Reportagens

Até 2100, mais de 80% das espécies de anfíbios do Pantanal e entorno perderão áreas adequadas 2v462j

Estudo realizado por pesquisadores do Brasil e da Suíça prevê que, mesmo em cenário otimista de emissões de gases do efeito estufa, haverá perda em 99% da área da bacia do Alto Paraguai

André Julião ·
21 de fevereiro de 2025
  • Publicado originalmente por Agência Fapesp 1l5r11

André Julião | Agência FAPESP* – Estudo publicado no Journal of Applied Ecology aponta que a bacia do Alto Paraguai, que inclui o Pantanal e seu entorno, pode perder quase todas as áreas adequadas para a vida de anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) até o fim do século.

Ao cruzar um banco de dados sobre localização das espécies da região com as projeções climáticas para 2100, pesquisadores do Brasil e da Suíça concluíram ainda que mais de 80% das espécies desse grupo perderão áreas adequadas.

Segundo as projeções, as extinções locais devem afetar 99,87% da bacia no cenário otimista de emissões de gases de efeito estufa, em que se manteriam os níveis atuais. No cenário pessimista, com um aumento de emissões, 99,99% da região sofreria com perdas de espécies.

O trabalho teve como primeiro autor Matheus Oliveira Neves, que o realizou durante doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

Segundo a pesquisa, as unidades de conservação integral, que correspondem a meros 5,85% do território, protegem, em média, menos de 5% da distribuição geográfica dos anfíbios.

Em 2022, como estratégia para frear a extinção de espécies, a Convenção da Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou que 30% da superfície terrestre fosse coberta por áreas protegidas até 2030.

Atualmente, esse índice é de 17%, e engloba tanto unidades de conservação como terras indígenas.

Considerando os dados sobre biodiversidade de anfíbios, os autores do estudo propõem a criação de novas unidades de conservação na bacia do Alto Paraguai, em locais que serão mais adequados no futuro para esse grupo de animais, altamente dependente da umidade.

“As unidades de conservação de proteção integral atualmente protegem muito pouco as espécies de anfíbios do Pantanal, a maior planície inundável do mundo. É preciso expandir as áreas protegidas, considerando o cenário de um futuro mais quente e seco”, conta Mario Ribeiro Moura, que coordenou o estudo durante o período que ou como pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), onde foi apoiado pela FAPESP.

Atualmente, Moura é professor na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). No estudo, seu grupo considerou dois cenários de mudanças climáticas, seguindo as projeções do Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No otimista, as emissões seguiriam as mesmas do presente, o que acarretaria um aumento de 2 °C na temperatura média global até 2100. No pessimista, com um aumento das emissões, a elevação seria de 4 °C.

Foram utilizados mais de 4 mil registros de ocorrência das 74 espécies de anfíbios conhecidas da bacia do Alto Paraguai, que além do Pantanal, no Brasil, inclui partes do Paraguai e da Bolívia.

O sapo-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus fulvogutatus) pode desaparecer do Pantanal devido às mudanças climáticas. Foto: Diego Santana.

Futuros possíveis 6a654r

As poucas áreas que seriam adequadas para abrigar anfíbios no futuro, tanto no cenário otimista quanto no pessimista de emissões, se encontram atualmente no norte da bacia do Alto Paraguai, na transição com o Cerrado, próxima a Cuiabá (MT), e no sudeste da região, perto de Campo Grande (MS), além da parte sudoeste, próxima ao Chaco paraguaio

Imagens aéreas da paisagem do Pantanal da Nhecolândia, no Mato Grosso do Sul: clima quente e seco prejudica espécies dependentes da umidade. Foto: Karoline Ceron

Entre as áreas protegidas atuais, nenhuma demonstrou uma riqueza de anfíbios maior do que a esperada para o cenário climático presente, embora seis delas (8,2%) tenham uma riqueza significativamente menor do que se esperava. A comparação foi feita com áreas não protegidas, de igual tamanho e formato, escolhidas aleatoriamente.

As projeções para o futuro indicam ainda um ganho de espécies maior do que o esperado em cinco delas (6,8%) no cenário otimista e em três (4,1%), no pessimista. No entanto, em duas e três (2,7% e 4,1%), respectivamente nos cenários otimista e pessimista, a perda de espécies é maior do que se esperaria.

“Em resumo, apenas 13,7% das áreas protegidas atuais na bacia do Alto Paraguai demonstram um potencial de abrigar mais ou perder menos espécies em pelo menos um cenário futuro. A maioria dessas áreas são terras indígenas”, explica Moura.

Embora os pesquisadores defendam a criação de novas unidades de conservação integral e a ampliação das atuais, eles ressaltam a necessidade de mitigar os impactos de práticas agropecuárias inadequadas e promover a restauração de ecossistemas aquáticos.

“Enquanto o Acordo de Paris previa conter o aumento da temperatura global em 1,5 °C até o fim do século, já experimentamos esse patamar em 2024. A mudança no modelo econômico, atualmente baseado em consumo de combustíveis fósseis, precisa ser radical para mitigar os impactos da catástrofe climática sobre a biodiversidade e a sociedade”, encerra Moura.

O artigo Climate change threatens amphibians and species representation within protected areas in tropical wetlands pode ser ado em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2664.14846.

  • André Julião 4q1k47

Leia também 1b437

Salada Verde
15 de março de 2017

Descoberta primeira perereca fluorescente do mundo 2n6f3a

Espécie natural do Pantanal brasileiro, a Hypsiboas punctatus, apresenta cor fluorescente no escuro, fenômeno raro entre os vertebrados

Análises
17 de fevereiro de 2025

Pequeninos sobreviventes: o Instituto Butantan e a missão de salvar o sapinho-da-restinga 48w2g

O Museu Biológico agora abriga quatro sapinhos e tentará reproduzir, a partir deles, uma população de segurança que, no futuro, poderá ajudar a reforçar as populações silvestres

Notícias
7 de janeiro de 2025

Anfíbios da Amazônia e da Mata Atlântica serão os mais prejudicados por combinação de seca e aquecimento 5z3t3q

Estudo aponta que até 36% dos hábitats de sapos, rãs e pererecas do mundo podem estar ameaçados pela junção de temperaturas mais altas com redução da disponibilidade de água

Mais de ((o))eco 386al

pantanal 5tmx

Análises

O que cai do mundo não volta mais 6f5m5a

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal 3y332h

Reportagens

Hidrovia trará mais desmate, agro e mineração ao Pantanal e ao Cerrado 1b2v44

English

The conservation of the lesser anteater in the Pantanal depends on protecting the giant armadillo 211v9

mudanças climáticas 4jg2j

Salada Verde

Mostra de cinema temático levanta questões sobre o meio ambiente nas telas 4jh

Salada Verde

Brasil está está entre os dez países líderes em projetos com créditos de biodiversidade 486v1o

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas p4l5i

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 3p1w31

conservação 4u55e

Notícias

Governo, ongs e sociedade civil se manifestam contra aprovação do PL do Licenciamento 51131e

Colunas

Mercantilização e caos no licenciamento ambiental brasileiro 6y4jn

Notícias

PV questiona no STF lei estadual que flexibiliza proteção ambiental em Rondônia 131a24

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 4675f

anfíbios a5y2i

Notícias

Crise climática irá encolher o lar de anfíbios na América Latina 6vv6s

Análises

Cantadores (en)cantados 204l69

Análises

Pequeninos sobreviventes: o Instituto Butantan e a missão de salvar o sapinho-da-restinga 48w2g

Colunas

Nova espécie de anfíbio do Cerrado é nomeada em homenagem à (mitológica?) guerreira do Grande Sertão 19446y

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.