A Páscoa ou. As prateleiras dos supermercados agora estão em liquidação, mas com preços ainda elevados. Os ovos que restaram dividem espaço com produtos de outras estações. Mas, ao contrário dos chocolates que derretem, os símbolos da Páscoa – renovação, cuidado, compromisso com a vida – permanecem. Ou deveriam permanecer.
Todo ano, os olhos das crianças brilham diante dos ovos de chocolate. É uma tradição afetiva, bonita, cheia de memória e cheiro de infância. Mas será que a gente já parou para pensar no que está por trás de uma das maiores tradições do calendário ocidental? Será que o chocolate, tão presente nas nossas mesas, também carrega uma reflexão sobre sustentabilidade, mudanças climáticas e o futuro das comunidades tradicionais que vivem do cacau na Amazônia?
No Amazonas, temos histórias ricas com o cacau. Os chamados cacoais – áreas onde o cacau nativo brota espontaneamente no meio da floresta – são fontes de renda para muitas famílias, especialmente em Unidades de Conservação, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira. Nessa região, o cacau não é cultivado como monocultura. Ele nasce em meio à diversidade, cresce ao lado de outras frutas e plantas, e é manejado por populações tradicionais que vivem em harmonia com o ambiente.
Isso não significa que a monocultura do cacau não tenha seu papel na economia. Em muitas regiões do Brasil e do mundo, esse modelo é a base de sustento de inúmeras famílias agricultoras. No entanto, é importante refletirmos sobre os desafios que surgem quando qualquer cultivo – não apenas o cacau – se expande sem considerar a diversidade do ambiente onde está inserido. A monocultura, em determinados contextos, pode aumentar a vulnerabilidade frente às mudanças climáticas. Pensar em formas de produção mais integradas é um o essencial rumo a um futuro mais justo e equilibrado.
Essa reflexão ganha ainda mais força quando ecoamos as palavras do Papa Francisco, que nos convida a cuidar da “casa comum” e a repensar nossos hábitos de consumo e produção em nome da vida, especialmente dos mais vulneráveis. Em suas cartas, ele denuncia as desigualdades ambientais e reforça que não há separação entre justiça social e justiça ecológica. O que fazemos à terra, fazemos também às pessoas, e vice-versa.
O chocolate pode ser doce, mas a cadeia de produção por trás dele precisa ser amarga para alguém? A alta do preço do chocolate nos últimos anos tem sido atribuída a fatores diversos, inclusive às mudanças climáticas. Mas talvez a pergunta mais importante não seja sobre o valor que pagamos na prateleira, e sim sobre o custo invisível que deixamos de enxergar.
É preciso, sim, celebrar a Páscoa – mesmo depois dela. Valorizar os produtos da sociobiodiversidade, apoiar os pequenos produtores que manejam o cacau em sistemas sustentáveis, incentivar políticas públicas que reconheçam o papel das comunidades tradicionais na conservação da floresta.
Talvez o verdadeiro espírito da Páscoa comece agora, no silêncio que vem depois da festa, quando somos chamados a decidir se queremos apenas consumir tradições… ou transformá-las.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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