Após lindas imagens da Antártida e de pingüins saltando da água, um dos bichos começa a falar. Mais adiante, uma fêmea emite sua “voz”. Como não se trata de um filme de animação, o casal fala sem mexer o bico. São dublados, na versão original em francês. Nas cópias em português, quem fala pelo casal de pingüins são os atores Antonio Fagundes e Patrícia Pillar. O macho e a fêmea do início do documentário são os protagonistas e estão sempre acompanhados por centenas de pingüins imperadores.
Tentam sobreviver a 40 graus Celsius negativos e a ventos gelados de 200 quilômetros por hora. Em fila indiana, eles iniciam uma longa caminhada. São 100 quilômetros de travessia até chegar a um local onde se acasalarão e tentarão se manter vivos.
Assim começa A Marcha dos Pingüins, documentário do biólogo e cineasta francês Luc Jacquet, que estreou em meados de janeiro. Fica complicado enquadrar o material do cineasta numa categoria. O francês registra os pingüins de forma cientifica mas, na montagem e na dublagem, cria uma narrativa dramática. Em função delas, o documentário ganha cara de desenho animado da Disney.
Enfim, a trama gira em torno da luta dos pingüins pela sobrevivência e perpetuação a espécie. Eles enfrentam frio, fome e o cansaço da jornada. A luta pela sobrevivência, em última instância, mostra a luta dos bichos pela construção de uma família. Aliás, isso também dá ao documentário aquela cara de filme baseado em valores cristãos. Mesmo em tempos de individualismo extremo, a monogamia e a perseverança dos pingüins reforça o conceito do sofrimento seguido de redenção. Não é por acaso que o filme é a produção sa de maior sucesso nos Estados Unidos.
Apesar das imagens espetaculares, o conjunto da obra é ruim. Reduz a sobrevivência de uma espécie cujo habitat está sendo desmantelado pelo homem à destreza de um casal de pinguins sobre sua capacidade de proteger um mísero ovo. Em nenhum momento se toca na questão da poluição, da pesca predatória ou do aquecimento global que ameaça hoje a sobrevivência da Antártica. Se o filme tivesse sido escrito e dirigido por pinguins, a omissão até que seria perdoável.
Os pingüins não sabem que estão fadados à extinção por obstáculos bem mais comprometedores que os apresentados no filme. Mas nós sabemos. Talvez Jacquet tenha até uma desculpa. Quem sabe ele nunca quis produzir um documentário. Apenas um melodrama barato sem gastar dinheiro com o cachê dos atores. Se foi isto, ele conseguiu. Produziu um dramalhão mexicano a baixas temperaturas.
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