Reportagens

ALMT derruba veto ao projeto que proíbe construção de usinas no Rio Cuiabá 1g1w58

Derrubada ocorre após mobilização popular pela preservação do rio, que é considerado um dos principais abastecedores do Pantanal

Michael Esquer ·
24 de agosto de 2022 · 3 anos atrás

Os deputados estaduais da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) derrubaram, nesta quarta-feira (24), por 20 votos a 3, o veto do governador Mauro Mendes (União Brasil-MT) ao projeto de lei (PL) nº 957/2019. Com isso, fica proibida a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e usinas hidrelétricas (UHE) em toda a extensão do Rio Cuiabá, que é considerado um dos principais abastecedores do Pantanal. O feito ocorre em meio à mobilização que tomou conta das cidades banhadas pelo curso d’água, onde organizações socioambientais, ribeirinhos, parlamentares e diversos outros setores da sociedade civil se uniram contra um projeto que prevê a construção de seis PCHs em um trecho de 190 km do rio, na área de seis municípios mato-grossenses. 

“Alguns alegam que o projeto que propõe a proibição de hidrelétricas no Rio Cuiabá é inconstitucional. O projeto não é inconstitucional, é só fazer uma leitura rasa na Constituição Federal. […] É responsabilidade, sim, do parlamento estadual de Mato Grosso proteger o Rio Cuiabá. Ninguém nunca privatizará o Rio Cuiabá, um rio de todos, um rio de Mato Grosso, é da história, é dos pescadores”, discursou o deputado estadual Wilson Santos (PSDB-MT), autor do PL, ao mencionar o inciso VIII da Constituição Federal, que prevê que compete aos Estados a responsabilidade por dano ao meio ambiente

A sessão ordinária que discutiu o veto a proposta foi acompanhada por cerca de 300 pessoas, que lotaram o plenário Renê Barbour. Entre os manifestantes, também estavam pescadores das oito colônias das cidades banhadas pelo Rio Cuiabá. A ((o))eco, Jeandra Santos Barros Vilela, presidente da colônia de pescadores Z9, em Barra do Garças (MT), disse que a construção de usinas no Rio Cuiabá é um temor de todos os pescadores que dependem do curso d’água para desenvolver a sua atividade mais essencial, que é a pesca. 

“Nós batalhamos [contra as PCHs] porque só beneficia uma categoria e as outras, principalmente a categoria de pescador profissional, fica sendo a mais prejudicada no Rio Cuiabá, no nosso Pantanal. Onde tem uma usina, vem o período de escassez da água, o peixe não sobe, vem a escassez do pescado. O que que acontece? O pescador não vai ter onde tirar sua fonte de renda, o pescador, o ribeirinho, o que tá embarcado, o que tá desembarcado, vai prejudicar principalmente essa categoria”, afirmou. 

Foto: Michael Esquer.

Para Nilma Silva, presidente da Associação do Segmento da Pesca do Estado de Mato Grosso (ASP-MT), a reversão do veto é uma vitória de toda a população que é banhada pelo rio nas diferentes cidades mato-grossenses. “Isso é uma vitória sem dúvida, é a vontade do povo de dar vida a esse rio, que tem uma carga cultural gigantesca, que sustenta milhares de famílias. Aqui foi provado que a união do povo faz a diferença”, completou. Também estiveram presentes na sessão ordinária: SOS Pantanal, ONG Ecoa (Ecologia e Ação), Instituto Gaia, Fundação Ecotrópica, o grupo conservacionista Panthera, Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc), entre outras organizações que integram o Observatório Pantanal – coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil, Bolívia e Paraguai.

O Projeto e o veto  n1w4u

O PL nº 957/2019 foi aprovado em maio deste ano, com 12 votos favoráveis. Em julho, porém, o governador do Estado vetou integralmente a proposta. Para a reversão da medida eram necessários, no mínimo, os votos de 13 dos 24 deputados estaduais, o que foi alcançado na sessão ordinária desta quarta, onde 20 parlamentares votaram pela derrubada do veto. 

Em seu veto, Mauro Mendes (União Brasil-MT) justificou que a medida tinha sido tomada com base em parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE-MT), emitido a seu pedido. O documento apontou inconstitucionalidade da lei por interferir em competências que seriam da União e do Poder Executivo, como a legislação de recursos hídricos e a proteção ambiental. 

“Interfere na competência privativa da União para legislar sobre águas, violação ao art. 22, IV da CF (Constituição Federal), bem como, na competência material para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão aproveitamento energético dos cursos de água; instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”, dizia trecho do veto.

Na última semana, porém, o Formad protocolou uma nota técnica na Mesa Diretora e Procuradoria da ALMT para rebater a justificativa apresentada pelo chefe do Executivo Estadual. “O PL não legisla sobre as águas, mas sim sobre a proibição de novas UHEs/PCHs, ou seja, legisla sobre a tutela do meio ambiente mediante a proibição de construção de empreendimentos hidrelétricos no Rio Cuiabá, com o objetivo de recuperação da integridade ecológica deste rio, condição sine qua non para o gozo dos direitos fundamentais da população local, conforme objetivo apontado na proposta legislativa em questão. Portanto, não se está legislando sobre as águas de forma geral, mas sobre a tutela do meio ambiente em contexto regional, motivo pelo qual não há interferência na competência privativa da União para legislar sobre águas, uma vez que não é o caso do PL n° 957/2019″, diz trecho do documento entregue à ALMT. 

No mês ado, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT) também manifestou, publicamente, o seu apoio à proposta e demonstrou preocupação com o veto do governador. O órgão destacou que a aprovação do PL ocorreu após intenso debate e sem nenhum voto contrário e também apontou que a matéria foi uma resposta direta ao processo de licenciamento do projeto que prevê a construção de um complexo de seis PCHs ao longo do Rio Cuiabá. “Os estudos científicos e o conhecimento cultural e popular ribeirinho apontam que, a continuidade do projeto afetará o pescado, um símbolo cultural da baixada cuiabana e do Estado, bem como a própria vida do rio, um atributo ambiental que se mistura à própria formação sociocultural e econômica da baixada cuiabana”, disse o órgão.

Sobre as usinas 2m6tj

Proposto pela Maturati Participações S.A. e Meta Serviços e Projetos LTDA, o complexo de seis PCHs está previsto para ser instalado em um trecho de 190 km do Rio Cuiabá, em áreas de seis municípios mato-grossenses: Cuiabá, Várzea Grande, Jangada, Nobres, Acorizal e Rosário Oeste. A Bacia do Alto Paraguai (BAP) já tem 47 hidrelétricas em operação e mais de 130 projetos de PCHs que miram rios que, assim como o Cuiabá, atuam na regulação dos ciclos de cheia e vazante do Pantanal. 

Estudo de impacto de hidrelétricas na BAP, feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), caracteriza o rio como zona vermelha para implantação de empreendimentos hidrelétricos, principalmente pelo papel importante de manutenção do bioma pantaneiro. 

A investigação também concluiu que 89% dos peixes do Rio Cuiabá são de piracema, ou seja, são migradores, que transitam entre o curso d’água e o Pantanal. O rio é ainda responsável pela produção do maior número diário de ovos de peixes migradores durante a piracema entre todos os cursos d’água da BAP.

Conforme especialistas consultados por ((o))eco, a construção de seis usinas no Rio Cuiabá ainda pode interromper o fluxo de peixes entre o curso d’água e o Pantanal, reter em até 90% o transporte de sedimentos para o bioma, acelerar o processo de erosão das margens do rio e impactar a cadeia econômica das cidades que dependem da pesca na região. 

  • Michael Esquer 24f2t

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com agem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

Leia também 1b437

Notícias
6 de julho de 2022

Governador do MT veta projeto que barrava construção de usinas no Rio Cuiabá 5d145o

Considerado uma das principais veias de abastecimento do Pantanal, o curso d'água é alvo de um complexo de seis pequenas centrais hidrelétricas. Parlamentares organizam reversão do veto

Salada Verde
23 de agosto de 2022

Manifestação na ALMT irá cobrar derrubada de veto a projeto que proíbe usinas no Rio Cuiabá 4u6x6y

Ato acontece antes da sessão que deve discutir o veto na ALMT. Mobilização para barrar os empreendimentos integra organizações socioambientais, representantes da pesca e sociedade civil

Reportagens
10 de agosto de 2022

Complexo ameaça uma das últimas regiões livres de barramentos nas nascentes do Pantanal 4n1q1t

Rio Cabaçal é alvo de projeto que prevê a construção de quatro PCHs e duas CGHs. Fragilizada pelo assoreamento, bacia do curso d'água pode sofrer com fortes impactos na qualidade da água

Mais de ((o))eco 386al

Rio Cuiabá 2j6e6c

Análises

A questão da pesca e o falso discurso da sustentabilidade 1m1t3

Salada Verde

Projeto de Mendes é mencionado em recurso para construção de usinas no rio Cuiabá 6ty6l

Notícias

Sema indefere licença de usinas no rio Cuiabá 5y2r6s

Notícias

Pantanal: STF invalida lei que protege rio Cuiabá 2n39g

política ambiental 5n5325

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Notícias

Transição energética entra de forma discreta na terceira carta da Presidência da COP30 161u3k

Análises

Que semana, hein? 6s4y4a

Análises

Pela transição energética Norte-Sul pactuada na COP30 3t5v4u

pantanal 5tmx

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2p2j4c

Análises

O que cai do mundo não volta mais 6f5m5a

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal 3y332h

Reportagens

Hidrovia trará mais desmate, agro e mineração ao Pantanal e ao Cerrado 1b2v44

unidades de conservação 4x4ed

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 3k1x1u

Colunas

Mercantilização e caos no licenciamento ambiental brasileiro 6y4jn

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 38r1b

Salada Verde

Ação prende casal que capturou macaco-prego no Parque Nacional da Tijuca 5o2g6f

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.