Reportagens

Uma descoberta cabeluda: a curiosa bromélia-peluda 4i5zz

Com folhas cobertas por pelos, a bromélia-peluda foi descoberta graças a ciência-cidadã. Planta vive apenas nas desprotegidas montanhas do leste mineiro e já está sob alto risco de extinção

Duda Menegassi ·
11 de outubro de 2023 · 2 anos atrás

Em meio a folhas de um verde pálido cobertas de pelos brancos, exibia-se uma delicada flor de pétalas arroxeadas. Tanto o aspecto peludo – que em nada parece com as bromélias tradicionais – quanto a singela floração que coloria o paredão rochoso coberto de líquen despertaram a curiosidade de Júlio César Ribeiro. Morador local de Alvarenga, município no leste de Minas Gerais, ele explorava a região, abundante em cachoeiras, em novembro do ano ado, quando se deparou com esse mistério “cabeludo”. “Além de ser uma planta que eu nunca tinha visto na região, me chamou a atenção as folhas peludas como as do capim e as flores saindo no meio das folhas”, conta Júlio, que fotografou a planta e mandou as fotos para os pesquisadores. A partir da foto deste jovem cientista-cidadão, começou o trabalho para identificar aquela planta curiosa.

“Essa planta é tão diferente que quando o Júlio mandou a foto dela pra gente, achamos que pudesse ser tudo, menos uma bromélia!”, conta Dayvid Couto, botânico e pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA). “É difícil imaginar uma bromélia com folhas aveludadas e cheia de pelos e isso é só um dos motivos que tornam essa descoberta tão empolgante”, completa.

Esse atributo tão particular – que pode ter como função absorver água ou evitar a perda d’água, especulam os pesquisadores – foi exposto no nome dado à nova planta: bromélia-peluda (Krenakanthus ribeiranus). O nome científico “ribeiranus” é uma homenagem direta ao jovem que, a partir da sua curiosidade e da ciência-cidadã, ajudou a jogar luz sobre esta espécie tão única.

Após enviar as fotos, Júlio ajudou os pesquisadores a coletarem alguns espécimes para aprofundar os estudos necessários para confirmar a identidade da planta. A descrição da bromélia-peluda foi publicada na última semana na revista científica Phytotaxa, assinada por sete pesquisadores, entre eles Dayvid.

O jovem cientista-cidadão, Júlio César Ribeiro, ao lado do seu achado, que agora homenageia seu nome, a bromélia-peluda. Foto: Paulo Gonella

No artigo, os pesquisadores ressaltam que até o momento foram identificadas apenas duas populações da bromélia, ambas em uma única montanha – a Serra de Santa Maria – e, por isso, ela já pode ser considerada extremamente ameaçada. “Com base na distribuição muito restrita e o avançado grau de degradação da região onde foi encontrada, nós avaliamos essa espécie como Criticamente Em Perigo de Extinção, o grau mais alto de risco”, destaca Eduardo Fernandez, coordenador de projetos do Núcleo Avaliação do Estado de Conservação, do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), órgão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) responsável pela elaboração da Lista Vermelha Nacional da Flora.

Ao todo, existem apenas cerca de 300 bromélias-peludas, localizadas perto das bordas da floresta, onde a Mata Atlântica faz fronteira com áreas de pasto.

Sem nenhuma unidade de conservação que resguarde seu habitat, a bromélia-peluda está vulnerável a ameaças como o desmatamento para abertura de pastagens, aumento na frequência e na intensidade de incêndios descontrolados e a expansão das lavouras de café que existem na região. Por ser uma espécie que depende de ambientes altamente sombreados, a perda da cobertura florestal pode ser fatal para a espécie.

De acordo com o coordenador do CNCFlora, é urgente a elaboração de um estudo para criação de uma unidade de conservação, assim como a inclusão da espécie em políticas de conservação no ambiente natural e fora dele (com ações como a reprodução em jardins botânicos) para assegurar o futuro da espécie.

O gênero ao qual pertence a misteriosa planta possui apenas uma outra espécie (Krenakanthus roseolilacinus), que foi registrada na mesma região, o que reforça a importância de proteger o leste mineiro. O nome Krenakanthus é uma referência à etnia indígena Krenak, povo originário que habita o Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.

Fotos: Júlio César Ribeiro

As preciosas e desprotegidas montanhas do leste mineiro 2sb6n

O achado foi feito no município de Alvarenga, em uma das montanhas do leste de Minas Gerais, onde campos rupestres transformam a paisagem das alturas, dentro dos domínios da Mata Atlântica. São serras repletas de peculiaridades e seres raros – como a Serra do Padre Ângelo – situadas na região central do Vale do Rio Doce, que até hoje permanecem desprotegidas.

Desde 2012, expedições científicas têm revelado os tesouros que se escondem nestas montanhas. Espécies de plantas únicas, de ocorrência restrita e cujo futuro está ameaçado. Apenas nesses últimos dez anos foram encontradas e descritas mais de trinta novas espécies de plantas nas serras desprotegidas do leste mineiro. Sendo onze de bromélias. E a maioria já em situação de ameaça. O que reforça a urgência de proteger essa região, alertam os pesquisadores.

“Pela sua alta riqueza, única e extremamente ameaçada, as serras do leste de Minas vem aos poucos atraindo a atenção do poder público, mas ainda de maneira incipiente. É crucial o estabelecimento de Unidades de Conservação na região, que possui um dos mais proeminentes déficits de medidas de conservação in situ na região do Médio Rio Doce”, comenta o botânico Paulo Gonella, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). 

O pesquisador reforça que, além da biodiversidade única, a região possui um papel fundamental para garantir a segurança hídrica. “Essas serras funcionam como caixas d’água, pois protegem nascentes que abastecem inúmeros municípios da região”, completa.

  • Duda Menegassi 3d542y

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

Leia também 1b437

Notícias
20 de setembro de 2023

Borboleta-guerreira-das-pedras: uma nova espécie nas serras de Minas Gerais 2e5x2

A espécie recém-descrita corresponde a um novo gênero e foi encontrada apenas nas montanhas desprotegidas do leste mineiro, já sob ameaça de extinção

Reportagens
6 de março de 2023

Bromélia descoberta nas montanhas mineiras impõe enigma botânico 1r3q1l

Cercada de mistérios e por isso batizada como bromélia-enigmática, a nova espécie descoberta na Serra do Padre Ângelo, em Minas Gerais, desafia pesquisadores com sua floração singular

Notícias
4 de janeiro de 2022

Pesquisadores descobrem espécie rara de maracujá das montanhas 6e1x57

O maracujá-das-pedras ocorre em uma área restrita nas montanhas entre Minas Gerais e Espírito Santo, fora de áreas protegidas, e os cientistas já alertam para o risco de extinção

Mais de ((o))eco 386al

mata atlântica 3i6w4g

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção d7343

Análises

A importância da rede de colaboração em prol da conservação dos manguezais no litoral norte do Paraná 314x73

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 54d1h

Salada Verde

Ação prende casal que capturou macaco-prego no Parque Nacional da Tijuca 5o2g6f

flora 5o5u2j

Notícias

Um jequitibá de 65 metros: conheça a maior árvore viva da Mata Atlântica 2k671g

Análises

Cerrado em Cores: um mergulho no fantástico mundo das flores e beija-flores 39163m

Notícias

Conheça oito espécies da flora invasora que ameaçam a biodiversidade brasileira 6x3s6r

Notícias

Estudo reforça importância de proteger a Serra da Chapadinha, na Bahia 1p1g4l

minas gerais 1e2p1t

Notícias

Um jequitibá de 65 metros: conheça a maior árvore viva da Mata Atlântica 2k671g

Reportagens

Destruição de caverna em Minas Gerais alerta para falhas no licenciamento 1h2qp

Notícias

Campos rupestres ganham destaque em plano de conservação de Juiz de Fora 4w22e

Análises

Quando Fonseca se for, perderemos as chaves para o futuro climático 2b4714

biodiversidade 1l5w1a

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 2y2a21

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 6m1s35

Salada Verde

Brasil está entre os dez países líderes em projetos com créditos de biodiversidade 5a4z28

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 4675f

Deixe uma respostaCancelar resposta 2s56o

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 1 3wi3c

  1. Dayse Campista diz:

    Parabéns Duda! Amo as suas matérias. Infelizmente, a nossa espécie está destruindo a nossa riqueza natural antes de conhecer. Bjs Namastê da Amazônia Dayse Campista