Colunas

Intervenção civil 496x40

A Casa Civil esconde os novos dados do desmatamento. Mas não há como maquiar o que o governo faz na Amazônia, onde implementa um programa devastador e não aplica a lei.

7 de julho de 2008 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches u5e6z

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Duas informações vindas de Brasília – ambas publicadas por Míriam Leitão em sua coluna – a respeito da demora na divulgação dos dados do DETER, são preocupantes. Os dados do INPE sobre desmatamento, no programa DETER – que usa o sistema PRODES – para o mês de junho estão prontos. Foram entregues ao governo, antes de serem divulgados ao público e a Casa Civil se assenhoreou deles, assumindo a responsabilidade discricionária sobre quando serão divulgados. Aparentemente, serão primeiro discutidos com o presidente em reunião ainda não marcada até a última sexta-feira.

A segunda informação é que o comando político central do Planalto, o diretório de governo, acha que a divulgação dos dados cria indesejável “stress mensal”. Como o governo vive de marketing mais que de políticas, prefere sonegá-los ao público, ou atrasar sua divulgação. Quando não tenta interferir de formas ainda mais rombudas. Como, por exemplo, querendo que a Embrapa gere outros dados, com outra fonte e metodologia que, eventualmente, façam o governo sair melhor na foto na Amazônia. Não é este o papel, nem a expertise da Embrapa.

Não há como maquiar o que o governo faz na Amazônia, onde implementa um programa devastador, se omite na aplicação da lei e enfraquece as ações das agências do Meio Ambiente, por exemplo, ao criar duplo comando sobre as políticas para a região. Ao entregar a Mangabeira Unger a coordenação da política de sustentabilidade para a Amazônia, um punhado de idéias requentadas, que tem mais PAC do que sustentabilidade, desestabilizou e encurralou a ex-ministra Marina Silva. Agora, interfere politicamente na divulgação dos dados sobre desmatamento. Se a Embrapa entrar nesse jogo de governamentalização das agências técnico-científicas do estado, perderá credibilidade e a legitimidade. Há sinais de que resistirá a essa investida. Faz muito bem. Para isso, deve olhar de perto o exemplo do IPEA, uma agência estatal de pesquisa que já foi de primeira classe e de respeito internacional e está se transformando numa mera estação repetidora de idéias que agradam ao governo, às custas de censura, perseguições e arbitrariedades. Há uma onda obscurantista rondando as agências de excelência do estado brasileiro e que precisa ser dissipada pela resistência das próprias agências e da sociedade organizada, antes que se dissemine para fora do próprio estado. As ilhas de excelência e competência que restam na máquina pública estão sob visível ameaça. Já deviam estar recebendo o apoio explícito da SBPC, da ANPPOCS, da ANPEC e suas congêneres, caladas demais, quando sempre tiveram sua história marcada pela defesa da independência de informação técnico-científica e da autonomia das agências científicas do estado.

O governo politizou toda a questão amazônica. Até o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que politiza todas as questões em que se envolve, deu de falar sobre Amazônia, repetindo o chavão que encobre as propostas de desenvolvimento da região a qualquer custo – até com o sacrifício da floresta – de que ela não pode ser uma “coleção de árvores”. Desprezar a floresta em pé, como uma “coleção de árvores” sem valor para o povo amazônico, é o mesmo que desprezar uma boa biblioteca, como se fosse apenas uma “coleção de livros” para serem irados, mas sem valor intrínseco. A Amazônia tem, em sua cobertura vegetal e sua fauna, conhecimentos que podem torná-la uma mina inesgotável de bio-elementos para várias cadeias industriais de base biotecnológica. Derrubá-la para fazer estradas e criar gado é investir no atraso e no regresso do Brasil, ao longo do século XXI, enquanto as outras nações – inclusive China e Índia – vão abandonando essa visão anacrônica e desinformada de desenvolvimento. Há alternativas que o governo se recusa sistematicamente a examinar, nos transportes, na energia e na industrialização da região.

O governo politiza inclusive questões técnicas, como a divulgação de dados obtidos a partir da análise técnico-científica de imagens de satélites. Informação que deveria ser rigorosamente pública. As imagens não são monopólio do governo, elas saem de satélites internacionais, e qualquer organização pode ter o a elas. São imagens comerciais. As análises são pagas com dinheiro público, dos nossos impostos. O Imazon divulgou seus dados recentemente, também baseados nas imagens do PRODES, o satélite de mais baixa resolução, comparando-as a imagens do Landsat, de mais alta resolução, o que permite maior detalhe e confiabilidade das interpretações.

Esses dados têm valor científico e servem para serem usados em modelos que permitem entender e explicar a dinâmica do desmatamento. Um grupo de pesquisadores de vários centros e universidades do EUA publicou nos Anais das Academias de Ciências (PNAS) estudo coordenado por Mathew Hansen, da Universidade Estadual de Dakota do Sul, analisando o desmatamento nas florestas tropicais úmidas do mundo, usando a análise comparativa de imagens do PRODES e do Landsat, para concluírem que o Brasil foi o líder de desmatamento no período de 2000 a 2005, com 48% do total. Leia a matéria de O Eco aqui . O INPE também se prepara para usar essa metodologia combinando o PRODES e o Landsat.

Censurar os dados do INPE é como querer censurar a Internet, como a Justiça Eleitoral está fazendo. Resulta em que? Anacronismo, velharia. No caso dos dados de desmatamento, só cria descrédito para uma instituição de altíssima qualidade científica, como o INPE, e confusão em torno do que acontece na Amazônia, o que favorece os desmatadores. Hoje, felizmente, nem o Brasil, nem o mundo, precisam de dados oficiais para saber o que acontece na Amazônia. Mas a democracia brasileira, o estado brasileiro e a capacidade nacional de proteger e desenvolver a Amazônia, garantindo a manutenção da floresta em pé, precisam e muito.

Em entrevista à revista Veja, publicada em suas “páginas amarelas”, o chefe de gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho, revelou o que vai na alma do presidente, quando se trata de sustentabilidade. Ele disse que “entre um cerradinho e a soja, o presidente fica com a soja”. Imagine-se entre uma florestinha amazônica, a soja, milhões de cabeças de gado, hidrelétricas discutíveis, milhares de quilômetros de rodovias asfaltadas e assentamentos sem colonos, mas cheios de irregularidades oficiais, que respondem por 20% do desmatamento recente.

O ministro Carlos Minc, infelizmente, continua tão encurralado quanto esteve a ministra Marina Silva. Mas, por seu estilo e suas características, está sob fogo aberto de todo lado, de dentro e fora do governo, de governistas e oposicionistas. O destino da Amazônia, neste governo, está e estará subordinado à política de desenvolvimento, que é siamesa das políticas dos anos 70, quando sustentabilidade era uma palavra que não existia e desmatamento e poluição eram sinônimo de progresso.

Leia também 1b437

Salada Verde
6 de junho de 2025

Em pronunciamento, Marina Silva sai em defesa do Licenciamento Ambiental 573g3z

“Não podemos permitir que, em nome da agilização das licenças ambientais, seja desferido um golpe mortal em nossa legislação”, discursou a ministra. Leia o discurso na íntegra

Análises
6 de junho de 2025

Governo do RS ignora perda anual de vegetação campestre para comemorar a ilusão do Pampa conservado 485b4o

Relatório que apontou queda no desmatamento do bioma ite limitação para avaliar campos, mas Governo do Estado vangloria-se de um suposto sucesso da sua política ambiental

Colunas
6 de junho de 2025

ONU reúne 2 mil cientistas para transformar conhecimento em ações políticas para o oceano 3r4r1o

Especialistas de mais de cem países estão em Nice, na França, para definir ações prioritárias até 2030 para melhorar a saúde do oceano

Mais de ((o))eco 386al

unidades de conservação 4x4ed

Notícias

Ave criticamente em perigo de extinção, soldadinho-do-araripe ganha um refúgio 1k6t67

Notícias

Governo cria três novas unidades de conservação na Mata Atlântica 4y656x

Reportagens

Como as unidades de conservação podem resistir à crise climática? b3o6p

Reportagens

O adeus de Niède Guidon, a matriarca da Serra da Capivara i5r34

amazônia 245k3y

Notícias

Morre Dalton Valeriano, responsável por modernizar o monitoramento do desmatamento no país 572e32

Colunas

O segredo mais bem guardado da política climática brasileira w625b

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 9106o

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

amazonas 41421z

Reportagens

Polícia do Amazonas aperta o cerco contra a exploração de animais silvestres 1pm63

Salada Verde

Governador do Amazonas torna permanente comitê de enfrentamento a eventos climáticos 6t562

Salada Verde

Multados por servir tartaruga ameaçada num evento oficial 451d2z

Análises

Resposta de pesquisadores à matéria: Volta ao Brasil em 75 parques nacionais 27115k

Ar Livre 503524

Notícias

O feitiço de Marrocos 6b6qw

Notícias

Morte em Yosemite 255f6x

Notícias

Calçado ideal q325u

Notícias

Cicloturismo 2u6z3

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.