Reportagens

As expedições à ‘Calha Norte’ 29u4l

Por Adriano Gambarini

Adriano Gambarini ·
16 de abril de 2010 · 15 anos atrás

Em novembro de 2008 sou contatado pela Conservação Internacional para participar de uma expedição realizada no norte do Pará. A empreitada consiste em voar para Roraima, viajar até Caroebe, próxima à divisa do Pará, numa van-lotação entre buracos em estradas; o tempo de duração ficará à mercê do humor das intempéries naturais. Dali seguir de helicóptero durante uma hora até algum ponto remoto próximo à fronteira do Pára com Guiana. Uma clareira parcialmente aberta numa encosta menos íngreme da geografia montanhosa da região permitirá o o ao acampamento no meio da floresta amazônica. Efetivamente serão 3 dias de deslocamento para ar 4 dias lá dentro, ‘sabe-lá-Deus-onde’. Loucura? Talvez, mas meu sentimento diz que valerá a pena…

Em janeiro de 2009, um chamado da Secretaria do Meio Ambiente do Pará, e sigo para uma nova etapa das sete expedições já programadas para o norte do Estado. O esquema logístico não será diferente: vôo para Belém, de lá para Santarém; uma ‘pequena’ troca de confortos e embarco num sobrevôo de 1 ½ hora dentro de um monomotor cujo destino é uma pista de pouso aberta num acampamento da Mineradora Rio Tinto. Mais uma hora dentro de um helicóptero, sobrevoando floresta e mais floresta, e uma pequena clareira aberta nos aguarda. A partir disto, o contato com o mundo exterior será apenas por telefone satelital, durante quase um mês.

A impecável organização, estrutura dos acampamentos e o bom-humor permanente dos mateiros – povo amazônico contratado para nos ajudar em campo, são os ingredientes necessários para o sucesso de empreitadas como esta. Afinal, durante todo este tempo conviverão cerca de 30 pessoas, de diversas áreas da ciência, no intuito de um detalhado mapeamento da biodiversidade desta área de quase 22 milhões de hectares. Trata-se do maior mosaico de Unidades de Conservação e floresta tropical preservada do mundo, conhecida simplesmente como Calha Norte. Um verdadeiro laboratório vivo, intocado, e assim como diversas outras áreas da Amazônia separadas pelos grandes rios, desenvolveu uma fauna e flora únicas, uma grande região de endemismo conhecida como Guiana.

Contudo, a surpresa sobre esta região não está apenas no que está por se descobrir, absolutamente TUDO do ponto de vista cientifico, mas o que temos diante dos nossos olhos. Ao invés de uma planície florestal cortada por extensos e largos rios, imagem já consolidada sobre nossa Amazônia, ali se encontram escarpas montanhosas entrecortadas por pequenos rios encachoeirados, lajedos rochosos cobertos com placas lateríticas, arvores tortuosas e vegetação rasteira típica de Cerrado. Este cenário por si só já se torna um grande atrativo para os pesquisadores, pois possibilita a descoberta de espécies endêmicas e/ou novas, e comprova a teoria dos refúgios florestais, onde as antigas savanas dos períodos remotos de secas foram gradativamente dando lugar à floresta. Uma imensa floresta.

Nas duas expedições minha função é, além da fotografia da fauna e flora local e dos fantásticos cenários que se descortinam à nossa frente, documentar o dia-a-dia dos pesquisadores; como trabalham, suas especialidades e quais seus anseios diante de um lugar inexplorado. E apesar de cada um priorizar suas atividades técnicas, entre herpetologia, ictiologia, ornitologia, mastofauna e botânica, todos trabalham de forma coesa. Assim, é comum ver a equipe de ictiologia, por exemplo, voltar dos igarapés com a coleta de curiosos anfíbios. Esta solidariedade e comunhão de interesses tornam o trabalho mais alinhado, aliviando assim as dificuldades da rotina de um acampamento “selvagem”. Sim, pois apesar da impecável estrutura do acampamento, gerador, telas anti-mosquito ao redor do laboratório e uma equipe de campo sempre pronta a nos ajudar, o dia-a-dia tem tudo que uma floresta tropical oferece: insetos intrusos e nada bem-vindos como as ‘tatuquiras’ – mosquito que transmite a leichmaniose; cobras peçonhentas cruzando entre as redes, necessidades fisiológicas nos buracos cavados no chão, umidade extrema e muito calor. Mas a grande e excitante possibilidade de ser uma região ‘nunca dantes caminhada’ ameniza qualquer cansaço ou angustia por isolamento.

Obviamente um ou outro índio nômade talvez tenha ado ali, mas considerando que a estimativa de população local não chega a 5 mil numa área equivalente ao Estado de São Paulo, não é ousadia supor que somos os primeiros humanos a pisar naquelas terras. Terras onde a grilagem e ganância humana ainda são incipientes, os macacos-aranha e outros primatas ainda nos olham curiosos, onde o rastro de felinos é quase diário entre árvores de copas a se perder de vista nas alturas. Onde as infindáveis espécies de pássaros ‘disputam’ um espaço sonoro com os sapos e pererecas no silêncio da floresta. Terras onde uma bruma úmida se desarma a cada manhã, e os raios tímidos de sol trazem a certeza de que ali ainda existe espaço para a vida se multiplicar e se transformar a cada instante.

Veja vídeo com entrevista de Adriano Gambarini sobre a experiência de fotografar as expedições à Calha Norte.

Adriano Gambarini é fotógrafo há 18 anos. Formado em Geologia, espeleólogo e mergulhador, é membro do Conselho do Pró-Carnívoros, fotografa para WWF, TNC, CI e Terra Brasilis. É autor de oito livros fotográficos e dois de poesia, possui 80 mil imagens de biodiversidade e cultura do Brasil, Antártida e 17 países.

  • Adriano Gambarini 3k4v5k

    É geólogo de formação, com especialização em Espeleologia. É fotografo profissional desde 92 e autor de 14 livros fotográfico...

Leia também 1b437

Reportagens
27 de maio de 2025

Ajustes em trilha podem melhorar sua função de corredor ecológico no Cerrado 4k6c5j

Desenho estratégico de 'rodovias verdes' colabora ainda mais para conservar espécies animais e de plantas, mostra estudo

Notícias
27 de maio de 2025

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

Incidência de animais da espécie, invasores nas águas do País, pode chegar a 60% das unidades de conservação marinhas até 2034

Colunas
27 de maio de 2025

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 6m1s35

No litoral pernambucano, mulheres negras das áreas de ecologia, evolução e ciências marinhas se reuniram para afirmar seus saberes, romper o isolamento acadêmico e construir um novo horizonte para a ciência com justiça, afeto e pertencimento

Mais de ((o))eco 386al

cidades 612752

Notícias

Jardim de Alah, no Rio, terá manifestação neste sábado contra corte de árvores 3g1g1g

Reportagens

Crise global, soluções locais 504a6z

Reportagens

A urgência da adaptação climática 1m2t16

Reportagens

(in)justiça ambiental, para além de um conceito  572n6r

conservação 4u55e

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2p2j4c

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 22263e

Análises

Que semana, hein? 6s4y4a

icmbio u5v14

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Notícias

Conheça os oito parques nacionais mais visitados em 2024 4h2g22

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 245z1d

Salada Verde

Enquete mantém alta rejeição a rebaixamento da Serra do Itajaí de parque para floresta nacional 1a2x3r

desmatamento 5h2z4x

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2p2j4c

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 22263e

Análises

Que semana, hein? 6s4y4a

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.