Reportagens

Polícia do Amazonas aperta o cerco contra a exploração de animais silvestres 1pm63

Turismo irregular que promove contato direto com a natureza expõe espécies e visitantes a perigos; Em Manaus, a Polícia Civil desencadeou operação contra a prática

Jhualisson Veiga ·
14 de maio de 2025

Três preguiças, dois macacos-de-cheiro, uma arara-vermelha e uma cobra sucuri foram resgatados na comunidade Vila Nova, no município de Iranduba, a cerca de 27 quilômetros de Manaus, em operação da Polícia Civil do Amazonas realizada na semana ada. Na ocasião, um homem foi preso e três adolescentes foram apreendidos, acusados de guarda ilegal de espécies silvestres, maus-tratos a animais e associação criminosa. Os acusados responderão ao processo em liberdade.

A Operação Anhanguá, da Polícia Civil do Amazonas, foi conduzida pela Delegacia Especializada em Crimes contra o Meio Ambiente e Urbanismo (Dema), com apoio da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core-AM) e da Delegacia Fluvial (Deflu). A investigação teve início após uma denúncia feita ao Ministério Público do Estado do Amazonas. Segundo a delegada Juliana Viga, da Dema, o grupo promovia encontros de turistas com os animais.

“Fomos até o local, os agentes foram de forma disfarçada para averiguar como funcionava essa exploração. Identificamos os responsáveis, inclusive por meio de transferências bancárias, e montamos toda a operação. Durante a ação, alguns conseguiram fugir, mas com o apoio do Core conseguimos capturar a maioria”, relatou a delegada.

Arara vermelha apreendida pela Polícia Civil. Fotos: Beatriz Sampaio, Anderton Cardoso e Erlon Rodrigues/PC-AM

O coordenador da Core-AM, delegado Juan Valério, destacou a estrutura articulada do grupo e o trabalho de infiltração realizado para surpreender os exploradores.

“Nos trouxe espanto a articulação que eles tinham. Havia olheiros em diferentes pontos avisando sobre movimentações estranhas. Por isso, optamos por infiltrar policiais como turistas. Utilizamos vários flancos, inclusive por mata e lancha, para impedir fugas e garantir o resgate seguro dos animais”, detalhou Valério.

Os animais resgatados foram encaminhados à Comissão de Proteção aos Animais e transportados em ambulância veterinária até uma clínica. Lá, exames constataram desnutrição, desidratação e até infecções. A sucuri, por exemplo, apresentava dois abscessos suspeitos, que serão investigados. Todos os animais agora estão sob cuidados no zoológico do Hotel Tropical, istrado por uma instituição de ensino superior do Amazonas.

Além dos crimes de maus-tratos e guarda ilegal, os envolvidos também responderão por associação criminosa. Um dos investigados será indiciado por corrupção de menores.

“Eles mantinham uma estrutura criminosa com líder, responsável pela contabilidade e jovens cooptados para o trabalho ilegal. É inissível que isso aconteça em plena Amazônia, e vamos continuar combatendo essas práticas”, afirmou a delegada Juliana Viga.

O impacto invisível do ecoturismo predatório 2w5v8

Embora muitos turistas não tenham conhecimento dos danos envolvidos, especialistas alertam que a interação forçada com a fauna amazônica tem efeitos devastadores. O caso do bicho-preguiça é emblemático: a captura geralmente envolve a morte da mãe para que o filhote possa ser usado em fotos. Esses animais, naturalmente lentos, são expostos ao estresse, à má alimentação e à manipulação constante – o que compromete gravemente sua saúde.

A prática de alimentar animais silvestres também tem consequências severas. Espécies como o macaco-de-cheiro, ao serem condicionadas a receber comida de visitantes, desenvolvem comportamentos dependentes, se aproximando com frequência de humanos e se tornando presas fáceis para caçadores. O exemplo mais marcante foi registrado nas redondezas do antigo hotel Ariaú Towers, localizado no município de Iranduba, que mesmo após o fechamento há quase uma década continuou atraindo macacos em busca de alimentos ofertados no ado. 

Ecoturismo em alta  1yb54

Nos últimos anos, microempresas aram a oferecer os chamados “safáris amazônicos”, pacotes turísticos de um dia que prometem uma imersão cultural e ambiental pela floresta. Os roteiros geralmente incluem eios pelo Encontro das Águas, nado com botos, visita a comunidades indígenas, pesca de pirarucu em cativeiro e degustações da culinária local. Os preços variam entre R$ 80 e R$ 180, e os eios partem diariamente da região portuária de Manaus.

Em 2024, a equipe de ((o))eco esteve na mesma comunidade alvo da operação da Polícia Civil. O objetivo era acompanhar de perto as atividades. A expectativa era encontrar práticas responsáveis, alinhadas aos princípios do ecoturismo. No entanto, a experiência revelou um quadro preocupante: o uso indiscriminado de animais silvestres para fins turísticos, sem qualquer controle ou autorização dos órgãos ambientais competentes.

A ambientalista e guia de turismo Silvia Alfaia critica a lentidão nas mudanças práticas. “No papel, tudo parece funcionar. Mas na realidade, ainda estamos remando contra uma correnteza de interesses econômicos e desinformação. Falta fiscalização, falta educação ambiental e, sobretudo, vontade política para mudar esse cenário”, avalia.

Silvia defende que o turismo seja uma ferramenta de conservação e não de destruição. “O potencial da Amazônia é imenso, mas isso não justifica colocar em risco as espécies que vivem aqui apenas para entreter. Precisamos investir em roteiros educativos e fiscalizados, onde o respeito à fauna seja regra e não exceção”, reforça.

Procurada, a Amazonastur, responsável pela política de turismo no estado do Amazonas, informou que realiza campanhas educativas para alertar visitantes sobre os riscos e ilegalidades do manuseio de animais silvestres. Ainda assim, a prática persiste, alimentada pela demanda dos próprios turistas e pela ausência de fiscalização efetiva em muitas comunidades ribeirinhas.

Joel Araújo, superintendente regional do Ibama, afirmou que a instituição reconhece a importância do turismo como aliado da conservação, mas alerta para os riscos do uso inadequado da fauna. “O Ibama não é contra o turismo, mas sim contra o turismo predatório, que estimula o tráfico de animais e o sofrimento da fauna silvestre. Recebemos constantes denúncias de hotéis e agências que incentivam esse tipo de prática. Isso precisa mudar”, destacou.

Segundo ele, o turismo precisa ser regulado e orientado. “É necessário criar alternativas que mantenham a floresta em pé e gerem renda, mas dentro da legalidade. A convivência harmoniosa entre homem e natureza só acontece com responsabilidade e fiscalização”, completou.

Observação de botos em um flutuante no Rio Negro. Foto: Jhualisson Veiga.

Turistas se dizem enganados 5z1p52

O casal de turistas cariocas Rodrigo Cunha e Roberta Lazzoli esteve na Amazônia no ano ado e se surpreendeu com a naturalidade com que os animais silvestres eram oferecidos para fotos. Eles participaram de atividades permitidas, como o nado com os botos, mas foram surpreendidos por outras práticas ilegais.

“Fiquei chocado ao descobrir que tirar foto com preguiça é crime ambiental. Se soubéssemos antes, jamais teríamos aceitado. A falta de informação prejudica não só os animais, mas também a imagem da Amazônia”, afirmou Rodrigo. Roberta completou: “Não vi maus-tratos explícitos, mas percebi que os animais estavam apáticos, claramente fora de seu comportamento natural. Isso me deixou desconfortável”.

A operação policial desta semana mostra que é possível avançar no combate à exploração animal, mas o desafio é constante. A responsabilidade é compartilhada entre poder público, empresas de turismo e os próprios visitantes, que precisam buscar atividades regulamentadas e denunciar irregularidades.

O turismo na Amazônia tem um potencial imenso para gerar desenvolvimento e promover a conservação ambiental. Mas isso só se concretiza quando há respeito à vida silvestre, fiscalização rigorosa e, acima de tudo, uma mudança de consciência sobre o verdadeiro valor da natureza.

  • Jhualisson Veiga 4r2p6x

    Formado em Jornalismo pelo Centro Universitário do Norte (UniNorte) - Manaus.

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