Colunas

“Dimensões humanas” à la carte – reflexões nutritivas e… bom apetite! 3i4go

Julgamos e somos julgados a todo momento pelo conteúdo, qualidade e quantidade de alimento que colocamos em nossos pratos. O fato é que para montar o “melhor menu” não existe resposta certa

29 de outubro de 2021 · 4 anos atrás
  • DHN x2i4i

    Grupo de Estudos e Pesquisa em Dimensões Humanas da Natureza

  • Ana C. Pont 2n3h18

    Bióloga, educadora socioambiental e estudante de Dimensões Humanas da Natureza.

  • Ana Pérola Drulla Brandão 4p4c4t

    Médica-veterinária, epidemiologista, pesquisadora na Faculdade de Medicina da USP, consultora técnica do Ministério da Saúde ...

  • Claudia S. G. Martins 1r2h1e

    Engenheira agrônoma e ecóloga. Pesquisadora nas temáticas desertificação em áreas rurais e vulnerabilidade aos conflitos humanos-fauna silvestre, no semiárido brasileiro.

  • Flávia de Campos Martins d1y1b

    Bióloga, ecóloga e educadora, interessada nas Dimensões Humanas das relações com as aves do semiárido e com ecossistemas aquá...

  • Francine Schulz 5h2x1t

    Bióloga, especialista em Perícia Auditoria e Gestão Ambiental, mestre em Engenharia Civil - Gestão de Resíduos.

  • Mônica Engel 2b6u

    Bióloga e Geógrafa. Doutora em Dimensões Humanas do Manejo e Conservação dos Recursos Naturais, é Chefe de Pesquisa na Bath and Associates Consulting Firm (Canadá), e membro dos Grupos Translocação para Conservação, e Rewilding, da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN).

  • Thais Moya 545ri

    Socióloga, feminista, educadora. Devir decolonial no corpo, subjetividade, relações e pesquisas. Pesquisadora das ações afirmativas no Brasil, e da educação das questões de gênero, étnico-raciais, sexualidade, classe e meio ambiente. Doutora em Sociologia (UFSCar) e Pós-doutora em Ciências Sociais (Unicamp). Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco.

  • Wezddy Del Toro-Orozco r4467

    Bióloga, Doutoranda na University of Georgia, Pesquisadora associada do Instituto Mamirauá, Bolsista da Wildlife Conservation Society (WCS), pesquisadora das dimensões humanas dos conflitos e coexistência com felinos na Amazônia.

O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pêra, o damasco e a nêspera? (José de Alencar, 1872)

ENTRADA: dimensões humanas da alimentação 2q3hg

De todos os temas desta coluna, nenhum é tão desafiador quanto o dos alimentos. Pode ser que para você o tema se resuma a nutrição (ou desnutrição), a sustento e sobrevivência, a saúde (ou doenças). Ou talvez seu interesse seja o prazer culinário. Se você for economista talvez olhe para os alimentos como mercadoria; se for cientista social, talvez veja os alimentos como indicador de diferenciação e de relações de classe. Se for agrônomo, os alimentos são mercadoria, experimento, recurso. O cientista político talvez pense na produção, distribuição e gerenciamento dos alimentos como gatilho para relações de poder. O antropólogo talvez se foque no quanto e como os alimentos nutrem as sociedades, a partir da definição de identidades individuais e coletivas. Biólogos e ecólogos talvez considerem os alimentos mais como elos das relações básicas entre seres vivos e entre estes e o ambiente, traduzidas em fluxos energéticos. Ou talvez você pense nos alimentos como uma forma de saciar seus anseios, como um refúgio e conforto da alma. Os alimentos podem ser também, bom… só alimentos. Os alimentos são tudo isso, ao mesmo tempo. Acrescente alguns temperos a este tema, como tradições religiosas, preocupação com bem-estar animal, alergias e intolerâncias alimentares, o aos alimentos, migrações, guerras, mudanças climáticas, status social, tradições e excentricidade, e terá literalmente um complexo cardápio de dimensões humanas associadas ao que de mais básico um ser vivo pode fazer: se alimentar.

Em 16 de outubro de 1945 foi criada a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, sigla em inglês), e essa data foi adotada como o Dia Mundial da Alimentação, com o propósito de chamar a atenção para a segurança alimentar ainda inível a milhões de pessoas neste planeta (veja por exemplo os alarmantes dados de insegurança alimentar publicados recentemente pela ONU e os mais de 19 milhões de brasileiros que vão dormir com fome todas as noites!). Dos quatro temas que Lord Northcliffe dizia que sempre despertariam a atenção do público, “a saber, crime, amor, dinheiro e comida, só este último é fundamental e universal”, diz Felipe Fernández-Armesto. “Nosso contato mais íntimo com o meio ambiente acontece quando o comemos”, diz o mesmo autor em seu livro “Comida – uma história” (2010)“.

PRATOS PRINCIPAIS: o mundo tem fome de quê? 22171g

Comida: antes de saciar outras fomes, temos que saciar a fome de milhares de pessoas no mundo que carecem de alimentos que nutrem e sustentam. A atual pandemia que assola nossa sociedade contribuiu com o aumento da desigualdade e da fome, onde pelo menos 30% da população global, ou seja, 3 em cada 10 pessoas (!), não tiveram o a uma alimentação de qualidade no ano de 2020. Uma das metas da ONU nessa década é a de erradicar a fome mundial. Para tanto, diversas ações governamentais, políticas, econômicas e sociais relativas à produção, à disponibilidade, ao o e à distribuição de renda e alimentos hão de ser consideradas e de fato implementadas. A situação é crítica, urgente e de cunho moral. Ignorar ou fingir que não vemos o prato vazio do vizinho é negar o lado mais belo de nossa natureza humana – dimensões como a compaixão, a empatia e a solidariedade. Por que encher só a barriga de uns enquanto outros esmolam por um pedaço de osso sem carne?

Renda: é o agricultor familiar quem coloca comida na mesa do brasileiro. Apesar da expansão da fronteira agrícola para o agronegócio contribuir positivamente para a balança comercial brasileira, os grãos produzidos são para alimentar o efetivo pecuário. Este (principalmente carne bovina) e aqueles (principalmente soja) atendem à demanda de parceiros econômicos como China, Rússia e Estados Unidos. Paradoxalmente, aqueles que mais recebem crédito e incentivos fiscais são os que menos retornam à economia nacional, são os mais inadimplentes e os que não colocam comida na sua, na nossa mesa. E a conta dos ganhos econômicos imediatos versus ganhos futuros em um novo modelo de produção agrícola, não fecha. Ainda é causa de polêmica afirmar que a produção pecuária extensiva não é rentável e que a floresta em pé gera mais riqueza. Por outro lado, ainda que eu coma carne apenas um dia na semana e peixe de água doce (ou salgada) duas vezes na semana, o quanto estou contribuindo para o não esgotamento dos estoques dessas espécies e para a manutenção de modos de vida tradicionais no campo, nos rios e nos mares, e da natureza? 

Frutas tropicais e três colheitas de uva são privilégio do Brasil, que consegue coordenar com outros países a oferta dessas commodities para que todos ganhem no mercado internacional. O que nem sempre é discutido são as condições de vida dos trabalhadores dessas fazendas e empresas que funcionam ininterruptamente, sejam as questões trabalhistas de precariedade, da contratação ou dos acordos de horas trabalhadas, ou de exposição a agrotóxicos, por exemplo; ou as questões de manejo do solo e da água, e dos tratos dados à biodiversidade (flora e fauna, com foco nos polinizadores e aves) nas explorações agrícolas comerciais.

Cultura e hábitos alimentares: O alimento faz parte da cultura de um povo. Alimento e comportamento dos indivíduos são, de certa forma, reflexo da comunidade onde estão inseridos. O pesquisador Axelson nos traz em seu artigo – “O impacto da cultura na relação comida/comportamento” (publicado em 1986 na Annu. Rev. Nutr. n. 6, páginas 345-363) – a reflexão de que o alimento vai além da sua função e significado atribuídos por cada um dos grupos sociais. O alimento estabelece relações de comportamento entre os grupos que o consomem. Aspectos socioculturais e psicológicos dialogam entre si e influenciam na relação do indivíduo com o alimento e do indivíduo com a comunidade. 

Elaine de Azevedo, nutricionista e professora na Universidade Federal do Espírito Santo, (coautora com Isabella M. Altoé do capítulo “Refeições migratórias: comida e afeto”, no livro “Cidades e consumo alimentar”, organizado por Janine H. L. Collaço e colaboradores em 2018), cita Schnapper (1991) e Jerome (1980) para quem “os hábitos alimentares são os mais resistentes para internalizar cultural e biologicamente processos de mudança”, quando falamos de processos migratórios. Hábitos alimentares são considerados um indicador do nível de integração dos migrantes, ou seja, o quanto os recém-chegados participam na vida social do país de acolhimento. Se refugiados (ou migrantes) adaptam sua dieta, assume-se que aceitaram o aprendizado de um novo modo de vida e iniciaram o processo de aquisição de novos valores. É muito interessante observar isto nas Américas, por exemplo, e ver como alguns grupos parecem diluir-se no novo país, gradativamente mesclando e/ou adaptando ingredientes, preparos e comportamentos associados à comida de seu país de origem ao novo contexto, enquanto outros preservam intacta toda essa cultura alimentar, mesmo após gerações. Vejam-se as pizzas paulistanas versus as pizzas italianas e vejam-se os banquetes libaneses, gregos ou indianos como exemplos de aculturação ou segregação (por escolha individual ou do clã), respectivamente.

Liberdade de escolha: Apesar de tantas opções alimentares no mundo, o o a esse vasto menu não é universal. Muitos não têm escolha do que comer, sendo o alimento também um indicador social, seja no campo ou na cidade. Porém, a partir do momento em que a escolha nos é apresentada, podemos e devemos optar com responsabilidade socioambiental.

SOBREMESA: delícias que vão além da nutrição   6w432

Os alimentos despertam sensações únicas pelos seus sabores, texturas e aromas. Aquele cheiro de pão da casa da avó, aquela massa ao dente, perfeita no ponto, e o gosto daquela refeição que só a mãe sabe preparar (!). Emoções, memórias afetivas e olfativas, experiências… essas também são relações da humanidade com a comida. Relações que por vezes geram hábitos e costumes traduzidos em determinados comportamentos, como o de escolher viver sem carne (porque se deseja e porque se tem essa opção), ou o de caçar animais silvestres, não por esporte, mas porque a realidade de algumas populações humanas de baixa renda ou não, as tornam usuárias diretas dos recursos naturais (fauna e flora), e consequentemente dependentes da caça de subsistência como fonte de proteína na sua alimentação. Todas essas relações são reais e (re)conhecê-las enriquece e amplia nossa visão de mundo quando tomamos nossas próprias decisões alimentares.

CAFEZINHO 493w6v

Julgamos e somos julgados a todo momento pelo conteúdo, qualidade e quantidade de alimento que colocamos em nossos pratos. O fato é que para montar o “melhor menu” não existe resposta certa. A agroecologia tem nos apontado um caminho mais justo a seguir, mas o caminho é trilhado por pessoas e é preciso que cada uma reconheça a importância de refletir sobre o quê, porquê, e de que forma nos alimentamos (como indivíduos e como sociedades).

A coluna de Dimensões Humanas da Natureza agradece a preferência. Boa reflexão e volte sempre! (De máscara e de vacina).

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também 1b437

Notícias
9 de abril de 2014

Mudanças do clima reduzem produção de alimentos 44m6l

IPCC afirma que produção de grãos já está sendo afetada por secas e chuvas mais intensas, com reflexo na diminuição das culturas.

Colunas
22 de janeiro de 2015

Razões que me levaram a escolha vegetariana v4g6j

Ao escrever esse texto, não imaginava que sofreria tanto. Farto conteúdo na internet mostra que o abate dos animais é um holocausto contínuo.

Reportagens
17 de novembro de 2014

O sabor da biodiversidade bq3c

Arca do Gosto: chefs, pesquisadores e agricultores se empenham em proteger ingredientes e receitas que correm o risco de sumir do mapa.

Mais de ((o))eco 386al

alimentos 2j73r

Colunas

O sabor da Amazônia está mudando 5l6qb

Vídeos

Multifacetadas, hortas urbanas de São Paulo contribuem para a saúde ambiental da cidade 3o38x

Reportagens

Plantio sustentável de alimentos aponta possíveis soluções para as grandes cidades 3q4b65

Análises

A indústria de produtos de origem animal, a destruição dos biomas brasileiros e a crise climática global 1z973

DHN 57151z

Colunas

Além do carisma: baratas, aranhas, cobras e outros bichos sob novos olhares 497010

Colunas

Quando os animais também são vítimas das guerras 5s3912

Colunas

Dimensões humanas e o tempo 1y143c

Colunas

As Dimensões Humanas da atual crise climática 2069w

mudanças climáticas 4jg2j

Podcast

Entrando no Clima #47 – COPs precisam abrir espaço para falar de justiça climática 121l25

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 22263e

Notícias

Transição energética entra de forma discreta na terceira carta da Presidência da COP30 161u3k

Análises

Que semana, hein? 6s4y4a

amazônia 245k3y

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 22263e

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 102q1e

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.