Colunas

Só tragédias impulsionarão a resolução de conflitos por terras indígenas? 533y5g

Após banho de sangue, governo se mobilizar para resolver disputa de terras e garantir o direito do índio à terra. É preciso mortes para agir?

21 de agosto de 2013 · 12 anos atrás
  • Paulo Barreto 1d3p3p

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

  • Elis Araújo 6g3o49

Apesar de avanços socioeconômicos nas últimas três décadas, o Brasil continua extremamente violento e desigual. Por exemplo, a taxa de homicídios no Brasil é cinco vezes maior do que nos EUA e 21 vezes maior do que na Europa Ocidental. Muitos povos indígenas, vítimas da violência desde o descobrimento, continuam sendo assassinados e perdendo seus territórios. O número médio de índios assassinados por ano aumentou 173% comparando os períodos 1995 a 2002 (governo Fernando Henrique Cardoso) e 2003 a 2012 (governos Lula e Dilma Rousseff). Em 2012, a Comissão Pastoral da Terra registrou 165 conflitos por Terras Indígenas (TI) no país. Embora a Constituição estabeleça o direito dos índios à terra, o Estado brasileiro geralmente só se mobiliza quando tragédias ocorrem.

As disputas envolvem vários contextos. Por exemplo, no Paraná e em Mato Grosso do Sul, os conflitos ocorrem em regiões de ocupação antiga, incluindo casos de fazendeiros que possuem títulos de posse e de propriedade. Há também conflitos em regiões de ocupação mais recente, como na Amazônia, cujas disputas resultaram tanto de projetos de colonização e de expansão de infraestrutura promovidos pelo governo, como do avanço de ocupações ilegais para explorar garimpo, madeira ou criar gado.

As desculpas para a continuação dos conflitos são diversas: i) falta de terras para reassentar ocupantes; ii) falta de recursos para pagar as indenizações devidas aos ocupantes de boa-fé, isto é, que não sabiam que ocupavam área indígena ou que foram assentados pelo governo; iii) decisões judiciais que suspendem o processo de demarcação e de desintrusão (retirada de ocupantes).

O argumento de falta de terras é uma falácia, pois existem 58,6 milhões de hectares de pastos degradados em fazendas que poderiam ser utilizados para reassentamento e para aumentar a produção fora de TIs. O governo teria dinheiro disponível caso priorizasse a solução dos conflitos. Por exemplo, bastaria eliminar ou reduzir os 22 bilhões de reais que concede de subsídios anuais a grandes empresas e eliminar os cerca de 70 bilhões de reais perdidos anualmente para a corrupção. A demora das decisões judiciais atrasa o processo, mas mesmo quando obtida uma decisão final favorável aos índios, não há garantias quanto ao tempo de sua execução. Por exemplo, os índios da TI Alto Rio Guamá aguardam o fim da desintrusão desde 2010.

A situação pode ainda se agravar, pois o Congresso Nacional vem tentando reduzir os direitos indígenas. Por exemplo, um dos projetos limita o direito dos índios às terras por eles ocupadas a partir de 1988 (PLP 227/2012). Nessa lógica, os Xavantes, expulsos na década de 1960 não teriam retornado as suas terras (TI Marãiwatsede). Outros projetos tentam submeter a demarcação de TIs à aprovação do Congresso (PEC 215/2000). Assim, o que deveria ser um processo de reconhecimento formal de um direito constitucional, aria a ser um processo de negociação de interesses econômicos e políticos.

A falta de soluções para a maioria dos conflitos e as propostas de mudança de regras estimulam novas ocupações. Os conflitos envolvendo TIs têm se agravado e multiplicado no Brasil. Houve aumento de 48% nas ocorrências de ocupações ilegais, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos índios entre 2011 e 2012, segundo o Conselho Indigenista Missionário.

Contudo, casos recentes apontam possíveis soluções para os conflitos. A desintrusão das TIs Raposa Serra do Sol e Marãiwatsede – coordenada respectivamente pela Casa Civil da Presidência da República e Tribunal Regional Federal da 1ª Região – revelou que a coordenação dos mais altos níveis dos Poderes da República é fundamental para garantir a mobilização de todos os meios necessários.

Somente uma coordenação de alto nível seria capaz de lidar com os diferentes conflitos de interesse em jogo (recursos orçamentários, força policial, reforma agrária, curral eleitoral, etc.), que emperram o processo de demarcação e desintrusão de TIs. Infelizmente, esse tipo de coordenação só tem acontecido quando os conflitos se agravam, incluindo assassinatos, e ganham grande repercussão na mídia nacional e internacional.

Por exemplo, este mês, o governo apresentou uma solução nova para finalizar o processo de demarcação da TI Buriti e retirar ocupantes. O Estado reconheceu que errou ao emitir títulos de propriedade em área indígena e propôs comprar as terras para devolvê-las ao povo Terena. Em troca, os proprietários devem reconhecer a TI e encerrar as ações judiciais. Esse acordo aconteceu depois da morte de um Terena, durante uma operação de reintegração de posse em maio, que teve grande cobertura da mídia nacional e internacional.

Como a TI Buriti, dezenas de outras precisam ser desintrusadas em todo o país, pelo menos 53 TIs só na Amazônia. Vamos aguardar que mais tragédias aconteçam para solucionar os casos restantes? O Brasil quer ser mesmo moderno ou vai continuar com práticas coloniais?

*Os autores agradecem a revisão de Gláucia Barreto

 

Saiba Mais
Áreas Protegidas Críticas na Amazônia Legal
Áreas Protegidas da Amazônia Legal com mais alertas de desmatamento entre 2012 e 2013

Leia Também
Índios x brancos: o que não falta é terra
Mapa: desmatamento na Terra Marãiwatsédé
Mato Grosso incentiva ocupação de terra índigena

 

Leia também 1b437

Salada Verde
30 de maio de 2025

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 3e3u1p

Mobilização ocorre em ao menos 12 capitais. Protestos estão marcados para ocorrer neste domingo e marcam o início da semana do meio ambiente

Salada Verde
30 de maio de 2025

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 6h3f5g

Países caminham para que a principal meta do Acordo de Paris seja descumprida. Chance de que o aquecimento fique entre 1,5ºC e 1,9ºC em pelo menos um dos próximo cinco anos é de 86%, diz ONU

Reportagens
30 de maio de 2025

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa

Mais de ((o))eco 386al

mato grosso 6w3b1a

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 301b22

Notícias

Empresa usa documentos falsos na disputa de terras em parque no MT 3b1h48

English

Brazil: first national parks found contaminated with agrotoxins 4b4m3f

Reportagens

Até os primeiros parques nacionais estão contaminados por agrotóxicos 4v6m58

icmbio u5v14

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Notícias

Conheça os oito parques nacionais mais visitados em 2024 4h2g22

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 245z1d

Salada Verde

Enquete mantém alta rejeição a rebaixamento da Serra do Itajaí de parque para floresta nacional 1a2x3r

biodiversidade 1l5w1a

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 6m1s35

Salada Verde

Brasil está entre os dez países líderes em projetos com créditos de biodiversidade 5a4z28

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 4675f

aves 422y45

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 54d1h

Salada Verde

Plataforma aborda tráfico de animais em três países 3e5d9

Reportagens

O atobá quarentão que uniu gerações de pesquisadores 133o15

Salada Verde

As incríveis revoadas de guarás no litoral paranaense 5s6h6k

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.