Notícias

Tilápia, pra quê, governador? 2dlo

Lei estadual do Amazonas permite a introdução de espécies exóticas via piscicultura e gera protestos até mesmo do Ministro do Meio Ambiente.

Vandré Fonseca ·
2 de junho de 2016 · 9 anos atrás
Foto: Banco Mundial América Latina y el Caribe.
Peixes locais serão afetados pela introdução de espécies não-nativas, dizem especialistas. Foto: Banco Mundial América Latina y el Caribe.

Manaus, AM — O menino fisga o peixe no poluído igarapé que corta a Zona Leste de Manaus e já prepara a cozinha para a refeição: “Tem gosto de óleo diesel” responde Raimunda da Silva, mãe dos meninos, contando que o gosto fica mais suave e ável quando o peixe é frito e não cozido.

Esta cena foi resgatada de uma reportagem de 2006, publicada aqui em ((o))eco, sobre o risco da introdução da tilápia no ambiente amazônico. Especialistas discordavam sobre impactos ambientais, mas concordavam em uma coisa: não havia motivo para introduzir a tilápia na piscicultura amazonense, pois existem peixes regionais saborosos com potencial para o mercado nacional e até internacional, que podem ser criados com técnicas desenvolvidas no Amazonas.

As tilápias encontradas nos igarapés de Manaus (sim, eram tilápias que o menino pescava) estão restritas a estes rios poluídos, onde poucas outras espécies sobreviveriam. Elas provavelmente escaparam de tanques de piscicultura. Há também registro de uma tentativa de povoar o lago de Balbina com o peixe. Mas agora, as águas amazônicas estão sob uma ameaça muito mais séria de sofrer com espécies exóticas.

O ambientalmente desastrado governo do Amazonas, com a serviente aprovação da Assembleia Legislativa, resolveu abrir uma porta para a criação de tilápias e outras espécies não-nativas e sancionou a Lei Ordinária 79/2016 que disciplina a aquicultura no Estado.

Essa lei dá ao órgão estadual, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o poder de liberar a criação de peixes exóticos e permite o represamento de cursos d água para criação de peixes. O biólogo Jansen Zuanon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), alerta para o risco da introdução de espécies para os peixes da região, que podem inclusive trazer doenças e prejudicar a própria piscicultura e a vida silvestre.

“Um dos principais alvos da piscicultura quando se fala em espécies exóticas é a tilápia, que é um ciclídeo, mesma família do acará, tucunaré e jacundá, só que originário na África”, afirma o pesquisador. “ A espécie em si não tem nada de ruim, é um peixe como outro qualquer. Mas quando ela é introduzida em um ambiente onde não é nativa pode simplesmente prejudicar as espécies que vivem na região, porque vai competir por espaço, alimento e, às vezes, até pode ter predação direta de ovos e filhotes de outras espécies”, completa.

A lei causou reação até mesmo do Ministério do Meio Ambiente. O ministro José Sarney Filho divulgou nesta quarta-feira uma nota pedindo a revogação da lei. O ministro destaca que não se posiciona contra as atividades de aquicultura, mas defende que elas devem privilegiar a diversidade de peixes amazônicos.

A nota faz referências ao risco da introdução de espécies exóticas à biodiversidade e faz críticas também a outros pontos da lei, com a possibilidade de barramento de igarapés para a aquicultura.

“Diante do exposto, o Ministério do Meio Ambiente se coloca, radicalmente, contra a lei estadual e fará os esforços necessários junto ao governo do estado do Amazonas no sentido de que a Lei Ordinária seja imediatamente revogada, e que se faça, também, uma discussão mais ampla com a sociedade a fim de avaliar as drásticas consequências ambientais da lei  estadual”, conclui a nota do ministro José Sarney Filho.

No dia em que a lei foi sancionada, 30 de maio, ambientalistas se reuniram com o Ministério Público Federal para discutir a lei e apresentaram uma Moção de Repúdio. Além dos riscos ambientais que a lei estadual traz, o documento destaca a legislação federal que impede, ou deveria impedir, a introdução de espécies nos rios da região Amazônica, como a Lei Complementar 140 de 2011, que dá a União a responsabilidade de controlar a introdução de espécies exóticas no país.

Economicamente, pode até fazer sentido adotar espécies já globalizadas, pondera o biólogo Adalberto Luiz Val, também do Inpa. Mas ele é um defensor da criação de espécies regionais, que evitam o risco ambiental da introdução de novas espécies e permite o desenvolvimento de uma tecnologia local

“Eu prefiro que concentremos esforços em nossas espécies para a piscicultura”, afirma Adalberto Val. “O tambaqui, a matrinchã e o pirarucu são espécies com grande potencial para a piscicultura mundial, particularmente em tempos de aquecimento global. Em tese não precisaríamos de espécies exóticas que podem causar problemas sérios do ponto de vista ambiental”, completa.

Zuanon é mas enfático nas críticas. Ele diz que essa é uma “estratégia de ganho rápido e fácil com pacote tecnológico pronto”. E destaca que a tecnologia desenvolvida para a criação de peixes regionais, como o tambaqui, depois pode ser exportada.

“O fato principal é: a comunidade técnico-científica não foi ouvida e quando tentou se manifestar não teve eco junto ao Governo e a Assembleia Legislativa para fazer um produto melhor nesse ordenamento da piscicultura. Havia uma minuta inicial que tinha uma série de salvaguardas que foram retiradas dessa versão final que foi sancionada pelo Governador”, protesta

 

Leia Também

Praga de rio

Invasão das tilápias pode virar lei

Canetada do governador do Amazonas ameaça a maior floresta tropical do mundo

 

 

  • Vandré Fonseca 5j195d

    Jornalista especializado em Ciências e Meio Ambiente.

Leia também 1b437

Análises
1 de junho de 2016

Canetada do governador do Amazonas ameaça a maior floresta tropical do mundo 2o505r

Lei sancionada pelo governador do Amazonas pode causar destruição em cadeia ao permitir a introdução de espécies de peixes não nativos e o barramento dos igarapés.

Reportagens
16 de abril de 2012

Invasão das tilápias pode virar lei 4l6z48

Projeto de Lei do deputado Nelson Meurer (PP-PR) libera a criação de peixes exóticos em tanques-redes de reservatórios hidrelétricos.

Reportagens
14 de julho de 2006

Praga de rio 293w67

Tilápias que escaparam de criação em cativeiro povoam rios poluídos de Manaus. Presença da espécie na Amazônia é motivo de polêmica entre especialistas.

Mais de ((o))eco 386al

legislação ambiental 4f5p6d

Notícias

Governo, ongs e sociedade civil se manifestam contra aprovação do PL do Licenciamento 51131e

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 38r1b

Reportagens

Itaguaí (RJ) muda código ambiental municipal em menos de 24 horas o2h2c

Reportagens

Projeto na ALMT quer diminuir e até zerar distâncias mínimas para aplicação de agrotóxicos 164j4j

espécies invasoras 4q66r

Notícias

Conheça oito espécies da flora invasora que ameaçam a biodiversidade brasileira 6x3s6r

Notícias

Conheça as oito espécies da fauna invasora que dominaram o Brasil 1j6q2

Reportagens

A invasão do Brasil: UCs federais já registraram 290 espécies invasoras 5g1729

Notícias

Cães, gatos e mangueiras: a invasão biológica que ameaça as áreas protegidas 2n5448

mudanças climáticas 4jg2j

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 6b493i

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 3j1y6t

Reportagens

“Brasil não pode ser petroestado e líder climático ao mesmo tempo”, alerta Suely Araújo 6f1l7

Notícias

“O poder da juventude está em aproximar realidades cotidianas dos espaços de decisão” 5i55

desmatamento 5h2z4x

Reportagens

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 6x4y6b

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI 3l3w55

Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso o1s2e

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 6 476t61

  1. Você é muito bem informado sobre isso, muito profundo e espaçoso, Nem todo mundo tem uma visão geral e espaçoso como você, tão maravilhoso, que eu possa partilhar as suas opiniões sobre as suas opiniões website, espero que em seu próximo artigo Criação de peixes em caixa d agua


  2. Uau, post legal. Gostaria de escrever como este também – tendo tempo e trabalho duro real para fazer um grande artigo … mas eu coloquei as coisas fora demais e nunca parecem começar. Obrigado embora. orçamento pintura


  3. parabéns pelo ótimo conteúdo do blog, principalmente pr procedimentos e técnicas." criar tilapia


  4. tudo sobre criação de peixes gostaria de ser seu parceiro com um link na pagina parceiros
    O QUE DIZER SOBRE NÓS?
    Propomos um serviço de excelência para os nossos , procurando uma estratégia de penetração por elevada competência nas propostas, seriedade e serviços globais sendo mais competitivos do que a concorrência.

    Os nossos alvo são jovens agricultores com espírito empreendedor e vontade de evoluir.

    O nosso fator diferenciador será garantir através do nosso Serviço TUDO SOBRE CRIAÇÃO DE PEIXES, colmatar um dos principais problemas apontados pelo : falta de informação, falta de conhecimento e falta de tempo para o projeto. http://tudo.criacaodepeixes.com/


  5. Marco Silva diz:

    O que esperar dos políticos amazonenses a não ser roubos, maracutaias e leis que até uma criança de 10 anos sabe ser uma porcaria???


  6. Otávio Maia diz:

    Uma lei estadual pode se contrapor à Política Nacional de Biodiversidade? http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002
    Objetivos Específicos:
    10.3.6. Promover e apoiar pesquisas para subsidiar a prevenção, erradicação e controle de espécies exóticas invasoras e espécies-problema que ameacem a biodiversidade, atividades da agricultura, pecuária, silvicultura e aquicultura e a saúde humana.
    11.1.12. Articular ações com o órgão responsável pelo controle sanitário e fitossanitário com vistas à troca de informações para impedir a entrada no país de espécies exóticas invasoras que possam afetar a biodiversidade.
    11.1.13. Promover a prevenção, a erradicação e o controle de espécies exóticas invasoras que possam afetar a biodiversidade.
    11.2.3. Apoiar as ações do órgão oficial de controle fitossanitário com vistas a evitar a introdução de pragas e espécies exóticas invasoras em áreas no entorno e no interior de unidades de conservação.
    13.1.1. Apoiar o desenvolvimento de metodologias e de indicadores para o monitoramento dos componentes da biodiversidade dos ecossistemas e dos impactos ambientais responsáveis pela sua degradação, inclusive aqueles causados pela introdução de espécies exóticas invasoras e de espécies-problema.
    13.1.8. Apoiar as ações do órgão oficial responsável pela sanidade e pela fitossanidade com vistas em monitorar espécies exóticas invasoras para prevenir e mitigar os impactos de pragas e doenças na biodiversidade.
    13.2.6. Apoiar a realização de análises de risco e estudos dos impactos da introdução de espécies exóticas potencialmente invasoras, espécies potencialmente problema e outras que ameacem a biodiversidade, as atividades econômicas e a saúde da população, e a criação e implementação de mecanismos de controle.
    13.2.7. Promover e aperfeiçoar ações de prevenção, controle e erradicação de espécies exóticas invasoras e de espécies-problema.
    13.2.19. Estabelecer mecanismos para determinar a realização de estudos de impacto ambiental, inclusive Avaliação Ambiental Estratégica, em projetos e empreendimentos de larga escala, inclusive os que possam gerar impactos agregados, que envolvam recursos biológicos, inclusive aqueles que utilizem espécies exóticas e organismos geneticamente modificados, quando potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente.