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Ordem na casa 58k41

Depois de derrubarem o chefe do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, servidores do Ibama começam a reestruturar uma das maiores atrações do Mato Grosso.

Andreia Fanzeres ·
22 de setembro de 2005 · 20 anos atrás

Além do Pantanal, o estado do Mato Grosso tem outro motivo de orgulho quando o assunto é a porção preservada de sua natureza: a Chapada dos Guimarães. O lugar tem todos os méritos para isso. São 33 mil hectares que cobrem uma das extremidades do planalto central com veredas, abismos, cavernas, pelo menos onze nascentes importantes, dezenas de cachoeiras e vegetação rasteira típica do Cerrado, sob o impressionante silêncio de imponentes paredões vermelhos.

A apenas 60 quilômetros da capital mato-grossense por uma estrada bem conservada, suas refrescantes quedas d’água servem de refúgio para os cuiabanos nos feriados e finais de semana mais quentes. Para quem visita o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, tudo parece encantador. Mas enquanto a natureza segue seu curso, na esfera humana o parque a por uma revolução, palavra que talvez merecesse ser escrita com letra maiúscula.

Insatisfeitos por não conseguirem exercer suas atividades, os funcionários do Ibama se organizaram, redigiram um relatório apontando falhas na istração do parque e detalhando os problemas estruturais mais graves. O documento ficou pronto em janeiro deste ano e foi enviado ao presidente do Ibama, Marcus Barros, em Brasília. Seis meses se aram e parecia que a rebelião tinha dado em nada. Isso, até a chegada do procurador do Ibama Elielson Ayres, que em junho deflagrou em Mato Grosso a Operação Curupira, assumindo em seguida o comando do órgão no estado, do qual foi afastado o gerente-executivo Hugo Werle.

O dossiê caiu no colo de Elielson e ele, no calor da reviravolta completa do Ibama de Mato Grosso, exonerou imediatamente o então chefe do Parque, Nilo Ponce de Arruda. Motivo: incompetência. “O problema era má istração. As denúncias tinham a ver com uso indevido do carro do Ibama, abuso de autoridade, conflitos de relacionamento com os servidores, além do estado de abandono do parque”, justifica Elielson. Segundo o atual chefe da unidade, o biólogo Eduardo Barcellos, seu antecessor não demonstrava interesse em consertar ou comprar equipamentos básicos para a gestão do parque nacional, como rádios, instrumentos de geoprocessamento e computadores. “Ele é um fazendeiro e político de família tradicional, sem qualquer formação ligada ao meio ambiente”, conta Barcellos. Para agravar mais o caso, Arruda foi colocado na função de chefia por influências de deputados federais, entre eles Pedro Henry, do Partido Progressista.“Fomos alijados de nosso papel porque ele chamou para trabalhar outras pessoas também sem qualquer vínculo com a causa”.

De agosto de 2003 a julho de 2005, durante a istração de Arruda, houve um retrocesso na gestão da unidade. Para Barcellos, que saiu do Rio de Janeiro para trabalhar em Mato Grosso quando ou para o concurso do Ibama em 2002, isso foi uma prova de que não se pode abrir mão dos servidores do órgão para a gestão ambiental. Daí a insurgência dos técnicos ambientais contra o ex-chefe do parque. “Queríamos mostrar que não era preciso contratar particulares para fazer, por exemplo, o plano de manejo. O Ibama tem muita gente capacitada”, considera.

Deu no que deu, é fato. Mas mesmo antes da desastrosa agem de Arruda pela Chapada dos Guimarães, o parque nacional já não andava bem. Prova disso é que até hoje a unidade não tem plano de manejo, algo que deveria estar pronto até cinco anos após a criação do parque, em 1989. Agora, Barcellos tenta recuperar o tempo perdido.

Desde que o parque foi criado, como medida compensatória pela construção de uma usina hidrelétrica no rio Manso (que abastece Cuiabá e faz divisa com a chapada) nenhum grande levantamento da biodiversidade local foi realizado. “Até agora o que existem são estudos mais s, mas que já permitiram mapear parcialmente a região identificando no parque nacional animais como tamanduá, lobo-guará, onça parda e outras espécies que só foram encontradas ali”, diz Cláudia Callil, a zoóloga da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Barcellos apressou-se em convocar diversos pesquisadores para fazer uma avaliação ecológica rápida no parque. O objetivo é inventariar suas aves, répteis, anfíbios, invertebrados, mamíferos, peixes e vegetação, para definição das áreas prioritárias para conservação. “Os pesquisadores vão ar 15 dias em campo coletando dados e, em janeiro, na época de chuvas, vão fazer a mesma coisa”, explica. “Depois, vamos montar o conselho consultivo do parque e fazer o zoneamento da unidade com participação da comunidade”.

Mesmo com o orçamento anual apertado de 40 mil reais – um terço do que seria o mínimo indispensável, na opinião de Barcellos – os seis funcionários do Ibama e os pesquisadores que freqüentam o parque estão otimistas com a nova istração. Sem esquecer que ainda há muito pra fazer. “Os problemas estão aí e vão muito além da caixa registradora quebrada”, diz o analista ambiental Jorge Luiz Marques. Ele se refere ao exemplo emblemático do equipamento que serviria para receber o dinheiro do ingresso na unidade e para registrar a quantidade de visitantes. Por falta de manutenção, o aparelho não funciona e, por carência de gente, não há quem faça a contabilidade dos turistas. Resultado: as pessoas entram sem pagar e não existe estimativa confiável sobre o potencial de visitação da Chapada dos Guimarães. “O que temos é uma estimativa do ano 2000, quando acreditamos que 90 mil pessoas conheceram a cachoeira Véu da Noiva, com 86 metros, a mais famosa do parque”, diz Marques.

“Estamos tentando colocar a casa em ordem”, endossa o analista. O novo chefe mandou consertar a sinalização das trilhas e reformar os alojamentos para receber pesquisadores, visitantes e brigadistas, que, por sinal, têm conseguido manter a Chapada praticamente livre dos incêndios. Segundo Marques, o fogo consumiu 11% da área do parque nacional na temporada seca do ano ado, mas, em 2005, menos de 1% foi comprometida. “Registramos dez focos de calor desde julho, mas vamos continuar atentos porque setembro é um dos piores meses”. Marques conta que os incêndios acidentais são comuns na região, porque muitas pessoas procuram a Chapada para fazer rituais religiosos com velas.

Mas o parque é freqüentado por muito mais gente. Além de religiosos, místicos de todas as espécies escolhem a Chapada dos Guimarães para os mais variados fins. Meditação, descanso e até a tentativa de observação de objetos voadores não-identificados. O clima agradável, a cerca de 800 metros acima do nível do mar, é um atrativo a mais daquele lugar, que guarda um empoeirado e escondido marco indicando o centro geodésico da América do Sul, o ponto eqüidistante entre os oceanos Atlântico e Pacífico.

Em função da pequena distância que separa esse refúgio da capital do estado, não faltam chácaras e sítios no entorno e dentro da área do parque. Segundo Barcellos, em apenas uma parte da unidade existem pelo menos 100 proprietários irregulares que não pensam em abandonar tão aprazível lugar. Por isso, a necessidade de desapropriação deve ser, na visão da pesquisadora Cláudia Callil, o ponto nevrálgico do plano de manejo. “Além da rodovia MT-251, que a dentro do parque nacional, querem asfaltar mais uma, cortando uma Área de Preservação Ambiental próxima e colocando em risco várias nascentes que abastecem a unidade de conservação”, lembra ela. Diz ainda que a atividade agropastoril na chapada é crescente e vem contaminando os recursos hídricos da região. É por isso que quem vai à Chapada achando que pode beber água da cachoeira sai frustrado. Em compensação, quem chega lá frustrado com a situação do resto do Mato Grosso, fica aliviado.

  • Andreia Fanzeres 4x2h22

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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