Reportagens

Biblioteca de sons 3m132e

Cerca de 4 mil gravações com sons de 300 espécies de aves diferentes estão armazenadas no acervo de uma biblioteca criada no México dedicada a estudos sobre pássaros.

Romeu de Bruns Neto ·
4 de julho de 2007 · 18 anos atrás

Diariamente, o cientista Fernando Gonzalez-Garcia leva seu equipamento de gravação a campo. Chega à reserva da biosfera de Triunfo, no estado de Chiapas, México, bem cedo, para captar os primeiros cantos das aves. Coordenando uma rede de pesquisadores espalhados pelo país, Garcia contribui para enriquecer o acervo da Biblioteca de Sons das Aves do México, que conta com aproximadamente quatro mil gravações de 300 espécies de aves, quase um terço do total registrado no território mexicano.

Os registros na reserva de Triunfo começaram nos anos 80, época em que o pesquisador elaborava seu trabalho de graduação sobre o pavão Oreophasis derbianus (foto), espécie ameaçada de extinção que só vive no México e na Guatemala. Posteriormente, ele aprofundou as pesquisas sobre o pavão em suas teses de mestrado e doutorado, o que lhe permitiu traçar a história natural do pássaro.

Essa reserva ainda é uma das principais fontes de gravações da biblioteca. Considerada Reserva da Biosfera pela Unesco, ela está localizada nas encostas da Sierra Madre e é um dos principais santuários ecológicos do México. Com quase 50 mil hectares, nela foram registrados, até o momento, 390 espécies de aves, 63 de répteis, 112 de mamíferos, 588 de mariposas e mais de mil espécies de plantas. De todas as espécies animais, 135 se encontram sob alguma categoria de proteção. Ali, a direção da reserva estabeleceu um programa de monitoramento de longo prazo para conhecer as tendências populacionais de espécies de interesse emblemático, como no caso do pavão estudado por Garcia.

A princípio, a gravação dos sons dos pássaros era despretensiosa. “Eu usava um equipamento simples, com uma antena parabólica caseira, somente pelo gosto de ter um registro da diversidade de sons emitidos pelas aves”, conta Garcia. “Infelizmente, essas primeiras gravações contêm apenas a vocalização das aves, nenhum outro dado. Eu estava longe de saber da importância das gravações documentais e mais longe ainda da formação de uma biblioteca de sons”.

Com o tempo, a metodologia e os equipamentos evoluíram. Depois de fazer um curso no Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell em São José, Costa Rica, as gravações alcançaram um status profissional. Assim, em 1994, começou a formação da Biblioteca de Sons de forma sistemática. Hoje essa coleção está abrigada no Instituto de Ecologia do México (Inecol), em Xalapa, no estado de Veracruz.

Conforme explica Garcia, não se trata de meramente gravar o canto das aves, mas de agregar o máximo de informações sobre o comportamento delas (em relação ao acasalamento, a corte, territorialidade, etc). Esses registros são de grande utilidade nos estudos de taxonomia, biogeografia e de conservação. Além de desempenhar um importante papel na dispersão de sementes das espécies vegetais, a presença de determinadas aves é importante indicador de qualidade ambiental, alertando sobre problemas no caso da diminuição de sua população. “O potencial da investigação bioacústica é ilimitado. Do ponto de vista da conservação, a utilização dos sons é crucial, não apenas para ajudar a determinar as áreas de biodiversidade que se deseja preservar, mas também para avaliar os hábitats críticos”, avalia Garcia.

Esse tipo de trabalho não é pioneiro no México, mas as iniciativas anteriores foram de pesquisadores estrangeiros e, hoje, esses registros estão em coleções nos Estados Unidos e na Europa. “Daí a importância de contarmos com a nossa própria biblioteca”, diz Garcia. No Brasil, os cientistas que realizam gravações formam seus próprios acervos, mas não há uma iniciativa com essa abrangência. O Ministério do Meio Ambiente, em sua página na internet, apresenta uma pequena mostra da diversidade de aves brasileiras (são 51 arquivos sonoros).

A Biblioteca tem como objetivo reunir sons de aves de todo o México. É uma tarefa difícil, dadas as dimensões do país e a diversidade de espécies. São 1.076 registradas em todo o México, além de 313 das 338 aves migratórias da América do Norte que am metade ou até dois terços de sua vida em território mexicano. Por isso, o Inecol conta com o apoio de universidades e outros institutos de pesquisa, como a Universidade Autônoma do México e a Universidade Autônoma de Morelos. Uma das formas de financiar o projeto está na comercialização de CDs, como o recém-lançado “Doricha – Uma Introdução às Aves de Veracruz”.

Outra forma de financiamento está na realização de cursos de capacitação, inclusive em outros países, como Guatemala, Honduras, El Salvador, Costa Rica e Nicarágua. A maioria dos participantes é estudantes e profissionais de zoologia e biologia, e guarda-parques de áreas de proteção da América Central. Depois de ar pelas aulas, diversos alunos se tornam colaboradores da biblioteca, com seus próprios estudos sobre a comunicação acústica entre as aves. “No caso específico do México, minha intenção é promover a formação de coleções regionais ou estaduais e que essas coleções sejam preservadas e manuseadas em universidades e centros de pesquisa”.

Apesar de contar com outros colaboradores a edição e organização do acervo fica a cargo de Garcia e está disponível na internet, no site http://www.ecologia.edu.mx/sonidos, que alcançou mais de 330 mil os. Por enquanto, a ênfase do Inecol está na gravação de aves de Veracruz, dada a riqueza da fauna dessa região, mas o instituto também tem promovido gravações nos estados de Oaxaca, Chiapas e Yucatán. “A difusão dos sons tem um aspecto que não podemos ignorar que é o de fazer com que as pessoas conheçam a riqueza e a variedade das espécies de aves. Creio que assim, a população adotará uma atitude diferente em relação à preservação da biodiversidade”, defende Garcia.

*Romeu de Bruns é jornalista free-lancer em Curitiba (PR) e esteve no México recentemente.

Ouça o canto de três pássaros registrados pelo pesquisador:

Cardeal (Cardinalis cardinalis)

Beija-flor da espécie Atthis eloisa

Codorna da espécie Dactylortyx thoracicus

  • Romeu de Bruns Neto 3w18e

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