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Fechamento do porto da Cargill em Santarém coloca produtores de soja em situação difícil. Ganhos para o meio ambiente só serão vistos com avanços no debate do Eia Rima.

Eric Macedo · Gustavo Faleiros ·
26 de março de 2007 · 18 anos atrás

Os plantadores de soja da região de Santarém, no Pará, estão de “cabeça quente”. Isso é o que diz o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade, Adinor Batista. Para ele, se o porto da multinacional Cargill no rio Tapajós permanecer fechado, conforme determinou decisão judicial da última sexta-feira (23/03), a economia da cidade vai se tornar um “caos”. “Não há como armazenar a safra, temos que ter uma solução em 30 dias”, avaliou. Batista conta que já há fazendeiro planejando manifestação em prol da abertura do porto.

A paralisação das operações do terminal da Cargill é o ápice de uma disputa travada entre a empresa e promotores de justiça sobre a viabilidade ambiental do empreendimento. O porto foi instalado há sete anos sem realizar estudo de impacto ambiental (Eia-Rima) e, agora, de acordo com sentença do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, as operações devem ficar suspensas até que o processo de licenciamento esteja concluído.

A pendenga judicial, que se iniciou em 2000, já surtiu efeitos negativos à economia de Santarém. A construção do porto havia gerado uma verdadeira corrida por terras na região, e os grileiros prosperaram. Porém, a ação de ONGs ambientalistas e sindicatos de trabalhadores rurais conseguiu reverter a situação, em parte. Segundo Batista, a produção de grãos em Santarém apresentou queda já neste ano. A área plantada, que na safra anterior havia sido de 80 mil hectares, foi reduzida a 35 mil hectares, sendo 17 mil plantados com soja. “Antes havia crédito para qualquer um, agora não dão mais para quem não tem título da terra. Este seria um ano de retomada, mas o fechamento do porto pode acabar com tudo”, reclama Batista.

A Cargill ainda não aceita a decisão judicial de que deva apresentar um Eia-Rima. Nesta segunda-feira, a empresa entrou com um mandado de segurança alegando que a sentença emitida no dia 23 não leva em consideração uma decisão anterior que havia permitido a continuação do funcionamento do porto. De acordo com informações de um porta-voz da empresa, espera-se que em 48 horas uma nova decisão judicial permita a reabertura do terminal no Tapajós.

Para o promotor Felipe Braga, do Ministério Público Federal em Santarém, um dos autores de um recente pedido para o embargo do terminal, a decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal está bem fundamentada e o mandado de segurança da Cargill não deve obter sucesso. “O juiz entendeu que poderia usar o poder cautelar para garantir a integridade do objeto julgado, no caso o meio ambiente.”

Conseqüências

Se ele estiver certo, não só produtores de soja de Santarém, mas de algumas das regiões mais importantes da Amazônia se verão em maus lençóis. Atualmente, o terminal no Tapajós é uma das principais rotas de escoamento de grãos para exportação. Cerca de um milhão de toneladas são embarcados ali anualmente. O impacto do fechamento do porto seria maior no norte do Mato Grosso, uma vez que apenas 5% dos grãos exportados pela Cargill são produzidos no entorno de Santarém. A alternativa de escoar a soja do Mato Grosso seria carregá-la até os portos de Santos e Paranaguá, mas essa é uma solução que pesa mais nos bolsos dos produtores.

Na avaliação de Paulo Barreto, pesquisador do Imazon quem produz soja em Santarém não teria por onde escoar. O pesquisador lembra que apenas 10% do total da área plantada na região é de soja. “A maior parte é milho e arroz”, diz. Nesse caso, o efeito do fechamento do porto pode ser não necessariamente uma redução das plantações, mas uma contenção do crescimento. “Havia uma perspectiva de que a soja aumentasse ali no futuro. Isso não aconteceu até agora por causa da crise no setor nos últimos anos. De qualquer forma, talvez a incerteza em relação ao porto reduza a chegada de novos produtores”, diz Barreto.

Além disso, a tão aguardada realização do Eia-Rima pode causar problemas para os produtores de Santarém em situação ilegal. Apesar da empresa dizer que compra somente de produtores regularizados, na realidade muitas propriedades não têm licenciamento. É provável que um estudo mais completo – que leve em conta os impactos causados pela soja nas regiões das quais a Cargill compra os grãos – cobre da empresa a legalização dos produtores. “Não é coisa fácil”, adianta Barreto.

Imagem manchada

A Cargill sustenta, através de seus porta-vozes, que a atual redução na produção na região de Santarém tem relação com sua decisão de apenas comprar soja de produtores legalizados. No entanto, o fechamento de seu porto já causou impactos bem além do que estava previsto. O fato foi noticiado na imprensa mundial, e a empresa já reconheceu que ter sua imagem associada à degradação da floresta amazônica é um dano mais do que razoável. Há informações que o gerenciamento da crise já não esteja sendo feito pela filial em São Paulo, mas sim pela própria sede, em Minesota, Estados Unidos.

Se a Cargill for obrigada a realizar o Eia-Rima, é possível que uma nova disputa judicial se abra: sobre qual deverá ser o teor destes estudos. A posição do Ministério Público Federal é de que o licenciamento deva ser amplo, e avalie os impactos da chegada do porto sobre toda a região de Santarém. Já a empresa está com o discurso afiado para o caso de ter de enfrentar mais essa disputa; afirma que o licenciamento deve se ater aos impactos sobre o local em que o porto foi instalado.

O Ibama, que será o responsável por elaborar o termo de referência para o Eia- Rima, já dá sinais de que seguirá os promotores. Para Nilson Vieira, gerente do instituto em Santarém, os dados sobre desmatamento e invasão de terra por grileiros mostram um impacto negativo da entrada da Cargill à região. “Levando em conta o desmatamento em áreas primárias e secundárias, pode-se dizer que houve impacto considerável. O Eia deve ser feito de maneira ampla”, opina.

Para Tatiana de Carvalho, da campanha de Florestas do Greenpeace, o fechamento do porto representa uma mudança de paradigma na região. “Até agora as empresas têm contado com a ausência de governança. Elas se instalam de qualquer forma e permanecem depois do fato consumado, mesmo com irregularidades. Isso começa a mudar”, diz. A ONG defende a realização de estudos que levem em conta os impactos de desmatamento e conflito causados pela soja que a pelo terminal. “Vai muito além da área do porto em si”. Tatiana lembra que as comunidades tradicionais da região de Santarém vêm, desde o início, brigando contra a instalação do porto. Além de casos de expulsão de pequenos proprietários por grileiros armados e compra de terras a preços de banana, o uso de agrotóxico pelos sojeiros inviabiliza a produção de alimentos no entorno.

De acordo com um interlocutor privilegiado na questão da soja naquela região, o fechamento do porto descambará para uma batalha jurídica sem final previsível. Mas cita o caso de Barra Grande como uma entre muitas histórias de construções irregulares do ponto de vista ambiental que acabam mantidas depois do investimento feito. Para ele, está mais do que na hora de o Brasil assistir uma “demolição-símbolo” na área ambiental para pelo menos mostrar que não pretende mais aceitar fatos-consumados como o do porto da Cargill.

  • Eric Macedo 2ij4w

  • Gustavo Faleiros 6vd2i

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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