Reportagens

Batalhas pela vida animal t2h2o

Mãe e filha movem mundos e fundos para salvar aves feridas por choques com edifícios e maus tratos no Distrito Federal. Silvana e Dandara contam que recebem cada vez mais pacientes.

Aldem Bourscheit ·
2 de dezembro de 2009 · 16 anos atrás
Silvana e Dandara com seus pacientes no pequeno
apartamento na capital federal. Foto: Antonio Cruz/ABr

Nascida em uma família de descendentes de italianos, Silvana Culetto (46) cresceu em uma chácara onde o Cerrado vicejava em verde e pássaros, animais que aprendeu a proteger desde os doze anos. Atropelado pelo crescimento humano e urbano, o sítio cedeu espaço aos prédios e casas do bairro Guará.

Hoje servidora pública federal, Silvana se viu quase sozinha no mundo quando o marido a deixou com a filha-bebê Dandara que, desde os três anos, demonstra o dom incomum de “acalmar” praticamente todo tipo de ave com que tem contato. A habilidade é fundamental para tranqüilizar os pássaros que chegam à porta do pequenino apartamento no Setor Policial Sul de Brasília, com pernas e asas quebradas por choques contra edifícios ou chutes de moleques. Eles chegam cegos, doentes, com bicos putrefatos por chicletes e cobertos de veneno, muitas vezes à beira da morte. “Hoje matam bichos pelo simples prazer de matar, mas meus pais ensinaram o inverso. Compaixão pela vida é cada vez mais rara nesse mundo globalizado e competitivo”, diz Silvana.

Ela conta que muitos pássaros são entregues por donos que não querem mais “preocupação” ou por gente que os encontra feridos pelas ruas do Distrito Federal, onde elas também circulam de olhos atentos. A dupla não tem preconceitos, trata de pombas e pardais a bem-te-vis, quero-queros, corujas, sabiás e muitos beija-flores.

A luta diária de mãe e filha pela vida dos emplumados é o tipo de ação vista como quixotesca, mas sua determinação parece irrefreável. “Quando um animal ferido chega, a qualquer hora do dia, tudo pára. Às vezes, viramos noites em claro. Nosso trabalho não é um fardo ou uma obrigação, a vida da ave está em nossas mãos. Se ela está viva, lutamos até o último momento. Quando uma de nossas ‘crianças’ morre, dói”, conta.

Enfrentando dificuldades financeiras e de moradia, tirando dinheiro do bolso para comprar remédios especiais e recebendo doações de comida e vitaminas da fabricante de rações Alcon, Silvana e Dandara já perderam a conta de quantas aves salvaram. “Contar interessa menos, interessa mais quem continua vivo”, ressalta a mãe.

Olhos bem abertos: filhote de coruja-buraqueira
em tratamento. Foto: Aldem Bourscheit

Quando em vez, veterinários amigos ajudam com tratamento e remédios. O governo do Distrito Federal nunca ofereceu apoio. Já o Ibama, levantou certa feita a possibilidade da atuação em um criadouro conservacionista, conta Silvana. Mas para isso, teria que abandonar seu projeto com mais de uma década, que percorreu os vários apartamentos onde a família morou. “É difícil encontrar parceiros que possam nos ajudar. Temos o dom de cuidar, mas nem tudo é milagre ou amor. Também precisamos da técnica, da experiência”, comenta.

No microapartamento lotado de móveis, encontraram espaço para gaiolas e aparelhos onde os animais em recuperação se exercitam. Quando a reportagem de O Eco ou por lá, há poucos dias, havia pombas, pardais, um quero-quero e um beija-flor, além de um filhote de coruja-buraqueira e outras aves em tratamento. Um prato de comida na sacada atrai inúmeros visitantes durante o dia. “Muita gente costuma oferecer água com açúcar ou mel em bebedouros, mas é preciso cuidado, porque a mistura quando fica estagnada cria fungos que atacam os bicos e a boca das aves”, avisa Silvana.

Ela também lembra que o crescimento urbano incontrolável no Distrito Federal aumenta o número de vítimas. “Não temos noção da devastação ambiental que isso está provocando. Cada pássaro que sobrevive hoje nesse meio é um herói”, disse a tratadora das aves, que a cada dia recebe mais pacientes.

Silvana também atua em palestras em escolas públicas e privadas e até se disfarça de lobo-guará em visitas ao Congresso (veja aqui) nos movimentos pela aprovação da proposta de emenda constitucional que reconhecerá o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais. “O idealismo abraça várias causas, tornando-se porta voz de quem não pode gritar por socorro”, ressalta.

“Não tenho intenção de discursar bonito. Sei que não tenho uma boa retórica e que nosso trabalho é de formiguinha, mas estou fazendo a minha parte, todos os dias. Por isso acredito que alguém nos ajudará, com uma proposta para construirmos um grande hospital veterinário voluntário. É meu maior sonho”, diz Silvana, cheia de esperança.

Criadora e criatura

Jovem estudante, Dandara Aiache Marcelle Culetto

Ladeada pela mãe, Dandara afaga um quero-quero com
a pata ferida. Foto: Aldem Bourscheit

aprendeu pequena os ensinamentos que a mãe recebeu dos avós. É consciência ada de geração em geração.

Segundo ela, crescer rodeada de aves lhe ensinou a reconhecer e respeitar as diferenças entre gente e animais. Também revela que não é “encantadora” de aves, como costumam lhe apregoar. “Elas apenas reconhecem quem lhes respeita e defende, e se deixam manusear”, disse.

Com cursos de Veterinária e Biologia no pensamento, “para ter conhecimentos mais amplos e atuar com outros animais, já que as pessoas não respeitam muito quem não tem diploma”, Dandara planeja seguir atuando como voluntária no socorro a aves e demais espécies e conta que outras pessoas nem sempre compreendem o trabalho da família. “Tem pessoas que entendem, outras que debocham. Mas só eu sei a experiência que tenho com os animais”, disse.

Contato do SOS arinho Caído no Ninho
[email protected] / (61) 9227-1688

Saiba mais:
Reflexo mortal é ignorado

  • Aldem Bourscheit 3f4l4o

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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