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Os bagres de Lula 1u25k

Técnicos do Ibama concluem que usinas Santo Antônio e Jirau não possuem viabilidade ambiental. O próprio Lula reclamou do parecer, mas os problemas vão muito além dos bagres.

Gustavo Faleiros ·
20 de abril de 2007 · 18 anos atrás

Quem dera a fúria verbal do presidente Lula contra os bagres do rio Madeira tivesse alguma consistência. Nesta quinta-feira, numa reunião com seu conselho político, ele disse novamente que o Ibama estava atrapalhando o desenvolvimento nacional, travando o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em Rondônia.“Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?”, reclamou Lula no encontro, segundo o jornal reportagem de Luciana Nunes Leal publicada em O Estado de São Paulo. Tudo. A construção das duas usinas é uma das bandeiras desenvolvimentistas de seu governo. E qualquer dano ambiental irreversível que elas provoquem ficará para sempre no seu currículo. Pelo que está escrito no parecer técnico do Ibama emitido no dia 21 de março, os riscos disso acontecer são altos. O documento oficial, ao qual O Eco teve o com exclusividade, recomenda que o Ibama negue a licença prévia ao projeto.

O parecer foi assinado por oito técnicos da Diretoria de Licenciamento do órgão, tem 220 páginas e sustenta que as usinas do Madeira não possuem “viabilidade ambiental”. O texto diz que é preciso se fazer novo estudo ambiental, bem mais amplo, e é bem direto em suas conclusões: “Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo;(…) a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfonteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Prévia”.

O problema com os bagres não é um mal menor, como fez parecer Lula. O texto, afinal, pontua que a construção das barragens vai acarretar o desaparecimento da dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), um peixe de grande porte que serve de alimento a milhares de pessoas. Não são apenas técnicos do Ibama que dizem, a dourada é reconhecida por estudiosos da Amazônia como base de sobrevivência para comunidades que vivem ao longo do Madeira, em seu trecho que vai de Porto Velho a Humaitá, no estado do Amazonas.

A questão é que o peixe é apenas uma pequena parte das graves complicações previstas com a construção das usinas Santo Antônio e Jirau. Os técnicos do Ibama identificaram no estudo de impacto ambiental (EIA) apresentado pelos empreendedores, as empresas Furnas Centrais Elétricas e Odebrecht, sinais claros de omissão. Segundo o parecer, a área a ser alagada poderá ser duas vezes maior do que a projetada no EIA do empreendimento, que não considerou as variações do nível do lago causadas por alterações na bacia hidrográfica a montante. A isso se junta a conclusão de que “não existe qualquer confiabilidade” nos dados sobre a deposição de sedimentos nas barragens, o que pode ampliar ainda mais a área de impacto dos lagos. Haveria alagamento de assentamentos do INCRA e de unidades de conservação na região, que não foram mencionadas no EIA.

Talvez uma das questões mais complexas levantadas pelos técnicos do Ibama seja a necessidade de estudos transfronteiriços na bacia do Rio Madeira. O texto do parecer critica uma observação do EIA que coloca que “simplesmente não haverá impacto em território boliviano”. No entanto, os autores observam que num prazo de 25 a 50 anos as inundações por acumulação de sedimentos na região do Abunã, fronteira com a Bolívia trarão muitos impactos a terras no país vizinho. “Tais impactos atingem não um, mas dois países integrantes da bacia, que são a Bolívia e o Peru, e devem ser cuidadosamente estudados”, afirma o texto do parecer.

O responsável pelo Programa Segurança e Saúde do Trabalho e Meio Ambiente da Odebrecht, Sérgio França Leão, diz que a empresa não considera o parecer como decisão final do governo. Leão afirma que ainda falta anexar ao processo de licenciamento documentos (como o estudo do Ministério da Saúde sobre a malária na região, entregue esta semana) e esclarecimentos dados recentemente por técnicos do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e do próprio Ministério do Meio Ambiente. Também nega que estejam sendo planejados novos estudos sobre a obra, lembrando que os termos de referência apresentados pelo Ibama em setembro de 2005 foram todos respondidos à risca pelas empresas, através dos estudos complementares. “Depois que foi tudo cumprido, eles dizem ‘não era bem isso que queríamos’">listadas como prioridade do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Questionado pelo próprio governo, o parecer negativo foi enviado a Procuradoria Geral do Ibama, onde permanece em análise.

O que os procuradores do órgão tentam responder é se juridicamente os técnicos que am a análise do EIA têm competência para recomendar aos empreendedores que façam novamente todos os levantamentos. Mais do que isso, há dúvidas sobre qual o grau de liberdade dos técnicos para exigir que a avaliação de impacto deva abranger outros países. Um técnico do órgão resumiu bem o sentimento que se abateu sobre eles quando o questionamento ocorreu: “Não aceitam a nossa posição”.

Mas a demissão do diretor de Licenciamento do Ibama, Luiz Felippe Kunz Jr., está sendo vista como um sinal claro de que o parecer negativo às usinas o colocou em uma posição delicada dentro do governo. Relatos de pessoas próximas a Kunz revelam que a própria ministra Marina Silva pediu para que ele deixasse o seu cargo. Outros contam que o diretor de Licenciamento simplesmente foi chamado de volta ao Rio Grande do Sul, afinal é um funcionário cedido pela prefeitura de Porto Alegre. Mas entre os funcionários do Ibama a certeza é de que foi Kunz quem pediu demissão porque o governo duvidou da capacidade de sua equipe técnica.

As pressões e incertezas que estão rondando o licenciamento das usinas Santo Antônio e Jirau não são poucas. Mesmo sem licenciamento, é frequente ouvir representantes do Ministério de Minas e Energia prometendo que o projeto entrará em breve nos leilões de energia elétrica. A única certeza por ora é que, com bagres ou sem bagres, o presidente Lula não está disposto a aceitar um não como resposta.

  • Gustavo Faleiros 6vd2i

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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