Colunas

Irresponsabilidade sempre leva à insustentabilidade 4f3270

Este momento da política brasileira deveria inspirar uma reflexão sobre o real sentido de sustentabilidade no país. É preciso lembrar que só há bem-estar quando existe natureza.

30 de outubro de 2006 · 19 anos atrás
  • Suzana Padua e2d3x

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Segundo o autor de Colapso, Jared Diamond, o cidadão norte-americano não leva o meio ambiente a sério. Por isso, hoje se vê enormes territórios desmatados, com erosão e assoreamento de rios, escassez de água e desaparecimento de espécies. Observam-se peixes sendo consumidos em proporções insustentáveis, crises energéticas, lixos tóxicos gerados em profusão, sem qualquer possibilidade de destino adequado e emissões de gases provocando aquecimento global. A lista de impactos negativos do desenvolvimento alcançado com visões de curto prazo, infelizmente, aumentam com grande rapidez. Segundo o autor, cada problema desses é como uma bomba, capaz explodir a qualquer momento nas próximas décadas. Com tudo isso, o meio ambiente continua visto como “luxo”, sendo a economia sempre priorizada. Diamond chama a atenção, no entanto, para o fato de ser mais oneroso recuperar o meio ambiente do que protegê-lo. O desequilíbrio ambiental acarreta problemas que podem culminar em uma cadeia de catástrofes, causando o caos, com exemplos como Ruanda e Afeganistão.

Infelizmente, o desenvolvimento dos Estados Unidos é ansiado e copiado pelo restante do mundo, quase sempre sem grandes questionamentos. E ainda há quem defenda esse modelo insustentável. Haja vista a recente edição da Revista Exame de 19 de outubro, que traz na reportagem de Felipe Seibel e Tatiana Gianini uma visão, no mínimo, fragmentada sobre a importância do meio ambiente, sem a compreensão do quanto seu desequilíbrio afeta a própria vida humana, inclusive a economia. Primeiro, os autores atacam as ONGs, apesar de itirem que são elas as responsáveis por manifestações contra ações que prejudicam o equilíbrio ambiental e as injustiças sociais. O que seria do Brasil e do mundo sem as ONGs? O que será que os governos e as empresas que trabalham por lucros rápidos já não teriam feito do nosso precioso planeta Terra?

Segundo, os autores defendem a entrada da soja no Brasil, sem uma reflexão cuidadosa do que ocorre em termos sociais, ambientais e até econômicos como conseqüência da monocultura. É lastimável que uma revista do porte da Exame ainda não perceba a gravidade da derrubada das matas e do impacto da monocultura, e quem se beneficia são os proprietários de terras e as empresas ligadas às atividades do plantio da soja. O destino da soja também merece atenção. Quando plantada em grande escala, é exportada para servir de alimento de gado e porcos dos países desenvolvidos. Quais as possibilidades de longo prazo (e até de curto prazo) da soja trazer benefícios reais (além do imediatismo dos Reais nas mãos de poucos) para o país, quando seu cultivo destrói a cobertura natural cujos potenciais nunca foram devidamente investigadas? Os autores nada comentam sobre a concentração de rendas que ocorre em toda monocultura, o desgaste do solo, ou o impacto sobre a água. Como será tratada a dependência dos insumos de multinacionais que a soja transgênica exige? Nenhuma dessas questões é comentada pela Revista Exame.

Um rápido olhar pela Historia brasileira mostra como os ciclos econômicos, com base em produtos agrícolas para a exportação como a cana-de-açúcar, o café, e outros em menor escala, trouxeram insustentabilidade e desequilíbrio social e ambiental (vejam artigos do José Augusto Padua sobe o assunto). Pautar o desenvolvimento de um país em demandas externas, que são mutáveis, instáveis e ignoram as necessidades dos países fornecedores, é perigoso e têm acabado por favorecer poucos e deixar rastros nefastos. Pena que ainda haja quem defenda posicionamentos tão irresponsáveis!

As conseqüências do desenvolvimento insustentável, por outro lado, está bem retratada nas “páginas amarelas” da Revista Veja da semana ada, com a entrevista de James Lovelock. Este cientista visionário vem alertando o mundo para os perigos de se desenvolver sem responsabilidade. Inicialmente chamou atenção para e efeito destrutivo à camada de ozônio pela emissão de gases de aerossóis e pesticidas. Posteriormente, desenvolveu a controvertida Teoria de Gaia, na qual compara a Terra com um organismo vivo, sendo todas as espécies importantes e merecedoras de cuidados. Hoje, Lovelock pinta um quadro mais do que preocupante para o futuro do planeta. Ao ocupar o lugar central, o ser humano infelizmente vem causando grandes impactos que, segundo o autor, são agora irrecuperáveis. Considera o desmatamento com queima de combustíveis fósseis “o maior vilão”, pois sempre ocorre com a argumentação de ser necessário para a produção de alimentos. As florestas destruídas em prol da agricultura e da criação de gado regulavam o clima e mantinham o planeta em uma temperatura confortável. O crescimento populacional pode ser uma das causas, mas não a única, já que o aumento de consumo é cada vez maior por uma minoria abastada. Todavia, os argumentos de Lovelock se concentram no aquecimento global que considera muito mais sério do que apregoam estudiosos que vêem apenas as emissões de gases na atmosfera. Segundo ele, a Terra vai ser totalmente modificada, com mudanças radicais de cenário. As ameaças são muitas para inúmeras espécies, inclusive a nossa.

A Teoria de Gaia parte de uma visão sistêmica com mecanismos auto-reguladores de equilíbrio entre as águas do mar, o ar e a terra, os seres vivos e outros componentes indispensáveis à vida. Os impactos causados pela forma de vida que o ser humano tem adotado têm levado a riscos maiores do que se poderia imaginar. O fato é que a Terra está ameaçada e o ser humano é o grande responsável.

Especificamente sobre a monocultura, Lovelock defende que as florestas que foram derrubadas para darem lugar às plantações de grande escala deveriam ter sido mantidas em prol de um equilíbrio para o planeta como um todo. O mesmo diz Diamond, quando mostra que os países que não se preocuparam com o meio ambiente tiveram seu destino marcado pelo fracasso. Exemplifica da seguinte forma: “as sociedades das terras altas da Nova Guiné, Japão, Tikopia e Tonga desenvolveram um manejo florestal bem-sucedido e continuaram a prosperar, enquanto a ilha de Páscoa, Mangareva e a Groenlândia Nórdica não conseguiram um bom manejo florestal e, por isso, entraram em colapso”. Valores culturais e estruturas sociais e políticas podem influenciar os resultados do quanto os países se recuperam ou se deterioram em face às crises ambientais que enfrentam. O primeiro o é perceber as conseqüências da degradação ambiental e ter a vontade de reverter a situação. Sendo assim, mesmo que a questão ambiental isoladamente não seja responsável pelo destino de uma nação, a forma como se enfrentam os desafios referentes à mesma pode ser decisivo para tornar algumas sociedades suscetíveis ao desaparecimento ou ao desenvolvimento duradouro. Essa visão é semelhante a do historiador Clive Ponting em A História Verde do Mundo, quando mostra como civilizações hegemônicas entram em colapso quando desrespeitam e não protegem a natureza com a seriedade que merece. Exemplos que Ponting apresenta são inúmeros e seus dados contundentes.

Em contrapartida, algumas nações vêm mostrando profunda compreensão sobre o valor de se buscar um convívio sócio-ambiental mais harmônico. Mesmo que pareça tardio por já terem destruído muito do que tinha, a maioria dos países desenvolvidos está tentando proteger e recuperar sua natureza. É verdade que para se manterem na liderança do mundo muito do impacto que causam ocorre em países menos privilegiados. Aliás, esse é o caso da própria soja que invade o Brasil.

Alguns países, no entanto, vêm de fato inovando na sua concepção desenvolvimentista. O melhor exemplo é o Butão, cujo rei proclama a “felicidade nacional bruta” como mais importante do que o “produto nacional bruto”. A felicidade é essencial para o desenvolvimento nacional e parte desse novo paradigma, ou como conseqüência dessa nova maneira de viver, existe um senso mais profundo da importância da conservação da natureza. Os valores éticos adotados no coração das estratégias econômicas visam assegurar melhores alimentos, moradias e saúde para seus 710 mil habitantes. Tudo isso tem sido conquistado com aumento e maior proteção da cobertura florestal do país. A ética do Butão tem sido a base motivadora do mais humano dos anseios: a felicidade.

Mesmo que muito menor do que o Brasil e distante geograficamente, o exemplo do Butão pode servir de lição para nosso repensar o presente e o futuro. O processo educacional deveria ter a felicidade como uma de suas metas, pois o cuidado com o outro e com o meio ambiente teria que ser diferente. Como pode alguém ser feliz sabendo que seu semelhante a necessidades e que a natureza está sendo destruída? O princípio do Butão com certeza afeta de maneira profunda os relacionamentos do ser humano com o mundo.

Nesse momento tão decisivo da política brasileira, quem sabe nossos governantes se inspirem no Butão e consigam pensar no bem estar de nossa sociedade e na proteção de nossas riquezas naturais? Almejamos harmonia de longo prazo para todos e o compromisso com felicidade é promissor, podendo ser um importante primeiro o rumo a uma real sustentabilidade.

Leia também 1b437

Salada Verde
30 de maio de 2025

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 3e3u1p

Mobilização ocorre em ao menos 12 capitais. Protestos estão marcados para ocorrer neste domingo e marcam o início da semana do meio ambiente

Salada Verde
30 de maio de 2025

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 6h3f5g

Países caminham para que a principal meta do Acordo de Paris seja descumprida. Chance de que o aquecimento fique entre 1,5ºC e 1,9ºC em pelo menos um dos próximo cinco anos é de 86%, diz ONU

Reportagens
30 de maio de 2025

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa

Mais de ((o))eco 386al

sustentabilidade 4ic2i

Colunas

O trabalho infantil e a responsabilização do futuro do planeta às crianças 2q6j38

Análises

Quanto de sapiens e quanto de grilo? 4a3o62

Salada Verde

Os caminhos para integrar a natureza brasileira aos espaços urbanos s6k2e

Reportagens

Pecuária sustentável traz esperança para a conservação do Pantanal 6g27j

conservação 4u55e

Notícias

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios p2065

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso o1s2e

Reportagens

Ajustes em trilha podem melhorar sua função de corredor ecológico no Cerrado 4k6c5j

clima e energia 3a4t2x

Notícias

Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva hu4u

Colunas

Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático 3c5m2b

Colunas

Os desafios da diplomacia climática em 2025 2v221n

Reportagens

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão   6240u

icmbio u5v14

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Notícias

Conheça os oito parques nacionais mais visitados em 2024 4h2g22

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 245z1d

Salada Verde

Enquete mantém alta rejeição a rebaixamento da Serra do Itajaí de parque para floresta nacional 1a2x3r

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.