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Solução natural 1q14o

Santa Rosa de Lima (SC), menor cidade do país nos anos 90, reverteu o êxodo rural investindo na agroecologia. Alunos de Turismo conheceram de perto essa lição.

Eunice Venturi ·
1 de outubro de 2004 · 21 anos atrás

Na Serra Geral catarinense, estão preservadas belas paisagens de Mata Atlântica. Santa Rosa de Lima, a 120 quilômetros de Florianópolis, é um dos municípios que gozam da privilegiada vizinhança da floresta e de sua fartura de rios.

Mas, até 1996, corria o risco de sumir do mapa. Sem oportunidades de estudo e trabalho, eles procuravam os grandes centros e não voltavam mais. E Santa Rosa de Lima – que segundo censo do IBGE em 1991 era o menos populoso município brasileiro, com 1.885 moradores – temia por seu futuro.

A preocupação da sociedade civil e do poder público deu início a um “processo de fortalecimento de alternativas para o município, por meio da organização solidária”, com um ingrediente indispensável: preservação. Da vida e da natureza. A partir daí, fundou-se a Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral (Agreco). Os produtores criaram pequenas agroindústrias de produtos variados como frango, queijo, leite, lingüiça, molho de tomate e mel. Em média, a cada quatro famílias formou-se uma agroindústria. Hoje elas totalizam 26.

Apenas quatro anos depois de iniciada a produção agroecológica em Santa Rosa de Lima, um novo censo do IBGE demonstrou o sucesso da transformação para o desenvolvimento da cidade. Em 2000, a população havia crescido para 2.007 habitantes.

A família Schimidt está na Agreco desde a fundação. Antes, cultivavam fumo, mas se cansaram da baixa rentabilidade e da cultura prejudicial à saúde e ao meio ambiente. O brometo de metila, agrotóxico muito usado no plantio do fumo, é 50 vezes mais prejudicial à camada de ozônio do que o CFC. A primeira atividade agroecológica da família foi a produção de hortaliças. Mas como a vida útil desses produtos é pequena e a distância de Santa Rosa das grandes capitais é grande – até a cidade mais próxima (Rio Fortuna), são 17 quilômetros de estrada de terra montanhosa –, os Schimidt abandonaram a produção. A situação se agravou com a falência da rede de supermercados que, na época, absorvia 80% de toda a produção da associação. Os sócios amargaram prejuízo, mas decidiram persistir na proposta agroecológica.


Além de preservar o meio ambiente, o frango orgânico rende mais que o convencional. O tempo de abate também é diferente: orgânicos são abatidos em 85 dias enquanto nas granjas não se costuma esperar mais do que 40 dias para dar cabo dos frangos. A compensação é feita por meio da alimentação com soja transgênica e hormônios que aceleram o crescimento, ingredientes que acabam entrando na dieta do consumidor. “Aqui se cria os chamados frangos felizes”, diz a professora e socióloga Valdete Daufemback Niehues, sobre o fato de os animais serem criados ao ar livre.

Valdete acompanhou, nos dias 11 e 12 de setembro de 2004, um grupo de 29 estudantes de Turismo do Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus (Ielusc), de ville, numa excursão para conhecer a experiência de Santa Rosa de Lima. Trata-se do primeiro curso de turismo do país com Ênfase em Meio Ambiente. Freqüentemente, os professores promovem “saídas de campo” com o objetivo de aproximar os estudantes da natureza. As atividades fazem parte do currículo e aliam a teoria à prática. “A partir dessas vivências, muitos alunos definem sua temática para o trabalho de conclusão de curso. Outros identificam áreas de interesse para a atuação profissional”, explica o professor José Afonso dos Santos Santil.

A agrônoma Thaise Costa Guzzatti, também professora da faculdade de ville, foi enviada à França, em 1997, com a missão de saber como os ses desenvolviam o turismo rural e, posteriormente, coordenar este trabalho em Santa Rosa. Isto porque a Agreco havia definido em seu planejamento estratégico a aproximação entre o produtor e o consumidor final. Ao eliminar os atravessadores consegue-se reduzir o custo destes alimentos, a principal dificuldade para torná-los competitivos no mercado.

Assim o agroturismo tornou-se outra fonte de renda para os moradores. A Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia foi fundada em 1998. Os turistas entram em contato com a associação e se hospedam nas casas dos agricultores. Os turistas ficam sozinhos nas residências, mas os proprietários preparam as refeições e, faz parte do roteiro, propiciam aos visitantes boas conversas ao pé do fogão de lenha, onde contam suas histórias e falam da experiência com a agroecologia. Atualmente a cidade tem quatro hospedarias desse tipo.

Segundo Thaise, é importante observar que os projetos de agroindústria, agroecologia e agroturismo não são isolados, mas complementam-se pelo desenvolvimento sustentável da localidade. “É o turismo que está divulgando o nome da Agreco”, ressalta a professora Valdete. Para Leonilda Boeing Baumann, que também trocou o plantio de fumo pela agroecologia e hoje coordena a Acolhida na Colônia, a atividade traz como efeito positivo o envolvimento dos jovens: “Eles gostam de trabalhar com o turismo rural”.

Desde 2001, Leonilda é sócia, com o irmão e mais três pessoas, de um condomínio de mel. Conseguiram um financiamento de R$ 25 mil do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF) e atualmente vendem em torno de 3.500 quilos de mel por ano. A pousada Vitória gera à família uma renda suplementar de R$ 1.500 a R$ 1.800 mensais. Durante o ano de 2003, a pousada recebeu cerca de 1.100 turistas.

Ao final da excursão, os estudantes falaram do convívio com os agricultores. Jane D’Aquino, da sexta fase, surpreendeu-se com o resgate de alguns valores, como a confiança: “Eles nos deram suas casas para ficarmos com todos os seus pertences dentro”. Foi ressaltada a importância das mulheres, que conduzem os trabalhos seja na agricultura ou no turismo. “Foi muito bom, criamos vários laços de amizade”, relata o professor Santil.

Mais duas “saídas de campo” estão programadas para outubro e novembro. Os futuros profissionais do ecoturismo vão conhecer a Serra Gaúcha e a Ilha do Mel, no Paraná.

  • Eunice Venturi 6zx1t

    Eunice Venturi é jornalista, catarinense de formação. Experiência na produção de conteúdos sobre a Amazônia e a Mata Atlântica.

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