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Pesquisa cria mecanismo para facilitar identificação de girinos 2yr1t

Pesquisadores desenvolveram uma chave de identificação para 63 espécies de girinos, fase larval de sapos, pererecas e rãs, que ocorrem na porção norte da Mata Atlântica

Duda Menegassi ·
15 de julho de 2020 · 5 anos atrás
Os girinos correspondem à fase larval aquática de sapos, rãs e pererecas. Foto: Marcos Dubeux

Ao pensar em girinos talvez o leitor tenha dificuldades de imaginar algo além de uma bolinha preta com um rabo serpenteando enquanto nada em algum rio ou poça d’água. Talvez cause espanto imaginar que existem centenas de espécies de girinos conhecidas em todo Brasil e que cada uma delas apresenta diferentes cores, formatos, tamanhos e características morfológicas próprias, que depois se transformam em bichos mais reconhecíveis como sapos, pererecas e rãs. Identificar essas espécies ainda em sua fase larval não é mesmo fácil e o desafio não é apenas o tamanho diminuto dos girinos, mas principalmente a escassez de informações sobre eles.

Com isso em mente, uma força tarefa de pesquisadores de diversas universidades do nordeste e de São Paulo, se reuniram para criar uma ferramenta que facilitasse a identificação dos girinos. A pesquisa se dedicou às espécies que ocorrem na porção norte da Mata Atlântica e produziu um o a o para identificação de 63 das 77 espécies que ocorrem nessa região. A chave de identificação é uma espécie de questionário de múltipla escolha que descreve características da espécie – como o formato do corpo, o formato e contorno das nadadeiras, a posição dos olhos e características da boca do girino – e permite, através de agrupamentos e exclusões, identificar a espécie e a família e gênero à qual pertencem.

“Foi um trabalho que demandou bastante tempo, foram 5 anos para elaborar essa chave”, explica o biólogo que coordenou a pesquisa, Marcos Dubeux, da Universidade Federal de Pernambuco. “Apesar dos esforços nos últimos anos para ampliar o conhecimento sobre essa fase da vida dos sapos, comparado com a fase adulta, pouco sabemos sobre os girinos. E um dos primeiros desafios para um pesquisador iniciar qualquer tipo de trabalho com girinos é conseguir identificar a espécie. As ferramentas que são utilizadas hoje em dia para identificar os girinos normalmente são com base em análises moleculares, através de DNA, o que não está disponível para todo mundo. É uma ferramenta restrita a alguns grupos de pesquisa, que demanda um gasto financeiro muito grande. E como a gente tinha o a essa ferramenta e, portanto, tínhamos essa confiabilidade para identificação dos girinos através da genética, nós pensamos que poderíamos construir uma ferramenta de fácil o e uso para pessoas que não tem possibilidade de o à análise molecular. E foi aí que pensamos na chave de identificação pros girinos e, com a luz da genética, conseguimos fazer as caracterizações e identificar características morfológicas de fácil distinção entre as espécies que pudessem ser utilizadas posteriormente”, conta o pesquisador.

Diversidade dos girinos é traduzida em características diferentes como cor, formato, a posição dos olhos e a boca. Foto: Marcos Dubeux

O trabalho dos pesquisadores foi publicado em julho, na revista científica Biota Neotropica, e é assinado por pesquisadores de cinco universidades. O estudo foi concentrado nas espécies de Mata Atlântica que ocorrem ao norte do rio São Francisco, no nordeste brasileiro. Foram analisados 1.042 girinos pertencentes a 63 espécies, que representam 28 gêneros, de 32 localidades. Além da chave de identificação, a pesquisa inclui ilustrações e imagens – e produziu até um vídeo resumido sobre o trabalho e os girinos.

“Nós conseguimos incluir 63 espécies, das 77, porque algumas de fato não apresentam fase de girino, mas 7 delas não têm sequer o seu girino conhecido, ninguém nunca encontrou o girino da espécie. Um outro estudo feito em 2012 apontou que cerca de 40% das espécies de sapos brasileiros não têm o seu girino sequer conhecido. Isso é um reflexo do grande déficit de informação que nós ainda temos sobre girinos brasileiros. E eu acredito que estudos que incentivam novas pesquisas são essenciais para gente ir preenchendo essas lacunas ao longo de todo território brasileiro e inspirando pessoas a se interessarem por esses animais”, aponta Dubeux.

O pesquisador acredita que a chave de identificação poderá ser um catalisador de novos estudos sobre girinos em todo Brasil e ressalta que, apesar da equipe ter focado em espécies do norte da Mata Atlântica, muitas das espécies descritas possuem ampla distribuição, ou seja, ocorrem em outros locais e até mesmo outros biomas.

“Acredito que com esse auxílio na identificação, outros estudos sobre a ecologia dos girinos; a composição de comunidades, quais as espécies que compartilham uma mesma poça; a alimentação de girinos… provavelmente começarão a ser desenvolvidos com maior frequência. Muitas das espécies que estudamos são amplamente distribuídas, ocorrem no Brasil todo ou na Mata Atlântica toda, então a chave também poderá ser útil em outras localidades que ficam fora da nossa área de estudo. Além disso, nós também disponibilizamos uma caracterização morfológica, que é uma espécie de descrição das características do girino”, detalha o pesquisador.

“Com a chave de identificação nós conseguimos abrir um leque de possibilidades porque com essas características, através de uma lupa ou qualquer estrutura de amplificação, já é possível identificar as espécies de girinos. Muitas vezes eu chegava em laboratórios de universidades e eles até tinham girinos na coleção de herpetologia, mas estavam todos em um mesmo pote, diversas espécies misturadas, porque não existiam profissionais que conseguissem identificá-los e nem ferramentas íveis que auxiliassem nessa identificação. E com isso muitos estudos acabavam não sendo desenvolvidos”, acrescenta.

A identificação dos girinos ainda é um dos principais desafios para as pesquisas sobre o grupo. Foto: Marcos Dubeux

Em todo o território brasileiro são conhecidas mais de 1.000 espécies de anuros (ordem animal dos sapos), e a maioria delas apresentam fase larval, ou seja, vêm ao mundo como girinos e assim permanecem por dias ou anos, a variar da espécie, até arem pela metamorfose da vida adulta e se tornar um sapo, uma perereca ou uma rã. Existem chaves de identificação anteriores para girinos brasileiros, mas a maioria se concentra nas regiões sul e sudeste do Brasil.

“Pesquisadores de diversos lugares já sinalizaram interesse em produzir novas chaves para Bahia, para o Cerrado, para a Amazônia. Então é muito provável que esse trabalho venha incentivando novos pesquisadores a trabalhar também com essa fase tão pouco conhecida dos sapos aqui no Brasil”, comemora Dubuex.

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    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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