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A poluição do ar em São Paulo ataca no inverno, mas não é inevitável como um fenômeno da natureza. Veículos ainda são os maiores responsáveis pelo fato.

20 de maio de 2005 · 20 anos atrás
  • Flávia Velloso e João Teixeira da Costa 4r5fy

  • Flávia Velloso 4e606n

  • João Teixeira da Costa 176h12

Depois de um dia de molho em casa pedi ao João, meu co-autor, espaço para falar um pouco de minha experiência pessoal com a poluição do ar.

Sou mineira de Belo Horizonte, mas quando me perguntam digo que sou carioca. Morei no Rio de Janeiro a maior parte de minha vida e fui criada naquela cidade maravilhosa. Minha adaptação à cidade que me acolheu quando eu tinha apenas 7 anos foi muito rápida. Como sou alérgica, o clima do Rio e os anos de natação no Clube de Regatas do Flamengo foram decisivos para melhorar minha qualidade de vida.

Lá pelos idos de 2002, depois de um bom tempo de ponte-aérea fixei minha residência em São Paulo. No começo ao acordar sentia a garganta ardendo e minha voz custava a sair. Fui procurar o que era e me informaram que era a poluição, culpa do inverno e das inversões térmicas. Desde essa época me mostraram conceitos embaralhados que só servem para se evitar soluções. Aqui em São Paulo é muito comum atribuirmos a culpa a São Pedro por problemas que o homem só ajudou a agravar.

No início desta semana, quando a umidade do ar caiu a níveis muito baixos, os problemas da poluição do ar se intensificaram e acabei de cama, assim como algumas pessoas acabaram no hospital, com dificuldades para respirar e cansaço. Quando os problemas de desmatamento e meio ambiente são distantes fica mais fácil nos esquecermos deles – o que por si só é um imenso problema. Mas não é menos pior quando ele bate a nossa porta e fazemos vista grossa a seus efeitos. O meio ambiente urbano é um problema sério, como mostrou o último relatório do IBGE, mas nem de longe tem recebido a atenção necessária ou tem tido sua análise de causa e efeito tratadas de maneira intelectualmente honesta.

O homem faz muito mal ao homem. Já não podemos sair de casa tranqüilos por causa da violência, sonhamos com carros blindados e grades, já não podemos desfrutar de áreas verdes ou dos nossos rios e agora mal podemos respirar o ar de nossa cidade. Não é hora de pensarmos em soluções efetivas?

São Paulo não é a única grande cidade brasileira a enfrentar esse problemas. Mas é a maior, e o seu problema de poluição é o maior, mais antigo e mais visível do país. Os paulistanos já se acostumaram até mesmo a lidar com a poluição do ar quase como se fosse um fenômeno natural, com data certa para chegar e para ir embora. A partir de maio, quando começa a estação seca, é normal ler sobre inversões térmicas e sobre o efeito das altas concentrações de poluentes sobre a saúde humana.

Talvez essa ligação entre poluição e meteorologia seja um dos fatores que levam muitos a encarar o ar poluído de São Paulo com um certo grau de fatalismo. Fica parecendo que a poluição tem mais a ver com chuvas e ventos e com o ciclo natural das estações do que com fontes de emissões. Ao invés de atacar as fontes, rezamos por chuva. E o pior é que não seria tão difícil nem tão caro reduzir dramaticamente o nível de poluição em São Paulo. Estudos mostram que o custo de fazê-lo seria mais do que coberto pela economia auferida nos gastos de saúde causados pelo ar sujo.

São cinco os poluentes que a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), seguindo os padrões internacionais, mede e utiliza como indicadores da qualidade do ar em São Paulo: material particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, ozônio e dióxido de nitrogênio. Cada um deles faz mal à saúde do seu modo, mas todos eles têm uma origem em comum, direta ou indiretamente: os motores de combustão interna. Os processos industriais, que no ado foram fonte importante de poluição em São Paulo, estão hoje em grande parte sob controle. A exceção é o caso de Cubatão, onde as indústrias (química, petroquímica, siderurgia, fertilizantes) ainda são os principais poluidores.

O controle das emissões veiculares é uma tarefa perfeitamente factível. A experiência brasileira com o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE) o mostra. A partir do final da década de 80, o Brasil ou a adotar padrões cada vez mais exigentes de controle dos gases emitidos por automóveis, caminhões e ônibus. De acordo com a CETESB, em 2004 um veículo leve novo produzia 94% menos poluentes do que no início do programa.

O próprio sucesso do PROCONVE parece ter criado uma falsa sensação de que o problema estava resolvido. No entanto, os veículos ainda são, de longe, a principal fonte de poluição do ar em São Paulo, responsáveis por 97,8% das emissões de monóxido de carbono, 97% dos hidrocarbonetos, 96,2% dos óxidos de nitrogênio, 54,9% dos óxidos de enxofre, e 40% das partículas inaláveis. Grande parte desses poluentes é emitida por motocicletas e por veículos a diesel. Limites mais estritos de emissões para motos, caminhões e ônibus, inspeção veicular, assim como medidas para melhorar o transporte coletivo devem ser os próximos os para resolver o problema da poluição do ar em São Paulo e nas outras grandes cidades brasileiras. São Paulo precisa achar a sua identidade pós-industrial, e não há justificativa para tolerar a poluição do ar em nome do desenvolvimento econômico.

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