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Wanderley, filho do Brasil 1m716h

Guia de ecoturismo em Iguaçu prova que não é preciso muito para que um descendente da colonização do Oeste paranaense e do desmatamento à conservação. 

27 de janeiro de 2010 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa 1z28g

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

 

Ao tirar os olhos do visor, quase esbarrei em Wanderlei Vargas. Ele estava a dois os do tripé, calado e imóvel. Chegara sem o menor ruído, embora pisasse em folhas secas. Ficou em silêncio até ver que não iria atrapalhar o trabalho alheio. Aí, sim, era hora de perguntar: “O senhor tem licença para sair por aí fotografando sozinho?”

A autorização custou a sair do bolso e estava meio desfeita pelo suor. Ele conferiu o timbre sem desdobrá-la. E se deu por satisfeito. Usava crachá no peito, enganchado na camiseta, mas não posava de autoridade. Falava baixo, num tom que só o mato pode dar à educação de quem a a vida fazendo com o menor barulho possível, porque vive entre vizinhos desconfiados e de ouvidos atentos.

Dali para a frente, amos a nos esbarrar quase diariamente, um indo, outro vindo, no mesmo caminho, em pontos diferentes. Ele tinha sempre, nessas ocasiões, uma novidade a apontar. O caminho de uma peroba centenária. Um pássaro escondido na folhagem. A cobra caninana tomando sol no meio da estrada.

Às vezes, seu desembaraço como mateiro fica embaraçoso a quem também acha que anda sempre por ali de olhos abertos. “Está vendo aquele poste?” Não. Era de concreto, hegagonal, mas espetado como estava na orla da trilha, como relíquia de uma antiga fundição, ele aabara tão embrulhado por epífitas e pelos cipós que se camuflara com as árvores. “É ôco. Tem ninho de cutia. Todos os postes daqui até a sanga pode ver que têm cutia morando dentro”.

Uma vez, comentou que naquele mato devia ter morado muita gente, porque às vezes encontrava “lá dentro” restos de tijolos e de alvenaria. Isso não parecia possível. Pelos relatórios técnicos que serviram de base aos projetos de istração, aquilo sempre foi “área de pequena ou mínima intervenção humana”. Ele não retrucou. Dias depois, num fim de tarde, encerrado seu expediente no Macuco Safari, embrenhou-se pelos da trilha para “mostrar uma coisa”. No meio da vegetação cerrada, havia mesmo restos de um forno a lenha e um poço cercado de tijolos maciços, verdes de líquem. Encerrrou o assunto sem dizer palavra.

Está no atual emprego há dois anos e meio. Antes, fez de tudo muito. Domou cavalos, abriu pastos, derrubou matos, colheu algodão em Palatina, vendeu produtos eletrônicos em loja no Paraguai. Correu muito sem nuna ir muito longe de Cascavel, onde nasceu, zanzando de emprego em emprego pela fronteira escancarada da região. Aos nove anos, abordava os turistas argentinos que desciam do ônibus em Foz do Iguaçu, vendendo panos de prato e quadros feitos com asas de borboleta. Para isso, o irmão mais velho ensinou-lhe o essencial do ofício de camelô: “Dibujo de mariposas”, “cien pesos”.

Criou-se em Matelândia, do lado de lá do parque. É uma das cidades que enconstam em seus limites pelo eixo da BR-277. E muitas vezes andaram às turras com ele. Os Vargas viviam num sítio rústico, onde a luz era de lamparina e o banho, de rio barrento. Hoje a propriedade, de sete alqueires, além de água corrente e eletricidade, tem um alqueire meio de mata restaurada, e por isso o rio é limpo. “Ainda bem que estão obrigando as pessoas a recuperarem a mata, senão cortavam tudo”, ele ite.

Para saldar a hipoteca do sítio, trabalhou com o irmão dois anos e tanto para um fazendeiro libanês no Paraguai, que remetia todo ganho no mês à família em Matelândia. “Eu comia inhame, sal de gado, que é mais barato, e teiú, que é fácil de pegar”, ele conta, para retificar a afirmação de que nunca havia posto carne de caça na boca. “De lagarto, botei sim”.

Saiu de casa aos 12 anos, despachado pela mãe, “que só queria saber do filho mais velho”. Levou “duas camisas e o dinheiro do ônibus”. Foi parar em Palotina, paras os lados de Guaíra, onde dormiu duas semanas no cemitério, porque “era mais seguro e não chovia debaixo das casinhas”, até pegar o primeiro contrato num caminhão de bóia-fria. De colheita em colheita, acabou se arrumando na vida. Tirou o diploma da sexta série depois dos 18 anos. Só foi provar a primeira cerveja aos 22. E agora, aos 37, quando acha filhos de animais silvestres extraviados, leva para os biólogos criarem e devolve à natureza.

Descende de lavradores que ajudaram a desmataram o sertão do Paraná. E está cuidando de um parque nacional. Nessas horas, até parece que o mundo tem jeito.

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