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Clima de fim de festa 2r1947

A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Buenos Aires, deu todos os sinais de que nos aproximamos de um retrocesso. Ninguém está disposto a ceder.

17 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Flávia Velloso e João Teixeira da Costa 4r5fy

  • Flávia Velloso 4e606n

  • João Teixeira da Costa 176h12

É um exercício arriscado avaliar as possibilidades de sucesso de uma negociação internacional com base nas tomadas de posição dos participantes. É normal uma certa radicalização de parte a parte antes de sentar à mesa, para vender mais caro as eventuais concessões.

Dito isso, os sinais que vêm da Conferência das Partes em Buenos Aires não são animadores. O início da seção de alto nível da Conferência — onde participam ministros de estado — parece apontar para uma polarização entre norte e sul, e uma enorme distância entre posições com relação ao futuro da Convenção-Quadro sobre Mudança Climática das Nações Unidas.

O Protocolo de Kyoto, que impõe metas de redução de emissões de gases do efeito estufa para os países desenvolvidos, só cobre o período de 2008 a 2012. Não existe ainda nenhuma definição do regime que vigorará a partir de 2012, mas as negociações deveriam começar em 2005. Esse assunto não está na agenda formal da Conferência de Buenos Aires (COP-10, no jargão dos climacratas), mas está nos corredores do centro de convenções.

O mais cansativo é notar que o debate político parece ter avançado muito pouco desde a Eco-92. Poucos ainda questionam a realidade do aquecimento global, e da responsabilidade humana pelo fenômeno. Mas o consenso em torno das medidas que devem ser tomadas está muito distante. Algumas das divisões fundamentais persistem. Os países em desenvolvimento insistem na “responsabilidade comum, porém diferenciada”, uma maneira de dizer que quem deve arcar com os custos da mudança climática são os países ricos, responsáveis pelo fenômeno. A China, por exemplo, já deixou claro que não aceitará limites às suas emissões de dióxido de carbono. O chefe da delegação chinesa em Buenos Aires declarou em uma entrevista no início da semana.
que seu país não aceitará qualquer limite, e que ninguém deve se surpreender se daqui a 20 ou 30 anos a China for a maior fonte global de emissões de CO2.

A Índia, outro país de dimensões continentais em trajetória de crescimento acelerado, também não tem se destacado pela clarividência ambiental e já foi duas vezes ao pódio do Fóssil do Dia.
, prêmio concedido aos países que se destacam pela atitude obstrutiva às negociações em Buenos Aires. A própria estrutura dos blocos de negociação dificulta a tomada de posições dos países em desenvolvimento, que se reúnem no chamado Grupo dos 77 + China. Acontece que os países membros da OPEP integram o grupo, e fazem o possível para bloquear toda e qualquer iniciativa que possa implicar em redução de consumo de combustíveis fósseis. Como as decisões dependem de consenso, esse bloqueio se revela bastante eficaz.

E os países ricos? Os Estados Unidos não ratificaram o Protocolo de Kyoto, mas não abandonaram a Convenção-Quadro. Isso significa que há uma delegação americana em Buenos Aires, nem sempre muito construtiva. O problema é que não há solução para o aquecimento global sem participação americana, o que coloca os membros do “clube de Kyoto” diante de um dilema. Deixando de lado por um momento o “fóssil do século” George W. Bush, o que fazer para trazer os EUA de volta à mesa? O dilema é particularmente agudo para os membros da União Européia, que investiram enorme capital político no processo e parecem dispostos a pagar um preço alto para preservar a aparência de que o mesmo continua nos trilhos.

No entanto, o cenário para os europeus também está se tornando mais complicado. O avanço da implementação doméstica do Protocolo de Kyoto começa a mostrar os custos envolvidos, em termos de burocracia, deslocamentos econômicos e alteração de condições de competitividade entre países e setores das economias. Não é fácil absorver esses custos, especialmente quando existe a percepção de que nem todos os países do mundo estão fazendo a sua parte. Diante desse ime, surgem rachaduras na fachada européia. O primeiro-ministro britânico Tony Blair, que se diz bastante preocupado com o problema da mudança climática, parece estar fazendo um enorme esforço para convencer os americanos da necessidade de agir — mesmo que o preço seja a negociação de um novo acordo, abandonando Kyoto. E o governo italiano também já indicou que nas bases atuais não fará parte do Protocolo pós-2012.

As últimas notícias de Buenos Aires indicam que a delegação americana, com a ajuda de chineses e indianos, conseguirá bloquear qualquer discussão sobre o regime pós-2012. E o Brasil, como fica? O sacrossanto princípio da “responsabilidade comum, porém diferenciada” precisa ser revisto se a atitude dos principais países em desenvolvimento (China, Índia) é puramente obstrucionista, e se o nosso inventário nacional mostrou que o Brasil usa o tal direito de emitir de maneira claramente predatória e insustentável. Como parece insustentável a nossa diplomacia na Conferência do Clima, mais interessada em marcar posições do que em buscar resultados.

Essa incerteza política afeta o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, através dos quais os países do Anexo I (desenvolvidos) poderão financiar projetos de redução de emissões e de captura de gases do efeito estufa em países em desenvolvimento. Ora, o MDL tem sido debatido exaustivamente em Buenos Aires, e começa a parecer que, apesar de boa idéia em princípio, ele se tornou tão complexo de maneira a satisfazer tantas exigências que corre grande risco de não dar em nada. As ONGs, que sempre desconfiaram de um mecanismo que poderia livrar os países ricos de maiores mudanças nos seus modos de vida, insistem na necessidade — plenamente justificada — de transparência e de fiscalização dos projetos. Também defendem que os projetos financiados pelo mecanismo tragam uma contribuição real para o desenvolvimento sustentável das comunidades onde forem instalados.

Já os investidores potenciais lembram que precisam de previsibilidade, ou seja, de segurança de que o negócio é para valer. Os governos dos países em desenvolvimento gostariam de ver os fluxos de investimento se materializar, mas isso depende de colocar em funcionamento instituições sofisticadas, e de qualquer maneira parece que o bolo não é grande o suficiente para todos. O primeiro período de compromisso (2008-2012) é muito curto, e tanto os países recebedores dos projetos como os investidores precisam saber o que vem depois. Caso contrário, não se justificam os investimentos na construção de instituições, sistemas de registro e fiscalização, e nos projetos propriamente ditos. Pode ser a morte da suposta galinha dos ovos de ouro.

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