Reportagens

Ministério Público entra com ação contra MT por drenagem de áreas úmidas 4u383j

Resolução aprovada no ano ado libera a drenagem de área úmida que ocorre em 1,5 milhão de hectares do estado. Órgão denuncia ilegalidades e pede anulação de norma

Michael Esquer ·
14 de março de 2023 · 2 anos atrás

O Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) ajuizou uma ação civil pública na Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá (MT) contra o governo de Mato Grosso por conta da resolução que liberou a drenagem de áreas úmidas no estado. O órgão denuncia ilegalidades e pede a anulação da norma, assim como o cancelamento de todos os pedidos de licenciamento amparados por ela. Na ação jurídica, o MPMT pede prioridade de tramitação pela relação do assunto com a “emergência climática decorrente do aquecimento global”.

Aprovada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) no ano ado, a resolução nº 45/2022 liberou a drenagem de plintossolos háplicos, um tipo de área úmida que ocorre em 1,5 milhão de hectares do estado. A norma também permitiu para drenos feitos antes da resolução, a regularização em todos os tipos de plintossolos, não apenas os háplicos. Segundo cita a petição inicial da ação do MPMT, essa categoria de solo tem uma área de 16,2 milhões de hectares, que com a resolução podem ter drenagens ilegais regularizadas.  

Além do licenciamento de drenos, a norma também permite em áreas úmidas mato-grossenses o licenciamento de atividades de baixo e médio potencial poluidor, conforme aquelas listadas na resolução nº41/2021 e no Decreto nº1.268/2022. Ao mesmo tempo, porém, a resolução diz que outras atividades não contempladas nesta classificação deverão apresentar estudo de viabilidade técnica e ambiental para sua instalação. “Ou seja, empreendimentos de significativo ou alto impacto ambiental não estão excluídos de serem instalados em áreas úmidas”, diz a petição.

Para o MPMT, a norma “padece de vícios de legalidade, incompetência, motivação e desvio de finalidade”, aponta o órgão em outro trecho do documento, que é assinado pela promotora de Justiça do MPMT, Ana Luíza Ávila Peterlini. “Sob o pretexto de proteger e regularizar o uso e licenciamento das atividades localizadas nas áreas úmidas do estado […], acabou por fragilizar a sua proteção, permitindo o exercício e a manutenção de atividades absolutamente danosas que colocam referido ecossistema em risco de degradação e extinção”, acrescenta a petição, protocolada na sexta-feira (10).

Além da anulação da norma e do cancelamento dos pedidos de licenciamento advindos dela, a ação do MPMT pede que o Estado de Mato Grosso seja obrigado a inserir e atualizar os dados de áreas úmidas no Simcar (Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural); a fiscalizar, autuar e embargar drenagens em áreas úmidas, sobretudo aquelas que beneficiam a agropecuária; e a reparar danos ecológicos provocados pela omissão na proteção de áreas úmidas. 

Área impactada pela resolução. Foto: Reprodução/Petição Inicial da Ação Civil Pública/MPMT
Atividades permitidas em áreas úmidas. Foto: Reprodução/Petição Inicial da Ação Civil Pública/MPMT

“A falta de fiscalização e monitoramento do Estado frente a construção de canais de drenagem em áreas úmidas ao longo dos anos possibilitou somente nas três grandes áreas úmidas do Estado de aproximadamente 4.961 quilômetros de drenos, que se somados e dispostos linearmente, ultraariam a extensão do Brasil de norte a sul, de Oiapoque ao Chuí (4,1 mil km)”, diz a petição ao mencionar levantamento realizado pelo Centro de Apoio Técnico à Execução (Caex) Ambiental do MPMT.

Em Mato Grosso, por recomendação do Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU) e reforçada por relatório técnico da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT), essas três grandes áreas úmidas são: o Pantanal; a planície de inundação do rio Guaporé, na região de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT); e a planície de inundação do rio Araguaia, na região leste do estado. No estado, porém, também existem outras tantas áreas úmidas menores ainda não delimitadas.  

Dessas três grandes zonas úmidas mencionadas acima, a resolução aprovada no ano ado não surte efeito apenas sobre a planície alagável do Pantanal. Isso segundo enfatiza a própria resolução e também por conta da Lei nº 8.830/2008 – também conhecida como Lei do Pantanal. 

E é justamente por esse motivo que o MPMT também pede na ação que os efeitos dessa lei sejam expandidos para as planícies pantaneiras do Araguaia e do Guaporé e seus afluentes. “A Lei do Pantanal tem uma série de restrições, como atividade agrícola, drenagens, e outras atividades de alto impacto ambiental”, explica a ((o))eco Peterlini. Se julgada procedente, a ação pede a fixação de multa diária de R$ 10 mil, no caso do não cumprimento pelo Estado de Mato Grosso das obrigações apresentadas pelo MPMT. 

Como mostrou ((o))eco, a normativa em vigor em Mato Grosso contraria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e viola a Convenção de Ramsar, tratado internacional e intergovernamental de proteção de zonas úmidas, do qual o Brasil é signatário desde 1996. “Se existe alguma regulamentação que fira essa Convenção, isso também acaba sendo uma ilegalidade”, disse Peterlini a ((o))eco no mês ado, quando o MPMT ainda estudava formas técnico-jurídicas de reverter a resolução.

Segundo o órgão, os argumentos que são apresentados na ação recém-protocolada são evidências de que a norma foi editada para atender interesses puramente econômicos, sobretudo da expansão da pecuária e da agricultura mecanizadas. “E não à almejada sustentabilidade ambiental”, diz o MPMT na petição. 

Quantidade de drenos nas três grandes áreas úmidas de Mato Grosso. Com mais drenos, em primeiro lugar o pantanal do Araguaia, em segundo o Pantanal mato-grossense e em terceiro Pantanal do Guaporé. Foto: Reprodução/Petição Inicial da Ação Civil Pública/MPMT

Impactos para a produção de água  4b41q

As zonas úmidas fornecem serviços ecossistêmicos essenciais para a natureza, economia, saúde e bem-estar de populações humanas, como: ciclo da água; conservação da biodiversidade; regulação climática; e fornecimento de alimentos. Esses ambientes também promovem a mitigação e adaptação a mudanças climáticas, pela grande capacidade de estocar carbono; controle de inundações e de secas; a recarga de aquíferos; e a filtragem e purificação de águas.

A permissão para a drenagem dessas áreas, por sua vez, deve trazer um impacto extremamente negativo em termos de produção de água. “A resolução fala em proteção de áreas úmidas, mas qual é a proteção quando você fala para drenar? Você não está protegendo, você está na verdade destruindo essas áreas”, disse à reportagem, em fevereiro, Cátia Nunes da Cunha, pesquisadora sênior do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Áreas Úmidas (Inau).

No Cerrado, por exemplo, bioma abrangido por Mato Grosso, estão nascentes de grandes bacias hidrográficas brasileiras, que precisam da recarga de aquíferos e lençóis freáticos para a sua contínua produção de água. A permissão para drenos, porém, significa a desconfiguração de zonas úmidas e, consequentemente, o comprometimento do funcionamento desses ecossistemas. “A partir do momento que você drena, você mexe no funcionamento dessa área, ela deixa de ter a sua natureza funcionando”.  

Em Mato Grosso, a pesquisadora disse que pequenas zonas úmidas já vinham sendo destruídas há muitos anos antes da normativa. “Faltavam destruir essas grandes áreas úmidas e para isso está aí a nova resolução”, alertou à reportagem, que abordou as ameaças da normativa para as zonas úmidas do estado.  

*Atualizada às 9h55, do dia 14/03/2023.

  • Michael Esquer 24f2t

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com agem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

Leia também 1b437

Reportagens
9 de março de 2023

Permissão para drenagem no Pantanal sul-mato-grossense foi “problema na redação” 2k652u

Publicada hoje, resolução que permitia valas de drenagem em áreas agrícolas no bioma foi equívoco, diz secretaria. Permissão poderia desconfigurar funcionamento ecológico e hidrológico

Reportagens
2 de fevereiro de 2023

Como norma que beneficia agropecuária ameaça áreas úmidas em Mato Grosso k1t21

Para fins agrícolas, resolução permite drenagem de plintossolos háplicos, área úmida que ocorre em 1,5 milhão de hectares do estado. Norma ainda libera atividades de médio nível poluidor

Reportagens
15 de julho de 2022

Pantanal: o que muda com a flexibilização da lei que protege o bioma em MT 465y31

Ambientalistas chamam proposta que permite criação de gado em áreas protegidas de “autorização legal” para degradação do Pantanal. Entenda tudo o que muda para o bioma

Mais de ((o))eco 386al

mato grosso 6w3b1a

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 301b22

Notícias

Empresa usa documentos falsos na disputa de terras em parque no MT 3b1h48

English

Brazil: first national parks found contaminated with agrotoxins 4b4m3f

Reportagens

Até os primeiros parques nacionais estão contaminados por agrotóxicos 4v6m58

conservação 4u55e

Notícias

PV questiona no STF lei estadual que flexibiliza proteção ambiental em Rondônia 131a24

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 4675f

Reportagens

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 91ys

Salada Verde

Evento no RJ discute protagonismo da juventude no enfrentamento da crise climática 2g53r

áreas úmidas w1g4h

Notícias

Áreas úmidas precisam de mais financiamento e apoio à conservação 3g1sl

Notícias

Justiça estadual suspende licenças para obras em áreas úmidas em Mato Grosso  213y2x

Reportagens

Como norma que beneficia agropecuária ameaça áreas úmidas em Mato Grosso k1t21

Notícias

Mato Grosso regulamenta drenagem em áreas úmidas 395o3j

ICS 6p4522

Salada Verde

Veja como votou cada senador no projeto que implode o licenciamento ambiental 6oy3g

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 3p1w31

Notícias

Cerrado perdeu 1.786 hectares de vegetação nativa por dia em 2024, mostra Mapbiomas 241h5k

Notícias

Governo Federal embarga 544 propriedades com ilícitos ambientais em Altamira 5i2w6p

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 1 3wi3c

  1. Marco Antônio diz:

    O sul do Pará está assustadoramente sofrendo esse processo.