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Grupo de Ongs e empresas que implementa e monitora a moratória imposta à soja plantada em áreas desmatadas na Amazônia divulga resultados de primeiro ano de trabalho em conjunto.

João Teixeira da Costa ·
24 de julho de 2007 · 18 anos atrás

O Grupo de Trabalho da Soja (GTS) divulgou seu primeiro relatório anual, prestando contas sobre o que seus integrantes fizeram desde a imposição, há um ano, de moratória na compra de soja plantada em área de desmatamentos na Amazônia. Organizado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e pela Associação Nacional de Exportadores de Cereais (ANEC), órgãos representativos das empresas comercializadoras e processadoras de soja, o GTS reúne grandes esmagadoras de soja — , Amaggi, Bunge, Cargill — e ONGs como a Conservation International, Greenpeace, IPAM, TNC e WWF.

De acordo com a moratória, as esmagadoras se comprometeram a não adquirir soja originária de áreas desmatadas na Amazônia depois de 24 de julho de 2006. Essa moratória, no entanto, não é um fim em si mesmo. A intenção é usar esses dois anos para criar um quadro institucional que permita mapear e monitorar essa moratória. Há razões para imaginar que a iniciativa tem boas chances de sucesso.

Em primeiro lugar, existe forte pressão de mercado sobre o agronegócio brasileiro. A preservação da Amazônia deixou de ser apenas uma questão de interesse dos ecochatos de sempre. Na visão dos grandes compradores de soja nos países desenvolvidos, desmatamento virou sinônimo de aquecimento global. Esse ambientalismo de mercado talvez seja sincero, talvez seja apenas um pretexto para o protecionismo. Seja como for, a indústria da soja fará o possível para estabelecer suas credenciais de sustentabilidade.

A tarefa é facilitada pela pouca importância do negócio soja na Amazônia. De acordo com dados apresentados pelo GTS, o cultivo de soja ocupa 0,3% do território da região — ou 1,6% da sua área desflorestada. Em outras palavras, estamos diante da oportunidade de fazer alguma coisa antes que o avanço da fronteira agrícola chegue lá. E existe um forte incentivo econômico atraindo produtores para a região: o baixo custo das terras, que compensa a pobreza dos solos, a falta de infra-estrutura, e a impossibilidade de utilizar legalmente mais de 20% de cada propriedade.

Mapas e cadastros

A oportunidade de fazer algo construtivo, no entanto, veio acompanhada de uma série de desafios. O primeiro deles foi reunir ONGs e empresas em torno de uma mesma mesa, desenvolver uma linguagem comum e buscar em conjunto soluções para o problema. É um momento histórico, como o descreveu Carlo Lovatelli, representante da Bunge e da Abiove. Em seguida surgiram as dificuldades na criação de condições para que as intenções possam ser transformadas em ação.

É preciso, em primeiro lugar, saber onde estão os limites do bioma que, naturalmente, não são os mesmos limites da Amazônia Legal. O grupo de trabalho precisou, em primeiro lugar, estabelecer esses limites. Os mapas existentes, do IBGE, estão em escala muito grosseira para ser de qualquer utilidade nas áreas de fronteira — áreas onde se concentra, no momento, a atividade agrícola. Em seguida identificou-se a necessidade de mapear o desmatamento que já havia ocorrido antes da entrada em vigor da moratória, já que a mesma só impõe restrições à comercialização de grãos produzidos em áreas desmatadas depois daquela data. Esse trabalho também está avançando, com base nos dados do PRODES, do INPE, complementados pelos sistemas de informação em tempo real do Imazon e do próprio INPE.

Mas além disso é preciso ainda identificar os limites das propriedades rurais. Nesse aspecto, como em vários outros, o GTS bate de frente com os problemas de governança que parecem ser endêmicos à região. Não existe um cadastro dessas propriedades rurais, e o governo federal não espera tê-lo antes de 2011. Diante dessa lacuna, o Grupo de Trabalho estuda a possibilidade de trabalhar com documentação produzida pelo SLAPR, o sistema estadual de licenciamento ambiental implementado pelo Mato Grosso. Tudo isso é necessário para que seja possível, ao final dos dois anos de moratória, identificar com precisão quem está vendendo soja “suja”, isto é, originária de áreas desmatadas no bioma Amazônia. E o desejo do grupo é que tudo posso ser feito por sensoriamento remoto, mais rápido e mais barato do que as pesquisas de campo.

O segundo aspecto da moratória é a conscientização do produtor rural, que deverá ser um parceiro desse processo de construção institucional. As smagadoras têm uma vantagem muito grande nesse processo. Elas têm o a esses produtores, freqüentemente receosos tanto das ONGs quanto da burocracia estatal. As empresas podem, portanto, agir como facilitadoras desse diálogo, diz Adalgiso Telles, da Bunge. Assim, o GTS desenvolveu uma cartilha e um poster para explicar para os agricultores o que é a moratória e quais são as responsabilidades de cada elo da cadeia.

Bom para o agronegócio

Ainda é muito cedo para medir, ou até mesmo para estimar, os resultados desses esforços. Como os leitores do Eco já sabem, os números mais recentes indicam redução da área desmatada, mas há ferozes controvérsias quanto às causas do fenômeno. Paulo Adário, do Greenpeace, cita o caso de Santarém como indicador de que a moratória está surtindo efeito. A área plantada naquela região, onde a Cargill compra grão de em torno de 500 produtores, caiu em torno de 40% na última safra. Mas a avaliação dos resultados só virá numa conjuntura mais favorável à cultura de soja.

Os produtores rurais, afinal, respondem a estímulos econômicos. O GTS está levando isso em conta, e está estudando maneiras de compensar os proprietários de terra pelo desmatamento evitado, ou pelo provimento de serviços ambientais. Seria uma maneira de ajudá-los a respeitar a legislação que determina que 80% de suas propriedades não podem ser aproveitados para a agricultura. Por outro lado, esses agricultores devem contar com dificuldades cada vez maiores para vender produtos fora de conformidade com as exigências dos consumidores finais.

Ainda há, portanto, muito o que fazer no ano que resto de moratória. Lovatelli espera que não seja necessário prolongar esse prazo. Mas a possibilidade existe, pois parte dos seus objetivos depende da ação dos governos — federal e estaduais. O cadastramento das propriedades rurais, a regularização fundiária, o licenciamento ambiental das propriedades rurais e o zoneamento ecológico-econômico são ações necessárias e que não devem ocorrer tão rápido assim. Seja como for, o processo está lançado. O secretário Xico Graziano, presente na abertura da apresentação, lembrou que já defende há anos que o agronegócio brasileiro tem interesse na conservação da Amazônia e deve ser parceiro nos esforços de proteger o bioma — o que parece estar acontecendo, pelo menos no que diz respeito à soja. Esse esforço do GTS pode ser um exemplo para outras cadeias, um exemplo de uma indústria que, nas palavras de Paulo Adário, reconhece a sua responsabilidade, que reconhece a necessidade de observar aspectos sociais e ambientais para fazer negócios.

  • João Teixeira da Costa 176h12

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