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Sapos ajudam a explicar biodiversidade do Cerrado 524s71

A descoberta de quatro espécies do mesmo gênero indica a grande biodiversidade ainda desconhecida de sapos no bioma.

Vandré Fonseca ·
28 de janeiro de 2014 · 11 anos atrás

Enquanto faziam estudos sobre sapo descrito na década de 1930, pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (MG) encontraram uma nova espécie, batizada de [i]P. rotundipalpebra[/i]. Crédito: Lucas Borges Martins
Enquanto faziam estudos sobre sapo descrito na década de 1930, pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (MG) encontraram uma nova espécie, batizada de [i]P. rotundipalpebra[/i]. Crédito: Lucas Borges Martins

Manaus, AM — O biólogo Reuber Brandão teve uma surpresa quando enviou à revista científica Zootaxa o artigo que apresentava a redescrição do Proceratophrys goyana, que havia sido descoberto na década de 1930 mas ainda prescindia de uma melhor caracterização. O sapo também era objeto de estudo de outro grupo de biólogos brasileiros, mas da Universidade Federal de Uberlândia, que submeteram à mesma publicação uma nova descrição da espécie, o P. goyana.

Um acordo resolveu o dilema. O artigo sobre o P. goyana foi publicada pelo grupo de Uberlândia, que apresentou também uma descoberta, o P. rotundipalpebra, espécie do mesmo gênero. Mas Reuber Brandão e colegas tinham mais novidades a apresentar ao mundo científico. O artigo que haviam preparado trazia também três novas espécies do gênero, que foram então descritas na mesma edição da revista.

Trocando em miúdos, quatro novas espécies foram reveladas. E o número de representantes do gênero no Cerrado está aumentando rapidamente. Em apenas três anos, ou de três espécies conhecidas para dez. E pelo menos mais três já estão em processo de descrição por biólogos. Estas descobertas demonstram duas coisas: que os sapos do Cerrado interessam muito aos pesquisadores, e que ainda há muito a ser estudado e revelado a respeito desse bioma brasileiro.

O gênero estudado pelos dois grupos de pesquisadores se distribui principalmente entre a Mata Atlântica e o Cerrado. Brandão explica que, enquanto as espécies da floresta tropical possuem apêndices palpebrais bem desenvolvidos – se parecem com chifres e ajudam o bicho a se camuflar entre as folhas -, nos do grupo cristiceps, que existem na savana, esses apêndices são menos desenvolvidos ou nem aparecem. A primeira descrição de uma espécie do gênero no Cerrado foi feita em 1937, por Alípio de Miranda-Ribeiro, mas as características do P. goyana ainda não estavam muito claras. Por isso, era necessário fazer uma nova descrição.

“Como a espécie não era bem definida, ou seja, não se sabia como era a variação entre populações, foi necessário descrever novamente a espécie (o que foi feito também esse ano por colegas da Universidade Federal de Uberlândia e publicado na mesma revista e volume do nosso artigo) e, a partir daí, fica mais claro definir as outras espécies do grupo”, afirma Reuber Brandão.

Para a revisão do P. goyana foi necessário visitar a localidade onde ela foi descrita (Chapada dos Veadeiros, Goiás), relembra o biólogo Lucas Borges Martins, responsável pelo artigo que redefiniu as características da espécie. “Para nossa surpresa, percebemos que na região havia uma segunda espécie, que descrevemos com o nome de Proceratophrys rotundipalpebra“, contou via e-mail. “Esse achado confirma um padrão que tem sido demonstrado para o grupo, da ocorrência de mais de uma espécie na mesma área geográfica (fenômeno chamado de “simpatria”). A presença de espécies tão similares em simpatria traz a tona questões importantes sobre a ecologia e a evolução das mesmas, além de chamar a atenção para a conservação da área onde ocorrem”, completa.

Após as descobertas, a equipe de Reuber Brandão produziu esses mapas, mostrando a distribuição das espécies descritas por eles. No mapa A, o P. goyana, que já era conhecido, é indicado pelo círculo, enquanto o quadrado indica a localização onde foi encontrado do P. branti.  No mapa B, a distribuição do [i]P. bagnoi[/i], indicado pelos quadrados, e do [i]P. dibernardoi[/i], indicado pelos círculos. | Clique para ampliar
Após as descobertas, a equipe de Reuber Brandão produziu esses mapas, mostrando a distribuição das espécies descritas por eles. No mapa A, o P. goyana, que já era conhecido, é indicado pelo círculo, enquanto o quadrado indica a localização onde foi encontrado do P. branti. No mapa B, a distribuição do [i]P. bagnoi[/i], indicado pelos quadrados, e do [i]P. dibernardoi[/i], indicado pelos círculos. | Clique para ampliar

Lucas Martins destaca que o Cerrado é extremamente rico e que tem sido demonstrado que há muito a estudar sobre a região. De acordo com ele, o desenvolvimento de novas ferramentas que facilitam a análise genética, o estudo dos sons emitidos pelos animais e também softwares, têm contribuído para as descobertas.

Os anuros, conforme explicação de Brandão, têm baixa capacidade de dispersão, por isso as populações tendem a se isolar e evoluir para espécies diferentes. Como esses bichos dependem de riachos para se reproduzir, algumas espécies aparentadas acabam dividindo o mesmo espaço. Isso explica, ainda de acordo com o biólogo, duas características dos sapos encontrados no cerrado. “A primeira é a grande riqueza local. O segundo é a mudança na composição destas espécies entre localidades, algumas vezes separadas por poucos quilômetros”, afirma. “E isso é interessante porque ajuda a explicar como podem 3 ou 4 espécies muito aparentadas do gênero coexistirem em algumas localidades do Cerrado e sugere também que a porção central do bioma é um hotspot de diversidade do grupo”.

Para Reuber, os sapos ajudam a contar a história da evolução da vida e dos processos que mantêm essa evolução no Cerrado. “Anfíbios ocupam um lugar estratégico nas cadeias alimentares ao processarem a biomassa (energia) de insetos e transformar essa biomassa em biomassa de vertebrado, disponível para outros predadores maiores (ou seja, sem sapos, não existiria energia disponível para predadores como serpentes e aves que comem carne)”, relata.

Ele cita ainda outros fatores que tornam o estudo dos sapos importantes. Eles servem como indicadores de qualidade ambiental e produzem substâncias que protegem a pele, que despertam o interesse da indústria química e farmacêutica.

Clique nas imagens para ampliá-las e ler as legendas

Saiba mais
Artigo Morphological and acoustic characterization of Proceratophrys goyana (Lissamphibia: Anura: Odontophrynidae), with the description of a sympatric and related new species. LUCAS BORGES MARTINS & ARIOVALDO ANTONIO GIARETTA (Resumo em PDF)
Artigo Three new species of Proceratophrys Miranda-Ribeiro 1920 from Brazilian Cerrado (Anura, Odontophrynidae). REUBER ALBUQUERQUE BRANDÃO, ULISSES CARAMASCHI, WILIAN VAZ-SILVA &LEANDRO AMBRÓSIO CAMPOS (Resumo em PDF)

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  • Vandré Fonseca 5j195d

    Jornalista especializado em Ciências e Meio Ambiente.

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