Reportagens

Gilmar Mendes propõe liberar mineração em terras indígenas, acolhendo sugestão de advogado da Potássio do Brasil 1gxd

Em decisão individual na mesa de conciliação do marco temporal, o ministro acolheu sugestão do advogado da mineradora para permitir a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas em caso de “relevante interesse público da União"

Fabio Bispo ·
17 de fevereiro de 2025
  • Publicado originalmente por InfoAmazonia 4l5726

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou na última sexta-feira (14) uma minuta de proposta legislativa para ser debatida na mesa de conciliação sobre a Lei do Marco Temporal. O encontro está agendado para às 9h desta segunda-feira (17).

A proposta, composta por 94 artigos, reúne sugestões de órgãos governamentais, entidades da sociedade civil e partidos políticos que discutem as mudanças nos direitos indígenas aprovadas pela Lei 14.701/2023, a lei do marco temporal para demarcação de territórios indígenas. O movimento indígena a classifica como a “lei do genocídio”, devido aos impactos que pode gerar sobre a demarcação de terras tradicionais.

Um dos pontos controversos do texto apresentado por Mendes é a possibilidade de exploração de minerais estratégicos em terras indígenas. Segundo a minuta, a exploração desses recursos seria considerada de “relevante interesse público”, abrindo caminho para a realização de atividades minerárias nos territórios, o que hoje é proibido pela Constituição.

O artigo 21 da proposta foi baseado em uma sugestão do advogado Luís Inácio Lucena Adams, representante do Partido Progressista (PP) na mesa de conciliação (leia mais abaixo). Adams também advoga para a mineradora canadense Potássio do Brasil, que possui projeto aprovado para a instalação de uma mina sobre um território reivindicado pelo povo Mura, no município de Autazes, Amazonas.

Caso a proposta de Gilmar Mendes avance e seja encaminhada ao Congresso Nacional, a Potássio do Brasil poderá ser uma das principais beneficiadas. Isso porque, em 2021, o governo federal incluiu o potássio na lista de minerais estratégicos, recursos classificados como essenciais para a segurança econômica, industrial e tecnológica de um país. Em virtude desse papel estratégico, tais minerais poderão ser considerados de “relevante interesse público”.

Texto do artigo 21 proposto por Mendes inclui exploração de minerais estratégicos como de relevante interesse da União.

Mina de potássio é questionada pelo MPF 372731

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação judicial pedindo a suspensão do licenciamento estadual do projeto em Autazes, apontando uma série de irregularidades. Entre as acusações contra a mineradora, destacam-se fraudes no processo de consulta aos indígenas, tentativas de suborno a lideranças para obter consentimento e o fracionamento irregular do licenciamento para minimizar os impactos ambientais aparentes. O MPF também alerta para riscos ambientais como afundamento do solo e contaminação hídrica, além da mineração em terras indígenas ser inconstitucional.

Apesar das denúncias de violações dos direitos do povo Mura, a Potássio do Brasil iniciou os trabalhos na região com o respaldo do governo do estado do Amazonas, que defende a viabilidade do empreendimento e concedeu as licenças necessárias para a instalação da mina.

O projeto prevê a extração anual de 2,4 milhões de toneladas de sais de potássio para produção de fertilizantes, com a produção já contratada pelo grupo Amaggi, da família do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi. A estrutura inclui a construção de uma mina subterrânea a 800 metros de profundidade, túneis de o, uma planta industrial para produção de fertilizantes, depósitos a céu aberto para descarte de rejeitos e um porto no rio Madeira para escoamento da produção.

O território é reivindicado pelos Mura desde a década de 1990, mas o processo para demarcação do território só foi instaurado em 2003. Mesmo assim, o processo ficou parado no órgão até o ano ado, quando foi constituído um grupo de trabalho para realização de estudos antropológicos e cartográficos para demarcação da terra.

De acordo com a Constituição brasileira, a mineração dentro de terras indígenas é proibida e só poderia ser autorizada com aprovação de uma emenda na Constituição pelo Congresso.

Gilmar Mendes cumprimentando Luís Inácio Adams durante sua posse como advogado-geral da União, em 2009. Ao fundo, Lula e o futuro ministro do STF, Dias Toffoli. Crédito: U. Dettmar / STF

Advogado de mineradora na conciliação 68409

O advogado Luís Inácio Lucena Adams tem sido um ator importante para a liberação da mineração nas terras indígenas do povo Mura. O advogado assessorou a mineradora canadense na obtenção das licenças junto ao governo do Amazonas e tem sido participante ativo em audiências públicas e reuniões que discutem o tema.

Segundo consta na ata da reunião da última segunda (10), que recolheu as propostas na mesa de conciliação, o advogado justifica a mineração em terras indígenas para “atividades que tenham por objetivo garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Em audiência no Senado sobre a exploração de potássio no Brasil, em novembro de 2023, dessa vez convidado como ex-advogado da Advocacia-Geral da União (AGU), Adams criticou às ações judiciais que visam garantir os direitos indígenas sobre o território Mura, e disse que as ações do MPF para a demarcação do território são“ativismo” para “obstrução de uma ação desenvolvimentista”.

“Nada justifica o uso do Estado para fins que não são públicos, porque esse [demarcação do território Mura] não é um fim público. A Justiça brasileira é um espaço de Justiça, não espaço de confronto, é um espaço de pacificação, não espaço de escalada de conflito, e a função do juiz é promover essa pacificação”, defendeu durante a audiência.

Quando esteve à frente da AGU, Adams foi um dos principais defensores da conciliação para resolução de conflitos entre entes federais – solução que agora se pretende aplicar ao caso da lei do marco temporal. 

Como advogado-geral da União, Adams conduziu importantes casos no judiciário, sendo responsável por coordenar o acordo ambiental entre o governo federal e as mineradoras Samarco, Vale e BHP no rompimento da barragem em Mariana, em 2015, em Minas Gerais. Ele também atuou no processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Conciliação foi provocada por PP 62o5z

A lei 17.701/2023, que estabeleceu a tese do marco temporal, determina que só podem ser consideradas terras indígenas as áreas ocupadas na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

O projeto de lei foi aprovado no Senado apenas uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitar a tese do marco temporal por ser inconstitucional. A lei chegou a ser vetada pelo presidente Lula (PT), mas o veto foi derrubado após uma forte campanha encabeçada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).

Além de estabelecer a data limite para o reconhecimento dos territórios indígenas, a lei promove a abertura de territórios para empreendimentos agropecuários, exploração de recursos naturais e projetos de infraestrutura.

Após a aprovação, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ingressou com uma ação de inconstitucionalidade, alegando a decisão do próprio STF sobre a tese do marco temporal. O PSOL, a REDE, o PT, PCdoB e PV, também pediram a inconstitucionalidade da nova legislação. No entanto, uma outra ação promovida pelo PP, PL e Republicanos, pediu o contrário, que a Corte reconheça as mudanças.

Em abril do ano ado, diante das diferentes ações sobre o tema, o ministro Gilmar Mendes instituiu a mesa de conciliação para buscar um entendimento sobre as alterações promovidas pelo Congresso para as terras indígenas. Apesar de ter como objetivo reunir os dois lados do conflito, os representantes dos povos indígenas se retiraram da conciliação em agosto do ano ado, apontando “condições inaceitáveis” para a conciliação.

Integrante da Apib levanta o punho ao se retirar durante a segunda audiência de conciliação no STF nesta quarta-feira, 28 de agosto de 2024. Crédito: Tukumã Pataxó / Apib

Na decisão que publicou a minuta da proposta de conciliação na última sexta (14), Gilmar Mendes afirma que a proposta não é definitiva, mas representa um esforço para aproximar as partes envolvidas. “Rememoro a todos que a proposta não é o ponto final dos trabalhos, mas tentativa de aproximação das partes e, por esse motivo, sujeita às modificações e aprimoramentos pelos membros da Comissão”, afirmou.

O magistrado também destacou a importância do diálogo na construção de uma solução para o ime. “O objetivo principal da Comissão é a obtenção de consenso entre seus membros acerca dos problemas submetidos à sua apreciação”, pontuou. Ele explicou ainda que, caso não haja acordo sobre determinados pontos, “as redações sobre as quais recaia divergência entre os membros da Comissão serão objeto de votação, observada a regra da maioria, com o registro pormenorizado das posições adotadas, para conhecimento da sociedade e do Plenário do Supremo Tribunal Federal”.

Além da proposta do PP para autorizar a mineração em terras indígenas, a minuta divulgada por Mendes também inclui propostas apresentadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL), que representa a Câmara dos Deputados, e pelos seguintes partidos: Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Verde (PV), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Liberal (PL) e Partido Republicano (PR).

*Publicada originalmente em InfoAmazonia.

  • Fabio Bispo 4o6026

    Repórter investigativo do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo

Leia também 1b437

Notícias
14 de dezembro de 2023

Congresso derruba veto ao Marco Temporal das Terras Indígenas 4x2942

Lei 14.701/23 volta a proibir existência de terras indígenas não ocupadas até data da promulgação da Constituição de 1988; Ministério e APIB prometem contestar no STF

Reportagens
24 de abril de 2024

Gilmar suspende processos e propõe ‘mediação’ sobre ‘marco temporal’ 3h4n4m

Ministro do STF desagrada movimento indígena durante sua maior mobilização, em Brasília. Temor é que se abram mais brechas para novas restrições aos direitos dos povos originários

Salada Verde
9 de setembro de 2024

Conciliação do marco temporal continuará, mesmo sem representação indígena, decide Gilmar Mendes 46244t

Comissão de conciliação prosseguirá 'com quem estiver à mesa', decide ministro. Principal representação indígena se retirou em protesto por ausência de paridade

Mais de ((o))eco 386al

marco temporal 6bdk

Reportagens

Para substituir Marco Temporal, Gilmar Mendes propõe mineração em terras indígenas até contra vontade dos povos 175d4d

Notícias

Apib se distancia de novos representantes indígenas da comissão do Marco Temporal no STF 4oj6p

Notícias

PM mata indígena em fazenda de indicada à comissão de conciliação do Marco Temporal 65g42

Salada Verde

Conciliação do marco temporal continuará, mesmo sem representação indígena, decide Gilmar Mendes 46244t

política ambiental 5n5325

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas p4l5i

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 4675f

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 3p1w31

Reportagens

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 91ys

STF 55172e

Salada Verde

Terras alvo de desmates e incêndios criminosos podem ser expropriadas 3d3253

Notícias

Obrigação de pagar por reparação de dano ambiental não prescreve, determina STF fs2e

Notícias

STF põe fim definitivo na presunção de boa-fé no comércio de ouro 2s6x6o

Notícias

STF quer que Congresso assegure participação de indígenas nos ganhos de Belo Monte 626973

clima e energia 3a4t2x

Notícias

Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva hu4u

Colunas

Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático 3c5m2b

Colunas

Os desafios da diplomacia climática em 2025 2v221n

Reportagens

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão   6240u

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.