Reportagens

Café com aroma à floresta o111d

Conservação Internacional promove projeto no Peru para neutralizar destruição do Bosque de Alto Mayo. Café é o protagonista da história.

Ramiro Escobar ·
6 de dezembro de 2012 · 12 anos atrás
Alguns troncos, jogados por ai no meio de uma trilha que sobe pela montanha carregada de vegetação, tentam bloquear a rota, mas ao mesmo tempo abrem a história tormentosa deste ecossistema. Estamos em Águas Verdes, perto do Bosque de Proteção Alto Mayo, no nordeste do país, onde o desmatamento ainda se esconde.

Bosque abaixo. Durante anos as árvores desta área protegida foram derrubadas compulsivamente, para realizar agricultura. Mas essa tendência começa a se reverter. Crédito: © Foto por CI/Carmen Noriega

Essas árvores foram derrubadas com objetivos nada santos, esmagando a lei natural e também a oficial. Estão ali, sangrando, para que alguns invasores da área plantem café sem medida nem clemência, sem pôr nem uma colher de esperança ao entorno. Mas um pouco mais acima da montanha, começa a haver um aroma diferente, conforme relatos do agricultor Segundo Guevara.

O que mudou aqui, nesta parte alta, aonde chegamos suados logo de quase arranhar a ladeira e o barro? Guevara é a cabeça de uma das 240 famílias produtoras de café que, de certo modo, aceitaram sua culpa invasora e ao mesmo tempo buscaram uma solução: assumir um “Acordo de Conservação” para não continuar destruindo árvores sem piedade.

Este acordo, promovido pela ONG Conservação Internacional, é assinado voluntariamente com a istração do Bosque Alto Mayo, e implica uma série de benefícios e também compromissos. É uma forma de neutralizar a degradação desta área protegida, criada em 1987 em um território de 182 mil hectares cheios de espécies como as madeiras mogno e cedrorama.

Outro café. Segundo Guevara, corta uma planta de café, de acordo com o “pacote técnico” da Conservação Internacional. Cuida a floresta e mantém sua família. Crédito: © Foto por CI/Carmen Noriega
Também encontramos alucinantes orquídeas, que vivem escondidas nas ramas da floresta nublada. “Agora eu cuido essas árvores e meu café é melhor”, conta Guevara no meio de uma tarde ensolarada, apesar de alguns indícios de chuva. Sua conversão, de simples invasor para agricultor conservacionista, está ligada a um vantajoso “pacote técnico”.

Como explica Máximo Arcos, engenheiro da Associação de Ecossistemas Andinos – uma das organizações que colabora no projeto – se trata de dar aos produtores de café uma série de instrumentos que lhes permitam continuar cultivando café. Mas que, ao final, funcionam “a favor do Alto Mayo”.

O pacote implica, por exemplo, uma contínua presença de técnicos que assessoram Guevara para a poda do café no momento adequado (para evitar que a planta se esgote cedo), para não usar herbicidas, e para que busque alianças com espécies de árvores nativas, a través da agroecologia. Tudo isso para que, em total, não emigre em busca de mais floresta para derrubar.

Não é uma situação ideal, mas dada a carência – durante anos – de guarda-parques que pudessem frear a invasão desta área protegida, aparece como uma solução viável. Existem quase três mil famílias que moram dentro do Bosque de Proteção Alto Mayo, cultivando especialmente café, e ocupando o lugar de árvores que eles mesmos derrubaram. Mas 240 dessas famílias estão se reinventando.

A família de Segundo Guevara é uma delas: eles já não se mudam em busca de lugares para desmatar e plantar, e até foram beneficiados economicamente. De um hectare de café, graças ao pacote técnico, eles podem tirar até 50 sacos de 46 quilos (quintais) de café, que serão vendidos por pelo menos R$ 200 cada um.

O café, além disso, é o produto estrela da região peruana de San Martín. A produção, de acordo com o economista Dennis Pereyra, em declarações à agência Inforegión do Peru, pulou de 3.996 toneladas em 1995 para 48.548 toneladas em 2009. Grande parte é “café orgânico”, que se exporta à Bélgica, Alemanha e Estados Unidos, de acordo com a Gerência de Desenvolvimento Econômico do governo de San Martín.

Em toda a região são 27 mil as famílias que cultivam café, embora não todas o façam na lógica ambiental. Levando em conta que o 75% da mencionada região corresponde a áreas protegidas, a iniciativa de Conservação Internacional procura que não só o Bosque de Alto Mayo, mas todas as extensões de bosque possam alcançar padrões conservacionistas aceitáveis.

A região de San Martín, nos últimos anos, tem sido uma das regiões que mais se desenvolveu e reduziu a pobreza (60% em 2001, 35% em 2010, segundo o Instituto Nacional de Estadística e Informática). Mas também perdeu 230 mil hectares de florestas. O desafio parece ser o de alcançar o equilíbrio entre conservação e desenvolvimento.

De fato, ao redor de Tarapoto, a cidade mais comercial de San Martín, poucas são as manchas de bosques que ainda existem. O calor aumentou pela falta de cobertura vegetal, enquanto em outras zonas a presença de narcotráfico, e até alguns anos atrás, de grupos armados como o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (1) provocaram impactos sociais e ambientais.

“É mais conveniente para mim agora”, diz Guevara, lembrando como migrou desde Cajamarca, vizinha região de serra. O simples feito de já não ter que se mudar em busca de sustento já é uma vantagem em custo e sofrimento, para ele. Para a floresta é um alívio porque não será mais violado; e um benefício para o Estado, às vezes incapaz de cuidar seus ecossistemas.

Que as árvores do Bosque de Proteção Alto Mayo continuem em pé tem, finalmente, uma utilidade indispensável para a população da região San Martín. Como explica Karina Pinasco, diretora da associação Amazônicos pela Amazônia, como precisão e sabedoria humana, a cobertura vegetal “conserva a água”, e faz que o ciclo vital continue.

Se a floresta é derrubada, a água não corre, e não alimenta o solo e as vertentes da zona, incluídos os rios. A perda é para todos, seres humanos, plantas, árvores, orquídeas. Também para as 420 espécies de aves, as 50 de mamíferos, ou as nove espécies de anfíbios e répteis que existem só nesta floresta.

No final da tarde uma linda “tangara de bufanda amarilla”, ave típica da região de nome científico Iridosornis reinhardti, parece cruzar o céu da floresta, ignorante das ameaças que rodeiam ela e esta selva. Os “acordos de conservação”, entretanto, começam a emergir como uma lenta esperança que vai chegando e abrindo espaço, como esse sol que, agora silencioso, aparece entre as nuvens de Alto Mayo.
(1) O MRTA era o Movimento Revolucionário Túpac Amaru, grupo que desde 1980 realizou atos de violência armada em Peru, e que teve intensa atividade na região de San Martín.

Figura 3. Imagens de satélite produzidas pela NASA mostram as grandes alterações na paisagem decorrentes das atividades de mineração artesanal conduzidas entre 2003 e 2011 na região de Madre de Dios. Fonte: UNEP, CATHALAC.
  • Ramiro Escobar 4y224v

    Jornalista especializado em temais internacionais e ambientais. Atualmente é colunista do diário La República e colaborador, ...

Leia também 1b437

Reportagens
19 de maio de 2025

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 91ys

O setor e outras economias que assegurem ambientes naturais e populações locais precisam de mais investimentos e incentivos

Reportagens
16 de maio de 2025

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador 182e18

Nos últimos 30 anos, as três empresas que operaram o bloco 10 adotaram estratégias para fragmentar as comunidades e torná-las dependentes de suas atividades. Mas organizações indígenas resistem a essa pressão

Notícias
16 de maio de 2025

Desmatamento em Unidades de Conservação cai 42,5% em 2024 2c96d

Número é do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, feito pelo MapBiomas. Em Terras Indígenas, a redução foi de 24% no ano ado, em comparação com 2023

Mais de ((o))eco 386al

amazônia 245k3y

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador 182e18

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 301b22

Notícias

Cientistas descobrem espécie de peixe que vive solitária na Amazônia 63v30

Reportagens

Polícia do Amazonas aperta o cerco contra a exploração de animais silvestres 1pm63

icmbio u5v14

Notícias

Conheça os oito parques nacionais mais visitados em 2024 4h2g22

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 245z1d

Salada Verde

Enquete mantém alta rejeição a rebaixamento da Serra do Itajaí de parque para floresta nacional 1a2x3r

Análises

O direito dos Mbya Guarani de manejar seu território sobreposto pela Rebio Bom Jesus 1m3r3

fauna 4o414o

Salada Verde

Plataforma aborda tráfico de animais em três países 3e5d9

Notícias

Cientistas descobrem espécie de peixe que vive solitária na Amazônia 63v30

Notícias

Crise climática irá encolher o lar de anfíbios na América Latina 6vv6s

Reportagens

Os dois macacos brasileiros entre os mais ameaçados do mundo 3m1n

mata atlântica 3i6w4g

Notícias

Um jequitibá de 65 metros: conheça a maior árvore viva da Mata Atlântica 2k671g

Notícias

Crise climática irá encolher o lar de anfíbios na América Latina 6vv6s

Notícias

Desmatamento na Mata Atlântica reduziu, mas queda ainda é tímida, dizem especialistas b3f58

Reportagens

A tragédia do plástico num santuário de aves marinhas 6w284b

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.