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Governo lança plano de rastreio individual na pecuária, com foco apenas sanitário k4p36

Identificação individual será obrigatória para todo rebanho de bovinos e bubalinos a partir de 2032. Pressão de mercados importadores impulsionou iniciativa

Cristiane Prizibisczki ·
17 de dezembro de 2024

Após longos anos de espera, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) lançou na tarde desta terça-feira (17) o Plano Nacional de Rastreabilidade na Pecuária, que prevê a identificação individual obrigatória de todos os bovinos e bubalinos em solo nacional. Apesar de as exigências ambientais de mercados importadores da carne brasileira serem cada vez mais crescentes, inicialmente o plano tem somente fins sanitários.

De acordo com o cronograma do governo, o país terá oito anos para a implementação total da iniciativa. Os dois anos iniciais, a contar de janeiro de 2025, serão para a estruturação do sistema. Neste período, além de resoluções tecnológicas, o plano também deverá ser regulamentado e desdobrado em definições de como deve se dar sua implementação.

A adoção no campo só começará em 2027, com três anos de prazo para que pecuaristas iniciem sua implementação. Após esse tempo, estão previstos mais três anos para a identificação em massa do rebanho. Isto é, o Brasil pretende ter todo rebanho identificado de forma individual e obrigatória somente em 2032.

O longo prazo dado pelo governo brasileiro foi justificado pelo tamanho do desafio de brincar um rebanho que superou 238 milhões de cabeças em 2023. “Em 2032 o Brasil se lança definitivamente para os melhores mercados do mundo como o país mais competitivo para fornecer proteína animal”, disse o ministro Carlos Fávaro, ao anunciar o lançamento do plano.

Segundo Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o prazo dado pelo governo não responde à emergência climática e ambiental com a celeridade que ela exige, mas é um fato a ser comemorado.

“Para nós, como sociedade civil, muito ciente da emergência climática, sem dúvida o prazo não é compatível com a pressa que a gente tem. Por outro lado, as questões são complexas e isso é um o. A gente ter uma política de rastreabilidade individual obrigatória é uma grande conquista”, disse Guyot, em entrevista a ((o))eco.

Pecuária está historicamente ligada ao desmatamento. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Fins sanitários ou ambientais? 1k2n6h

A necessidade da identificação individual do rebanho já é discutida internamente há várias décadas e tem sido cada vez mais exigida pelos mercados consumidores. É consenso entre os principais países exportadores e importadores de carne bovina que a rastreabilidade por identificação individual dos animais é fundamental para aumentar a segurança sanitária e para promover respostas mais rápidas e efetivas no controle e erradicação de doenças infecciosas dos rebanhos. 

Ela também é considerada peça essencial no rastreio de ilegalidades ambientais ligadas à cadeia da carne, como o desmatamento. Tanto é que Austrália, Argentina, Uruguai, Chile, Canadá e países da União Europeia já implantaram sistemas de rastreabilidade individual em 100% de seus rebanhos. 

Por diferentes fatores, entre eles a pressão exercida internamente pelo setor, o Brasil postergou a adoção do rastreio individual o máximo que pode. A iminente implementação da Lei Europeia Anti-desmatamento, o Forest Act americano e as discussões que têm sido travadas pela China Meat Association no sentido de criar diretrizes socioambientais aos seus fornecedores aumentaram a pressão sobre o setor, que agora resolveu agir.

Atualmente, a rastreabilidade da cadeia da carne no Brasil é feita por uma ferramenta chamada Guia de Trânsito Animal (GTA). A GTA é o documento oficial para transporte animal no Brasil e contém informações sobre origem, destino, finalidade, espécie e vacinas aplicadas. 

Criada para fins sanitários – controle de vacinas – a GTA também é atualmente a principal ferramenta usada para o rastreio ambiental do gado, ao ser cruzada com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e imagens de satélite.

O problema é que, além de ser emitida para lotes de animais – e um lote pode ter bois de várias procedências – a GTA não é aberta ao controle social, tem se mostrado cheia de falhas e é altamente fraudável.

No último sábado (14), o ministro Carlos Fávaro declarou que, além dos fins sanitários, o plano do MAPA também tem fins ambientais. “O mundo todo exige a transparência de boas práticas, quer sejam ambientais, quer sejam sociais e trabalhistas. E nós temos essa capacidade”, disse, em evento para pecuaristas realizado em Novo Horizonte do Norte (MT).

Segundo Marina Guyot, no entanto, o plano lançado pelo Ministério da Agricultura trata somente da rastreabilidade individual para fins sanitários e não está claro como as informações poderiam ser usadas também para monitoramento ambiental. “A transparência dos dados, para isso, não está definida”, explicou.

Gado no município de São Félix do Xingu, Pará. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Segundo ela, o governo tem trabalhado paralelamente em uma plataforma voltada para o monitoramento ambiental do rebanho brasileiro. Chamada AgroBrasil +Sustentável, a plataforma está sendo desenvolvida conjuntamente pela Casa Civil e ministérios da Indústria e Comércio, Relações Exteriores e Meio Ambiente. 

O problema é que ela tem adesão voluntária e também não está claro como se daria a integração das informações da identificação individual com os dados ambientais. “Tem alguns desafios importantes para que [a plataforma AgroBrasil +Sustentável] saia desse escopo muito limitado, voluntário, para um o obrigatório e universal”, disse Guyot. 

Ainda que não na velocidade que seria necessária, a gerente do Imaflora acredita que o Brasil está no caminho certo. “Vemos como um processo que está evoluindo,. No mínimo, está sendo construído um arcabouço de dados que, sem ele, o monitoramento socioambiental seria muito limitado. Então, é algo a ser valorizado”, diz. 

Os detalhes do Plano Nacional de Rastreabilidade na Pecuária ainda não foram publicados. 

  • Cristiane Prizibisczki 48324h

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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