Reportagens

Umbu no pão francês 2q6w6h

Fruto azedinho da Caatinga anda fazendo sucesso na mesa dos ses, que aos poucos aprendem a apreciar compota de umbu. Com isso, árvores centenárias estão sendo salvas.

João Manuel da Rocha Lima ·
24 de abril de 2007 · 18 anos atrás

Há cinco anos, o francês Tristan Lecomte, roda o mundo em busca de novos parceiros para a sua empresa, a Alter Eco, uma importadora que realiza o que se convencionou chamar de “comércio justo”. Semana sim, outra também, ele abandona a calma de seu escritório situado às margens do Canal de Saint-Martin, no centro de Paris, para se aventurar em territórios remotos. Num intervalo de um mês, o jovem empresário pode ser visto num campo de arroz na Tailândia ou numa fazenda de café de Ruanda. Há três anos, a Caatinga entrou em seu roteiro.

Em viagens a quase meia centena de países, ele já viu e experimentou tanta coisa que fica difícil se lembrar com detalhes de cada uma. Mas Lecomte se recorda com muita clareza do dia em que, visitando uma feira internacional de agricultura familiar na Itália, em 2004, degustou, pela primeira vez, o doce de umbu. A iguaria o impressionou de imediato. Chamou-lhe a atenção o sabor exótico da compota – um agridoce que pouco tem a ver com o sabor original do umbu – e o nome inusitado do fruto que lhe dá origem.

Intrigado com a descoberta, pediu mais informações aos responsáveis pelo estande onde estava sendo exposto o produto. Durante a conversa, a consultora da Coopercuc, a alemã Catharina Gross, explicou a Lecomte a importância do cultivo do umbu no semi-árido brasileiro. “Ele ficou tão encantado com o projeto que, alguns meses depois, nos encontramos em Salvador para fechar um acordo. No fim de 2005, já estávamos exportando a compota de umbu para a França”, conta Catharina.

Desde então, Lecomte tem feito uma intensa campanha para apresentar o doce de umbu aos ses. O desafio é mostrar a este público – exigente quando o assunto é comida – que, muito mais do que uma sobremesa, este produto é um meio de sobrevivência para para a Caatinga e seus habitantes. No rótulo, feito pelos próprios designers da Alter Eco, há um breve texto que explica o papel desempenhado pelo umbuzeiro na caatinga, um área natural muito pouco conhecida na Europa.

“A palavra umbu vem do tupi y-mb-u, que significa ‘árvore que dá de beber’”, diz Lecomte, num português fluente, aprendido no Brasil, onde morou durante um ano. “Quando conheci a região de Uauá, onde mora a maior parte dos produtores, fiquei encantado com essa planta, capaz de guardar 3.000 litros de água durante a estação das chuvas”. Esta característica mencionada por Lecomte transformou o umbuzeiro em uma peça-chave na preservação da biodiversidade no semi-árido.

Nativa da Caatinga, esta espécie é uma das poucas capazes de se manter viva e de pé durante o período da seca. Além do fruto verde-claro, semelhante a uma ameixa, o umbuzeiro fornece sombra e folhas para animais. A raiz, conhecida como batata-do-umbu, tem sabor adocicado e costuma ser usada na medicina caseira. Esta versatilidade levou o escritor Euclides da Cunha, em suas andanças por Canudos, a batizá-la de “árvore sagrada do sertão”.

“Outra grande vantagem do umbuzeiro é que ele não precisa de fertilizantes. O cultivo do umbu não provoca nenhum desgaste ambiental, já que a colheita é feita a mão.”, explica Miroval Ribeiro Marques, um dos idealizadores da Coopercuc. “Antigamente, os agricultores batiam no tronco para que os frutos caíssem. Hoje eles sabem que se fizerem isso os umbuzeiros vão morrer.”

Durante muito tempo, os pequenos produtores viam no umbuzeiro um obstáculo para a criação de gados. Como o preço do umbu no mercado local era muito baixo, eles não hesitavam em botar abaixo as árvores que se encontravam em suas propriedades. “A gente via umbuzeiros de 100, 200 anos darem lugar a pastagem”, se recorda Miroval. “Tivemos que fazer uma campanha de conscientização para explicar aos agricultores que o umbu pode ser até mais lucrativo do que a pecuária.”

Hoje, a Coopercuc reúne cerca de 200 famílias, distribuídas pelos municípios de Uauá, Canudos e Curaça, localizados no norte da Bahia. A cooperativa, que tem patrocínio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da ONG italiana Slow Food, desenvolve programas de educação ambiental e diversificação de cultura. Depois da fundação da Coopercuc, em 2003, as famílias aram a ter o à água potável.

Com a venda do umbu, que é recolhido pelos funcionários da cooperativa, os produtores recebem um complemento mensal de 100 a 200 reais. “Esta quantia é muito pequena, se comparada aos padrões europeus, ou mesmo ao que se ganha em outras partes do Brasil. Mas para essas pessoas, faz uma enorme diferença”, diz Lecomte, segurando orgulhoso um dos potes de compota que guarda em seu escritório.

Para garantir capital de giro à cooperativa, a empresa de Lecomte pré-financia metade da produção. Antes da chegada da Alter Eco, os produtores dependiam, exclusivamente, do governo federal para custear a produção e a compra dos equipamentos utilizados no preparo do doce de umbu. Segundo Catharina, os agricultores estão, hoje, menos vulneráveis à vontade dos governantes.

Cerca de 70% da safra vai para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que usa os produtos fabricados pela cooperativa em programas de segurança alimentar no Nordeste. Mas o objetivo dos diretores da Coopercuc é diminuir a participação da Conab e aumentar as vendas para outras empresas que, como a Alter Eco, realizam o comércio justo. “Este ano vamos começar a vender o doce de umbu para a Áustria e, se Deus quiser, para o meu país, a Alemanha”.

Na França, a compota é vendida em redes de supermercados parceiros da Alter Eco. Os produtos são vendidos a um preço levemente superior aos das grandes marcas. O doce de umbu, por exemplo, é vendido a 3 euros – alguns centavos a mais do que as geléias de framboesa da prateleira ao lado. De acordo com Lecomte, sua empresa tem uma margem de lucro de apenas 30% sobre as importações. “A nossa vantagem é que, como temos um público cativo, não precisamos fazer tanto marketing”, explica.

Ao contrário do Brasil, onde o doce é consumido depois das refeições, acompanhado por um pedaço de queijo, na França ele costuma ser usado como uma espécie de geléia, ou confiture, em francês. Para quem nunca provou o doce de umbu antes, a criatividade é o que conta. “Uma funcionária nossa me contou outro dia que sua irmã, cozinheira,fez o macaron – doce típico francês – de umbu. Cada um come da maneira que preferir.”, finaliza Lecomte.

* João é formado em jornalismo e está fazendo mestrado na França.

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