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É ainda pior do que a IUCN imagina 3h1t10

Uso de tecnologias mais avançadas de sensoreamento remoto  indica que critérios da IUCN, embora objetivos e rigorosos, subestima número e os riscos para a conservação de espécies

Vandré Fonseca ·
9 de novembro de 2016 · 9 anos atrás
Este beija-flor (Phaethornis idaliae), endêmico da Mata Atlântica, encontra floresta adequada para sobreviver em apenas 7% da área considerada de ocorrência pela IUCN. E o mais agravante é que os cientistas desconhecem a qualidade dessas florestas. Crédito: Luiz Freire/Divulgação.
Este beija-flor (Phaethornis idaliae), endêmico da Mata Atlântica, encontra floresta adequada para sobreviver em apenas 7% da área considerada de ocorrência pela IUCN. E o mais agravante é que os cientistas desconhecem a qualidade dessas florestas. Crédito: Luiz Freire/Divulgação.

Manaus, AM — O chororó-cinzento (Cercomacra brasiliana) é uma ave endêmica da Mata Atlântica, encontrada da região central da Bahia até o Rio de Janeiro e classificado, por enquanto, como “quase ameaçado” de extinção. Mas a perda de habitat pode ser ainda mais grave do que a considerada na análise da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês). Esta ave e outras 209 espécies de pássaros em diferentes regiões do planeta vivem em áreas muito menores, o que representa um risco de extinção mais grave do que indica a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas.

Um estudo de pesquisadores da Duke University, da Carolina do Norte, EUA, publicado em 9 de novembro, no jornal Science Advances, demonstra que a área que ela pode ser encontrada é bem menor do que a IUCN considera. Eles usaram dados de sensoreamento remoto para determinar com maior precisão quais os ambientes onde realmente as espécies podem ser encontradas na área de ocorrência, considerando principalmente áreas de floresta remanescentes e altitudes.

Foram analisadas quase 600 espécies de aves em seis diferentes regiões do planeta: Mata Atlântica, América Central, Andes Ocidentais da Colômbia, Sumatra, Madagascar e Sudeste Asiático. Em comum, são regiões biodiversas onde ocorre uma rápida mudança no uso do solo. Só na Mata Atlântica, 28 espécies consideradas não ameaçadas correm na verdade risco de desaparecer.

“Ela (C. brasiliana) tinha uma distribuição original de cerca de 100 mil quilômetros quadrados”, conta o doutor em Ecologia Clinton Jenkins, um dos autores do estudo. “Descobrimos que mais do que 97% dessa distribuição não tem floresta adequada para a espécie, mas ela não está listada como ameaçada de extinção”, completa. Ele cita outra ave em situação parecida na Mata Atlântica, o fruxu (Neopelma chrysolophum) em toda a região indicada de ocorrência encontra apenas 2% de área com floresta adequada para viver.

Para os autores, apesar das virtudes, os critérios da IUCN estão desatualizado. Eles foram desenvolvidos há 25 anos e deixaram de absorver avanços tecnológicos das últimas décadas, principalmente em relação ao uso de imagens por satélite. Novidades que permitiram, neste estudo, determinar com maior precisão quais os ambientes onde realmente as espécies podem ser encontradas na área de ocorrência.

Este pássaro foi descrito em 2003 e já está criticamente ameaçado de extinção, devido ao avanço do desmatamento.Crédito: Natalia Ocampo-Peñuela/Divulgação
Este pássaro foi descrito em 2003 e já está criticamente ameaçado de extinção, devido ao avanço do desmatamento.Crédito: Natalia Ocampo-Peñuela/Divulgação

“Algumas espécies de pássaros preferem florestas em médias elevações, enquanto outros habitam preferencialmente florestas de terras baixas”, afirma a autora principal do artigo, Natalia Ocampo-Peñuela, que concluiu o PhD na Duke University no início deste ano. “Conhecer o quanto dos habitats preferenciais restam — e quanto foi destruído ou degradado — é vital para análises acuradas sobre riscos de extinção, especialmente para espécies que tem originalmente distribuição geográfica pequena”, conclui.

A Lista Vermelha da IUCN indica algum risco de extinção para 108 espécies das quase 600 analisadas, mas o estudo demonstrou que quase metade das espécies (43%) poderiam ser classificadas em um categoria de ameaça mais elevada. A nova análise revela que 210 delas poderiam ser classificadas como ameaçadas, pois enfrentam um acelerado risco de extinção. Das espécies incluídas no estudo, 189 sofrem com a pouca extensão e velocidade de perda de habitat. E mesmo para casos em que se imaginava uma recuperação de área de ocorrência, o estudo apontou distorções, menos de 10% de seus habitats estavam realmente protegidos

“A dificuldade com a verdadeira área de ocupação é que para a maioria das espécies não há dados suficientemente para calculá-lo, e isso é improvável que mude no próximo futuro”, diz Jenkins. ”O modelo elimina as áreas que, sem dúvida, não são adequadas para a espécie. Às vezes, esse modelo simples vai determinar que mais do que 90% das áreas dentro da distribuição da espécie são inadequados”, completa.

Natalia Ocampo-Peñuela destaca que os habitats naturais da maioria dos locais biodiversos do planeta estão desaparecendo. “Com dados melhores nós podemos tomar decisões melhores e ter maiores chances de salvar espécies e proteger os locais onde elas ocorrem”, afirma.

 

Saiba Mais

Artigo: “Incorporating Explicit Geospatial Data Shows More Species at Risk of Extinction than the Current Red List,” Natalia Ocampo-Peñuela, Clinton N. Jenkins, Varsha Vijay, Binbin V. Li, Stuart L. Pimm; Science Advances; Nov. 9, 2016; DOI: sciadv.1601367.

 

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  • Vandré Fonseca 5j195d

    Jornalista especializado em Ciências e Meio Ambiente.

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Comentários 1 3wi3c

  1. paulo diz:

    "Dados melhores", com assim!
    Quando apresentarem os DADOS, o Habitat/Ecossistema já desapareceu com esta e OUTRAS espécies juntas. Precisamos de mais ação/atitudes de chegar aos "Gestores" ambientais municipais, Estaduais e FEDERAIS para trabalhem para frear e reverter estas extinções.