Reportagens

Propina no Pará 2t4310

Ibama e Polícia Federal desmantelam quadrilha na Transamazônica que pagava servidores de órgãos ambientais para aprovarem planos de manejo falsos e escaparem da fiscalização.

Gustavo Faleiros ·
2 de março de 2007 · 18 anos atrás

O Ibama e a Polícia Federal (PF) realizaram nesta sexta-feira a primeira operação conjunta do ano. A ação mobilizou 150 policiais em cidades ao longo da rodovia Transamazônica (BR-230), nas proximidades do rio Tapajós, no Pará. O esquema desmantelado visava a aprovação de planos de manejo fraudulentos e o pagamento de propinas a fiscais dos governos federal e estadual. Batizada de Ananias, nome inspirado na agem biblíca em que o apóstolo Pedro descobre que seu discípulo o roubou, a operação é a primeira a detectar falsificações no Documento de Origem Florestal (DOF), implantado em setembro de 2006.

Ainda não há informações sobre a quantidade de madeira ilegal e o volume financeiro movimentado pela quadrilha. No entanto, sabe-se que se trata de um esquema amplo envolvendo despachantes, madeireiros e servidores públicos. Trinta e sete mandados de prisão foram emitidos, sendo 18 para madeireiros, sete para despachantes, seis para funcionários do Ibama e outros seis para servidores das secretarias da Fazenda e do Meio Ambiente do Pará. Até o final da manhã desta sexta-feira, 18 pessoas já haviam sido presas. Entre os membros do Ibama envolvidos está o próprio chefe da fiscalização da unidade do órgão em Santarém.

Segundo o delegado da PF, Paulo de Tarso Teixeira, há indícios de que a quadrilha possa ser ainda maior, pois já atuava há tempos com fraudes na antiga Autorização de Transporte de Produto Florestal (ATPF). Ele explicou que a movimentação de propinas ocorria através de despachantes que eram reponsáveis, em nome de madeireiros, por pagarem servidores do Ibama para que estes aprovassem planos de manejo ou realizassem fiscalizações de fachada. Já os servidores estaduais foram cooptados para chancelarem notas fiscais de madeireiras fantasmas.

Esta intermediação permitiu que despachantes envolvidos acumulassem grande riqueza. Em Altamira, um mandado de busca foi feito em uma mansão avaliada em 1 milhão de reais. Além disso foram apreendidos carros e caminhonetes. “Essas pessoas não têm bem nenhum em seus nomes. Elas fazem parte de uma grande rede de laranjas”, explicou Teixeira.

O sistema eletrônico para transporte de produtos florestais implantado no ano ado, o DOF, foi considerado essencial para encontrar indícios do esquema de corrupção. De acordo com o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, os servidores foram flagrados tentando inserir créditos ilegais a madeireiras sem autorização para desmate. Para transportar madeira, empresas precisam declarar quanto possuem em seu pátio, e esses dados são posteriormente cruzados com licenças de desmatamento e planos de manejo aprovados.

“A fraude foi feita na transição entre a ATPF e o DOF. Eles pensaram que não seriam pegos”, observou Hummel. Em comparação a outras operações de combate a crimes ambientais, a investigação que culminou na Ananias foi mais curta. Graças ao sistema informatizado, o tempo de apuração das irregularidades foi de seis meses, frente à média de um ano e meio a dois anos das operações anteriores.

Assim como já havia ocorrido em outras operações, a Ananias foi deflagrada graças a uma denúncia de servidor do Ibama. Em julho de 2006, três funcionários de Altamira foram apontados como facilitadores de ATPFs falsas. No segundo semestre do ano ado, a PF rastreou ligações dos suspeitos e descobriu que o esquema tinha grande capilaridade entre madeireiros da região, com ramificações até a capital Belém. Um dos servidores do Ibama, por exemplo, recebia pequenas quantias, em torno de 200 reais, para informar madeireiros sobre fiscalizações que ocorreriam. Em outubro, a PF contatou a sede do Ibama em Brasília, que comprovou fraudes no DOF.

Balanço

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, voltou a frisar que as prisões no Ibama representam uma renovação no quadro de servidores. Ela lembrou que, em todas as operações realizadas em parceria entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a PF, apenas um novo concursado foi flagrado. Além disso, muitas ações foram iniciadas por denúncias ocorridas dentro do próprio órgão federal.

Esta foi a 18ª das operações conjuntas entre o MMA e a PF realizadas desde 2004. Neste período, 900 mil metro cúbicos (m3) de madeira foram apreendidos e 2,8 bilhões em multas foram aplicadas. “A ação conjunta com a Polícia Federal dá um golpe na vertebra dos esquemas criminosos que funcionavam há muitos anos”, pontuou Marina. O número de pessoas presas já chega a quase 500, sendo 113 servidores do Ibama. Segundo informações da Procuradoria Geral do órgão, diversos processos istrativos estão em curso, mas 46 servidores já foram exonerados e sofrem processos civis ou penais. Para comparar: entre 1989 e 2002, o Ibama havia exonerado 10 funcionários por irregularidade.

Hummel, da diretoria de Florestas, avalia que os primeiros impactos do DOF são positivos. A implantação do sistema teve como consequência no Pará o fechamento de 664 empresas madeireiras. Isso significa 30% do total de companhias do setor no estado. Nos levantamentos do Ibama, o fechamento de empresas impediu o comércio de 180 mil m3 de madeira ilegal, algo como 9,1 mil caminhões de toras. Também interrompeu o negociação de 197 mil m3 de carvão feito com mata nativa.

A Operação Ananias não implicará em nenhuma mudança na configuração do DOF. Pelo contrário. Para Hummel, ela comprova que o sistema está funcionando. A medida mais importante para o aprimoramento da ferramenta será a criação de um portal eletrônico que integrará todos os sistemas nacionais informatizados de fiscalização da atividade florestal. Essa é uma determinação da resolução Conama 379, aprovada em outubro ado, que obriga a interface dos mecanismos estaduais de controle com o DOF. Nesta sexta-feira, foi assinada a portaria que cria o grupo de trabalho responsável por integrar os sistemas.

  • Gustavo Faleiros 6vd2i

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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