheira do Condor e o leste de Kalimantan são dois dos mais importantes hotspots do mundo, ou seja, locais onde a diversidade biológica é concentrada, com enormes proporções de plantas e animais ainda desconhecidos, com muitos endemismos e números consideráveis de espécies que são raras ou quase extintas em outros lugares. Quando a paz, ou o que mais se parece com ela, chega a essas fronteiras, os homens e as mulheres de boa vontade se apressam para promover nelas a conservação da biodiversidade e, também, o desenvolvimento sustentável dos povos que conformam as comunidades locais. Acontece que, por um lado, os nativos são parte do problema, pois já adotaram muitos dos hábitos dos invasores e também estão contribuindo alegremente para a destruição dos recursos naturais. Por outro, por disporem de territórios ainda relativamente grandes, também são parte da solução. Com efeito, subsistem possibilidades de implantar nos seus territórios formas de desenvolvimento que não agridam tão radicalmente a natureza e, eventualmente, que permitam a reserva, nas suas próprias terras, de áreas para conservação da biodiversidade. Obter isso é tão utópico quanto a própria utopia do desenvolvimento sustentável, mas, essa pode ser, e neste caso é, a última e única alternativa disponível para salvar algo do patrimônio em risco.

Os governos do Equador, Peru e Indonésia se associaram com a Organização Internacional para a Madeira Tropical (OIMT, ou ITTO na sigla em inglês), que forneceu os recursos financeiros e com organizações não governamentais de seus países, para tentar preservar a diversidade biológica nas condições acima mencionadas. A primeira fase dos projetos foi executada e o resultado é mais ou menos o seguinte. No Peru, em troca de revisar e ampliar os territórios comunais, os indígenas aceitaram a criação de um parque nacional na fronteira, de tamanho médio (150.000 hectares) e de forma e cobertura ecológica inadequadas para preservar a biodiversidade da região. Do lado equatoriano, os indígenas não aceitaram a criação de nenhuma unidade de conservação e, por isso, o governo estabeleceu apenas três pequenas áreas protegidas, fora do território indígena, de escasso ou nenhum valor para a finalidade de conservar a biodiversidade. Por isso, como antecipado, os dois projetos se voltaram para o objetivo de tentar conservar a natureza nos territórios indígenas. Sem entrar nos múltiplos e complexos detalhes do processo, os resultados em ambos os países têm sido bastante positivos. Os indígenas, que já estavam conscientes da alarmante rapidez da destruição de seus recursos naturais, aceitaram o que se resume em três medidas: (1) implantar opções de desenvolvimento (agro-silvicultura, reflorestamento, manejo de capoeiras, zoocriadouros, etc.) que restaurem seus recursos naturais degradados, (2) manejar de forma sustentável suas florestas naturais e a fauna e, (3) reservar porções de seus próprios territórios para que os processos evolutivos naturais continuem se realizando, sem ou com pouca interferência humana. Do lado equatoriano, isso pode significar uma reserva de mais de 120.000 hectares e, do lado peruano, muito mais que isso. Porém, em ambos os casos, a decisão de manter estas alternativas e, em especial as ditas reservas, vão depender do apoio efetivo e persistente recebidos pelos indígenas, que o desenvolvimento sustentável ofereça resultados tangíveis e de que a população indígena não aumente além da capacidade dos seus territórios. Esses projetos, em apenas pouco mais de dois anos de execução, conseguiram dos indígenas uma atitude muito positiva, vencendo décadas de enganos e frustrações por eles sofridas, por parte dos governos nacionais e locais.

O caso dos Dayaks é semelhante. Difere no que diz respeito ao Parque Nacional, onde moram por três séculos, que foi criado sem seu conhecimento e cujos criadores, desde a longínqua Jacarta, tampouco sabiam da existência deles na área. O que o projeto conseguiu foi uma atitude muito positiva dos Dayaks para com as medidas de manejo sustentável dos recursos dentro do Parque e, assim mesmo, uma proposta de redefinição dos limites, tirando do seu interior as aldeias principais e outras áreas já demasiado degradadas e sem valor biológico. Outra vez, a continuidade da razoável atitude dos nativos vai depender da atitude do governo, que deve manejar o Parque, redefinir seus limites e oferecer as condições mínimas para que os nativos possam viver dignamente, sem ter que agredir os recursos naturais.

Não deve o leitor assumir que esse é o caso de todas as unidades de conservação dos países em vias de desenvolvimento. Muitos dos parques nacionais do Peru e do Equador, como do Brasil ou da Indonésia, não têm esse conflito ou se existem, não necessariamente respondem às mesmas características. Este não é o caso, por exemplo, do Parque Nacional do Araguaia, aniquilado por uns poucos indígenas que já possuem milhões de hectares de terra, apenas para alugá-lo aos pecuaristas, exterminar a fauna e praticar a pesca com fins comerciais. Muitas unidades de conservação têm problemas inventados por atores externos que simplesmente procuram dividendos políticos ou econômicos. Nos casos comentados, até agora não existe nenhuma alternativa para preservar a biodiversidade. Trinta ou quiçá até vinte anos atrás, existia muita terra da Cordilheira do Condor ou do leste do Kalimantan disponível para a natureza, sem entrar na terra dos nativos. Hoje, não há mais.

Os projetos visitados são pioneiros, pois somam objetivos diferentes e quase contraditórios: participação comunitária em conservação da biodiversidade, áreas protegidas em fronteiras com conflito militar, promoção do desenvolvimento econômico sustentável e lugares de extremo valor biológico e grande fragilidade. Seu futuro não tem prognóstico claro. O que já foi feito e conseguido indica que existem grandes esperanças de sucesso, se houver continuidade para as ações tão bem iniciadas. Mas a perseverança é uma virtude muito rara.

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