Reportagens

Desmatamento antecipado 2ju40

Mesmo antes de ficar pronta, ponte sobre o Rio Negro no Amazonas acelera desmatamento e crimes ambientais na margem direita do rio. Queimadas estão por trás da fumaça em Manaus.

Vandré Fonseca ·
15 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás
Desmatamento causada por especulação imobiliária nas proximidades de Manaus (foto: Mario Cohn-Haft)
Desmatamento causada por especulação imobiliária nas proximidades de Manaus (foto: Mario Cohn-Haft)

Por enquanto a futura ponte Manaus e Iranduba ainda é uma grande linha de gigantescos pilares que atravessa o Rio Negro. A inauguração, segundo a previsão oficial, só deve ocorrer em dezembro do ano que vem. Mas os impactos da obra já são sentidos, e muito, na margem direita. Este ano, o desmatamento e o número de focos de calor detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) voltou a crescer, após terem praticamente sido nulos no ano ado.

Em 2008, apenas 1,9 Km2 de matas primárias foram destruídas. Até setembro deste ano, já tinham sido 5 Km2. Nem o fato de a área do município estar sobre uma Área de Proteção Ambiental não serviu para que este crescimento tenha sido organizado ou respeitado às leis ambientais.

“A ponte é necessária. A cidade precisa de espaço para crescer. Manaus espremida entre os rios Negro e Tarumã, com a Reserva Ducke do outro lado. Mas não podemos repetir do outro lado, os mesmos erros cometidos aqui, como invasões de terra”, afirma o o pesquisador José Glauco da Costa Nascimento, professor da Universidade do Estado da Bahia.

José Glauco veio a Manaus fazer doutorado sobre regeneração florestal no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e acompanha a situação em Iranduba. Para ele, o grande problema é falta de governança, ou seja, de uma ação eficaz do estado para evitar os impactos negativos da obra.

Até o ano ado, a maior parte do desmatamento do município era relacionado ao consumo de madeira para olarias, que ainda preferem consumir madeira da mata nativa ou de áreas em regeneração à reposição florestal. Mas no ano ado, o apetite das fábricas de tijolos por florestas foi freado por operações do Ibama e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). “A diferença é que agora as árvores estão virando fumaça antes de ir para as olarias”, afirma o pesquisador.

Focos de queimada

A nuyvem de fumaça que afeta Manaus (foto: José Glauco)
A nuyvem de fumaça que afeta Manaus (foto: José Glauco)

O cronograma de construção da ponte foi oficialmente adiado. De março de 2010, ou para dezembro do próximo ano. E o orçamento foi igualmente alongado, de R$ 600 milhões, para quase R$ 1 bilhão. Por enquanto, a ponte com 3 quilômetros de extensão não a de uma linha de enormes pilares de concreto e aço que atravessa o Rio Negro. Os impactos, porém, não foram deixados para depois. O desmatamento não inclui áreas de floresta que estavam em regeneração e agora viram abaixo novamente.

Mas um outro dado demonstra este avanço da devastação sobre Iranduba, o número de focos de calor registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os registros de queimadas com mais de um hectare vinham crescendo durante esta década, mas caíram caiu no ano ado. Este ano, voltaram a crescer este ano. Em 2007, foram 20 focos. No ano ado, apenas 3. Até setembro de 2009, 32 focos de queimadas. E nem todas as queimadas são registradas pelos satélites. Algumas são pequenas demais para serem identificadas, além disso a nebulosidade também atrapalha a identificação.

Para José Glauco, são as queimadas ocorridas no entorno de Manaus, como em Iranduba, que formam a fumaça que tem coberto a cidade frequentemente durante a estação seca deste ano. Municípios como Careiro da Várzea e Presidente Figueiredo também tiveram aumento no número de focos de calor registrados. O município tinha apenas 14% de sua área desmatada no ano 2000. Este índice ou chegou a 20,21% no ano ado. Já são mais de 450 Km2 de floresta desmatada em Iranduba, que possui 328,3 Km2 de área. José Glauco aponta também problemas no licenciamento da obra. O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impactos no Meio Ambiente (EIA-Rima) levou em consideração os efeitos que seriam sentidos a apenas cinco quilômetros da obra, mas os efeitos da ligação direta entre Manaus e Iranduba chegam muito mais longe.

Casa incendiada

Sítio de pesquisador do INPA queimado na área de influência da nova ponte (foto:Mario Cohn-Haft
Sítio de pesquisador do INPA queimado na área de influência da nova ponte (foto:Mario Cohn-Haft

Há pouco mais de dez anos, o ornitólogo Mário Cohn-Haft e um grupo de amigos do Instituto Nacional da Amazônia (Inpa) comprou um sítio do outro lado do rio. Eles construíram uma casa de madeira, com dois andares, com vista para a mata preservada e para o Rio Negro. Mas há dois anos, começaram a ter dor de cabeça, problemas que culminaram em um incêndio criminoso que destruiu a casa do sítio, no sábado dia 4 de dezembro. A casa virou cinzas. Equipamentos da cozinha foram transformados em metal retorcido. Os proprietários bem que tentaram no dia seguinte registrar o crime na delegacia de Iranduba, mas não encontraram delegado de plantão.

Os criminosos chegaram a mandar um recado para o caseiro sair de lá. “Ele não saiu e chegou a ouvir homens chegando e conversando sobre o que iriam fazer, se era só para queimar a casa ou iam pegar o caseiro também. Aí, ele fugiu escondido. Não viu ninguém mas ouviu”, conta o pesquisador do Inpa.

Os problemas começaram durante a última campanha eleitoral, quando foi criado um loteamento ao lado do sítio, com o sugestivo nome de Residencial Portelinha. No “conjunto” Portelinha, não existe nenhuma identificação que possa levar a acreditar que se trata de um empreendimento regular. Os lotes têm o tamanho de terrenos urbanos e não existem informações sobre Corretores Imobiliários, proprietários ou licenciamento ambiental.

Os responsáveis pela distribuição de terras têm pressionado moradores antigos e donos de sítio para aumentar o tamanho do loteamento. Queimadas avançam na terra dos outros, colocando pessoas em perigo e destruindo o que ainda existe de mata. Nos sítio de Mário Cohn-Haft e amigos, até marcos de limites colocados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foram destruídos.

DESMATAMENTO E FOCOS DE CALOR
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Leia carta enviada por Mario Cohn-Haft sobre o incêndio de seu sítio

  • Vandré Fonseca 5j195d

    Jornalista especializado em Ciências e Meio Ambiente.

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